BRASÍLIA — Primeiro presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) nomeado pelo governo Bolsonaro, Marcus Vinicius Rodrigues afirmou em entrevista ao GLOBO que a chegada do atual ministro da Educação, Milton Ribeiro, "é uma tragédia" para a instituição. Segundo ele, o pastor e professor que assumiu o Ministério da Educação (MEC) há quase dez meses não consegue "ter uma conversa de cinco minutos sobre políticas públicas educacionais" e "está acabando com o Inep".
Ligado ao MEC, o Inep, que está com o quarto presidente em pouco mais de dois anos de governo, é responsável por avaliações de larga escala no país, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), cujos resultados subsidiam o cálculo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). As declarações de Marcus Vinicius Rodrigues ocorrem no mesmo dia em que Alexandre Lopes, outro ex-presidente do Inep,criticou Milton Ribeiro , conforme mostrou o GLOBO.
Procurado sobre as declarações de Alexandre Lopes, que afirmou que Ribeiro foi omisso durante a realização do último Enem, o ministro Milton Ribeiro não se manifestou e sua assessoria disse que os questionamentos deveriam ser encaminhados ao Inep. O instituto, por sua vez, afirmou que há recursos disponíveis para o Enem 2021 e que o cronograma está sendo cumprido, ao contrário do declarado por Lopes. Perguntas sobre a reação de Ribeiro às acusações de Lopes, no entanto, ficaram sem resposta.
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Para Marcus Vinicius Rodrigues, que foi dirigente do Inep no início do governo Bolsonaro, até ser demitido, em março de 2019, pelo então ministro Ricardo Vélez, a gestão já passava por alguma turbulência, ainda na época do antecessor de Milton Ribeiro, o ex-ministro Abraham Weintraub. Mas agora, na visão dele, o cenário é outro, com transferência indevida de funções do Inep para o MEC e substituição de servidores capacitados por "pessoas que não sabem nem falar":
— Quando entrou o Milton (Ribeiro), foi uma tragédia. Porque o Milton não é uma pessoa do mal, é um pastor. Só que ele não entende nada. Ele está acabando com o Inep (...) É muito grave. O Milton não teria possibilidade de ter uma conversa de cinco minutos sobre políticas públicas educacionais. Não é por mal. Mas não é a área dele.
Para Rodrigues, o atual ministro da Educação não demonstrou competência nem para colocar pessoas de nível técnico elevado, como os servidores de carreira do Inep, nos cargos-chave da instituição.
— As coisas que estão sendo feitas no Inep é para acabar com o Inep. O instituto tem um quadro muito preparado. E trabalhar com esse pessoal estudioso, se não estiver à altura (deles), não dá certo. E o Milton está colocando para trabalhar com esse pessoal um bando de pessoas que não sabem nem falar — criticou Rodrigues, acrescentando:
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— Você não imagina o que é botar uma pessoa para conversar com um doutor do Inep. Eu conversava, era difícil. São pessoas que viveram para isso (estudo). O Milton, não.
Na opinião de Rodrigues, que tem doutorado em engenharia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e foi professor de cursos de pós-graduação, além de ser consultor organizacional, Milton Ribeiro tem "medo do conhecimento das pessoas do Inep" e, em vez de "se aliar a essas pessoas e tentar cooptar esse conhecimento", preferiu "bater de frente".
Retrocesso de '30 anos'
Milton Ribeiro vem sendo criticado por nomear pessoas sem experiência em áreas importantes, como o coronel da Aeronáutica Alexandre Gomes da Silva, cujo currículo destaca atuação em investigação de acidentes aéreos e relações institucionais, para a diretoria que cuida do Enem. Ele foi alçado ao posto em março passado.
Outra mudança que repercutiu mal ocorreu na semana passada, com a exoneração da coordenadora-geral de Avaliação dos Cursos de Graduação e Instituições de Ensino Superior, Sueli Silveira, respeitada no meio acadêmico com anos de conhecimento no setor. A demissão levou quatro servidores a colocarem seus cargos comissionados à disposição , conforme mostrou o GLOBO.
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Outras ações que receberam críticas dizem respeito a manobras para retirar funções do Inep e centralizá-las no MEC. Uma delas seria a reformatação do exame de alfabetização. Para Marcus Vinicius Rodrigues, as consequências dessas medidas será um retrocesso de 30 anos na educação:
— Abalar o Inep significa comprometer a medição necessária para monitorar as políticas públicas para a educação. Só se pode administrar medindo, só se pode melhorar medindo. O que estamos acabando é com a medição. (Eventuais problemas com) o Enem deste ano é uma consequência, mas não é a principal.
Rodrigues, que é apoiador do presidente Jair Bolsonaro, considera que a carta escrita na semana passada por ex-ministros da Educação, incluindo os das gestões petistas e do governo Temer, é "muito sensata". Ele fazem, no documento, duras críticas a um enfraquecimento atual do Inep.
— Aquela carta é muito sensata: nós estamos acabando com o Inep. E acabar com o Inep significa voltar, por incrível que pareça, 30 anos na educação brasileira — afirmou Rodrigues.
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O ex-presidente faz questão de dizer que o Inep tem problemas e que sua gestão listou pontos a serem melhorados a partir de 33 projetos. Mas afirma que as ações tomadas por Milton Ribeiro só deterioram o instituto e sua capacidade técnica, sem resolver as falhas organizacionais. Em tom de brincadeira, comenta sobre o ministro que também é pastor de uma igreja evangélica:
— Ele (Milton Ribeiro) deve todo dia rezar muito pelo 'mal' que ele está fazendo.
Lopes chama Ribeiro de omisso
Rodrigues não é o primeiro ex-presidente do Inep da gestão Bolsonaro a criticar o atual ministro da Educação. Nesta segunda-feira, o GLOBO trouxe à tona acusações do último dirigente, Alexandre Lopes, exonerado por Milton Ribeiro em fevereiro passado.
Lopes disse que o ministro foi "omisso" e agiu com "covardia" ao se esquivar de responsabilidades durante a realização da última edição do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), aplicado em meio à pandemia. Ele também ressaltou que não há verba para o exame deste ano e que o planejamento da prova está atrasado.
Em nota, o Inep afirmou que os "recursos necessários para realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2021 estão garantidos", sem responder se hoje há apenas R$ 200 milhões para o exame, que custa cerca de R$ 700 milhões, conforme disse Alexandre Lopes ao GLOBO.
"O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) estuda os melhores cenários para aplicação do exame. Após finalizar as análises técnicas, serão divulgados os cronogramas completos com todas datas previstas. A Autarquia esclarece que não há falta de orçamento para realização do Enem e, consequente, impactos nas datas por esse motivo", destacou.
A instituição destacou ainda que o exame sofre "impactos diretos e indiretos por conta da pandemia". Como exemplo, disse que é preciso viabilizar "com segurança" o deslocamento de professores de todo o país que trabalham na elaboração de itens da prova até o Ambiente Físico Integrado Seguro na sede do Inep, em Brasília. Mas negou impacto no cronograma.