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'Milton Ribeiro está acabando com o Inep', diz primeiro presidente do instituto na gestão Bolsonaro

Críticas de Marcus Vinicius Rodrigues ocorrem na esteira de acusações do último dirigente do órgão, para quem ministro da Educação foi omisso em relação ao Enem feito na pandemia
O Ministro da Educação, Milton Ribeiro Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
O Ministro da Educação, Milton Ribeiro Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

BRASÍLIA — Primeiro presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) nomeado pelo governo Bolsonaro, Marcus Vinicius Rodrigues afirmou em entrevista ao GLOBO que a chegada do atual ministro da Educação, Milton Ribeiro, "é uma tragédia" para a instituição. Segundo ele, o pastor e professor que assumiu o Ministério da Educação (MEC) há quase dez meses não consegue "ter uma conversa de cinco minutos sobre políticas públicas educacionais" e "está acabando com o Inep".

Ligado ao MEC, o Inep, que está com o quarto presidente em pouco mais de dois anos de governo, é responsável por avaliações de larga escala no país, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), cujos resultados subsidiam o cálculo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). As declarações de Marcus Vinicius Rodrigues ocorrem no mesmo dia em que Alexandre Lopes, outro ex-presidente do Inep,criticou Milton Ribeiro , conforme mostrou o GLOBO.

Procurado sobre as declarações de Alexandre Lopes, que afirmou que Ribeiro foi omisso durante a realização do último Enem, o ministro Milton Ribeiro não se manifestou e sua assessoria disse que os questionamentos deveriam ser encaminhados ao Inep. O instituto, por sua vez, afirmou que há recursos disponíveis para o Enem 2021 e que o cronograma está sendo cumprido, ao contrário do declarado por Lopes. Perguntas sobre a reação de Ribeiro às acusações de Lopes, no entanto, ficaram sem resposta.

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Para Marcus Vinicius Rodrigues, que foi dirigente do Inep no início do governo Bolsonaro, até ser demitido, em março de 2019, pelo então ministro Ricardo Vélez, a gestão já passava por alguma turbulência, ainda na época do antecessor de Milton Ribeiro, o ex-ministro Abraham Weintraub. Mas agora, na visão dele, o cenário é outro, com transferência indevida de funções do Inep para o MEC e substituição de servidores capacitados por "pessoas que não sabem nem falar":

— Quando entrou o Milton (Ribeiro), foi uma tragédia. Porque o Milton não é uma pessoa do mal,  é um pastor. Só que ele não entende nada. Ele está acabando com o Inep (...) É muito grave. O Milton não teria possibilidade de ter uma conversa de cinco minutos sobre políticas públicas educacionais. Não é por mal. Mas não é a área dele.

Para Rodrigues, o atual ministro da Educação não demonstrou competência nem para colocar pessoas de nível técnico elevado, como os servidores de carreira do Inep, nos cargos-chave da instituição.

— As coisas que estão sendo feitas no Inep é para acabar com o Inep. O instituto tem um quadro muito preparado. E trabalhar com esse pessoal estudioso, se não estiver à altura (deles), não dá certo. E o Milton está colocando para trabalhar com esse pessoal um bando de pessoas que não sabem nem falar — criticou Rodrigues, acrescentando:

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— Você não imagina o que é botar uma pessoa para conversar com um doutor do Inep. Eu conversava, era difícil. São pessoas que viveram para isso (estudo). O Milton, não.

Na opinião de Rodrigues, que tem doutorado em engenharia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e foi professor de cursos de pós-graduação, além de ser consultor organizacional, Milton Ribeiro tem "medo do conhecimento das pessoas do Inep" e, em vez de "se aliar a essas pessoas e tentar cooptar esse conhecimento", preferiu "bater de frente".

Retrocesso de '30 anos'

Milton Ribeiro vem sendo criticado por nomear pessoas sem experiência em áreas importantes, como o coronel da Aeronáutica Alexandre Gomes da Silva, cujo currículo destaca atuação em investigação de acidentes aéreos e relações institucionais, para a diretoria que cuida do Enem. Ele foi alçado ao posto em março passado.

Outra mudança que repercutiu mal ocorreu na semana passada, com a exoneração da coordenadora-geral de Avaliação dos Cursos de Graduação e Instituições de Ensino Superior, Sueli Silveira, respeitada no meio acadêmico com anos de conhecimento no setor. A demissão levou quatro servidores a colocarem seus cargos comissionados à disposição , conforme mostrou o GLOBO.

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Outras ações que receberam críticas dizem respeito a manobras para retirar funções do Inep e centralizá-las no MEC. Uma delas seria a reformatação do exame de alfabetização. Para Marcus Vinicius Rodrigues, as consequências dessas medidas será um retrocesso de 30 anos na educação:

— Abalar o Inep significa comprometer a medição necessária para monitorar as políticas públicas para a educação. Só se pode administrar medindo, só se pode melhorar medindo. O que estamos acabando é com a medição. (Eventuais problemas com) o Enem deste ano é uma consequência, mas não é a principal.

Rodrigues, que é apoiador do presidente Jair Bolsonaro, considera que a carta escrita na semana passada por ex-ministros da Educação, incluindo os das gestões petistas e do governo Temer, é "muito sensata". Ele fazem, no documento, duras críticas a um enfraquecimento atual do Inep.

— Aquela carta é muito sensata: nós estamos acabando com o Inep. E acabar com o Inep significa voltar, por incrível que pareça, 30 anos na educação brasileira — afirmou Rodrigues.

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O ex-presidente faz questão de dizer que o Inep tem problemas e que sua gestão listou pontos a serem melhorados a partir de 33 projetos. Mas afirma que as ações tomadas por Milton Ribeiro só deterioram o instituto e sua capacidade técnica, sem resolver as falhas organizacionais. Em tom de brincadeira, comenta sobre o ministro que também é pastor de uma igreja evangélica:

— Ele (Milton Ribeiro) deve todo dia rezar muito pelo 'mal' que ele está fazendo.

Lopes chama Ribeiro de omisso

Rodrigues não é o primeiro ex-presidente do Inep da gestão Bolsonaro a criticar o atual ministro da Educação. Nesta segunda-feira, o GLOBO trouxe à tona acusações do último dirigente, Alexandre Lopes, exonerado por Milton Ribeiro em fevereiro passado.

Lopes disse que o ministro foi "omisso" e agiu com "covardia" ao se esquivar de responsabilidades durante a realização da última edição do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), aplicado em meio à pandemia. Ele também ressaltou que não há verba para o exame deste ano e que o planejamento da prova está atrasado.

Em nota, o Inep afirmou que os "recursos necessários para realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2021 estão garantidos", sem responder se hoje há apenas R$ 200 milhões para o exame, que custa cerca de R$ 700 milhões, conforme disse Alexandre Lopes ao GLOBO.

"O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) estuda os melhores cenários para aplicação do exame. Após finalizar as análises técnicas, serão divulgados os cronogramas completos com todas datas previstas. A Autarquia esclarece que não há falta de orçamento para realização do Enem e, consequente, impactos nas datas por esse motivo", destacou.

A instituição destacou ainda que o exame sofre "impactos diretos e indiretos por conta da pandemia". Como exemplo, disse que é preciso viabilizar "com segurança" o deslocamento de professores de todo o país que trabalham na elaboração de itens da prova até o Ambiente Físico Integrado Seguro na sede do Inep, em Brasília. Mas negou impacto no cronograma.