Gilson Reis

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Coordenador-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee

Opinião

Milton Ribeiro, demita-se

O ministro demonstrou desconhecer a educação nacional e expôs toda a sua ignorância e arrogância

O Ministro da Educação, Milton Ribeiro (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
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O mundo acompanha perplexo o retorno dos talebans ao comando do Afeganistão. Depois de 20 anos de guerra contra o império estadunidense e sem arranhar uma vírgula do seu poderio militar e ideológico, líderes espirituais assumem novamente o controle do país e impõem as normas da Lei da Sharia: tudo e todos estarão submetidos às leis religiosas e aos princípios da teocracia islâmica. Democracia, Estado democrático de direito, respeito às instituições estão descartados conforme pronunciamento de seus líderes.

Enquanto o mundo olha para o Afeganistão com repulsa e nojo, no Brasil avança o projeto neofascista teocrático patrocinado pelo governo Bolsonaro. Família, Pátria e Deus. O neofascismo teocrático em curso impõe ao país e à população um estoque inimaginável de retrocessos, em todas as áreas da vida econômica, sanitária, educacional, cultural, política, social etc. Os retrocessos nos direitos sociais mais elementares são vistos a olhos nus nas cidades brasileiras. A miséria assolando, humilhando e destruindo milhões de pessoas. A infância voltou aos sinais de trânsito, moradores de rua disputam marquises e praças país afora, a violência contra mulheres, crianças e idosos bate recordes diários, o desemprego assume proporções jamais vistas, 600 mil brasileiros foram mortos pela Covid-19, num governo que nega a ciência, a vacina e a própria doença, como fazem os talebans no Afeganistão. Como disse o presidente nos últimos dias: oremos para vencer a crise.

Malala, a menina paquistanesa que enfrentou os talebans e foi alvejada em nome de Deus porque descumpria determinação dos líderes religiosos, governantes do país, depois da tentativa de assassinato ganhou vida e asas para propagandear o direito à infância e à educação. Conforme esses mesmos líderes e suas crenças religiosas, meninas não podem estudar e mulheres, na sociedade, são escravas sexuais de seus maridos. Portanto, meninas devem aprender desde cedo o lugar da mulher nessa sociedade machista, sectária e religiosa.

Malala sobreviveu, depois de ser transportada para Inglaterra e submetida a uma cirurgia para curar seus ferimentos provocados pelas balas da ignorância. Milhares de outras meninas, porém, não tiveram o mesmo destino. E essas são as mesmas armas e balas que o genocida Jair Bolsonaro propõe para suas milícias oficiais e extraoficiais, a lei do olho por olho, dente por dente. As mesmas armas que matam todos anos centenas de crianças e jovens em nossas periferias.

Contudo, os ferimentos de Malala serviram para denunciar ao mundo o direito de meninos e meninas, sejam de qual país forem, qual continente forem. Não importando cor, credo, raça, gênero, língua, todos e todas têm o mais sublime direito de acessar, permanecer e concluir uma educação de qualidade, laica, democrática, científica e capaz de formar gerações de seres humanos, com base no conhecimento científico acumulado ao longo da história. Que crianças, independentemente de suas origens e necessidades, tenham o direito SAGRADO de estudar.

No Brasil do século XXI, o governo e a educação foram tomados por seitas e conceitos análogos aos que propõe o Talibã para o Afeganistão. Vivemos, neste período, ataques fulminantes contra o direito de ensinar e aprender. Estamos sob a tentativa permanente de submeter a escola e a educação aos interesses de seitas religiosas e ideológicas que negam a ciência, a cultura, a história e a própria dimensão humana.

Essas seitas atacam incansavelmente o conhecimento, a história, as ciências. Odeiam refletir e estudar a sexualidade humana e as questões que envolvem identidade de gênero e orientação sexual. Desenvolveram verdadeiras guerrilhas contra professores e educadores que buscam no seu fazer educacional, através do conhecimento e das ciências, construir uma sociedade mais humanista, iluminista e racionalista. A ideologia de gênero, a escola sem partido, o marxismo cultural foram apenas algumas das teorias construídas pelos grupos religiosos, neofascistas e conservadores ao longo deste tenebroso inverno brasileiro.

O ministro pastor Milton Ribeiro é parte construtiva deste talebanismo brasileiro que se apoderou do Ministério da Educação. A retirada de 40 bilhões de reais do orçamento da educação nos últimos quatro anos, o engavetamento do Plano Nacional de educação, a destruição das universidades públicas e da produção científica, a militarização da educação básica, a inexistência de um plano para enfrentar a tragédia educacional provocada pela Covid-19, a construção conspiratória de um marxismo cultural e o cerceamento do conhecimento, a reformas do ensino médio e a nova Base Nacional Comum Curricular são apenas exemplos da dimensão da destruição da educação nacional.

No entanto, o ministro da destruição educacional, Pastor Milton Ribeiro, ainda não está completamente saciado pelo desmonte e pela destruição da educação nacional. Oriundo do setor privado e com claros propósitos de privatizar a educação pública e entregá-la a grupos religiosos e/ou financeiros nacionais e internacionais, agora propõe ceder a gestão financeira das escolas públicas ao setor privado, criar vouchers para a educação infantil e impor a maior regressão orçamentária às universidades públicas, liquidando suas estruturas e sua autonomia.

Nesta semana, num ataque de talebanismo, de ignorância e de perversidade, disse que crianças com deficiência atrapalham a educação brasileira. O ministro demonstrou desconhecer a educação nacional e expôs toda a sua ignorância e arrogância. Tempos atrás defendeu a tese de castigo físico para educar crianças; imaginem o que não farão com os estudantes com deficiência nos depósitos de crianças que esse verme propõe.

A política de inclusão educacional no Brasil avançou fortemente nos últimos anos, ganhando inclusive prêmios e menções de organizações internacionais de direitos humanos. É lógico que ainda será preciso fazer muito para melhorar e avançar nesse conceito político e pedagógico, proposto pela inclusão educacional. Para avançar, é preciso política pública, investimentos públicos, educadores, estruturas pedagógicas, humanas e materiais, ou seja, um conjunto de investimentos na política de inclusão. O ministro da deseducação, contudo, quer voltar ao passado, quer isolar as crianças com deficiência, criar depósito de pessoas com deficiência e isolá-las da sociedade. Excluí-las.

Ministro Pastor Milton Ribeiro, taleban tupiniquim, se ainda lhe resta alguma dignidade, se ainda lhe resta algum humanismo, se ainda lhe resta alguma religiosidade, se ainda lhe resta algum caráter, faça um bem à humanidade, à educação e ao Brasil: DEMITA-SE em respeito às crianças deste País e, principalmente, àquelas que mais necessitam de uma educação inclusiva para avançar na sua formação integral e na sua condição humana.

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