O ministro da Economia, Paulo Guedes, negou conflito de interesses entre sua conta offshore e sua atividade no Ministério da Economia. “Mil vezes não”, afirmou, em reunião na Câmara dos Deputados para a qual foi convocado a dar explicações sobre a conta no exterior.
Guedes afirmou que antes de vir para o governo removeu os possíveis pontos de conflito de interesse entre sua nova atividade e seus negócios.
Ele contou aos deputados que, aconselhado por seus advogados, vendeu os negócios no Brasil sobre os quais tinha controle direto. Com isso, teve “enorme prejuízo”, uma perda maior do que o valor do depósito na offshore que é motivo de questionamento dos congressistas. Os negócios localizados no Brasil sobre os quais tinha atuação indireta foram reunidos numa “blind trust”. Ou seja, são administrados por um grupo.
Recursos foram enviados ao exterior por razões sucessórias, disse. Se a conta estivesse nos EUA, metade do patrimônio viraria imposto sobre herança após seu falecimento. Por isso, a opção por criar uma offshore e colocar familiares como sócios, em posições “burocráticas”, como diretor.
O ministro comparou a offshore a uma faca. “Pode matar ou descascar laranja”. Por analogia, pode ser usada para ocultar recursos ou uma atividade regular.
Guedes afirmou que foi feito um único depósito na offshore, em 2014 ou 2015, quando foi aberta. Depois, não houve depósito adicional nem remessa.
Ele chamou de “narrativa política, covardia e desrespeito aos fatos” as críticas que recebeu por não ter colocado na Declaração Confidencial de Informações (DCI) que seus familiares integram a diretoria da offshore. “É uma obviedade”, disse. No entanto, frisou, os dados da offshore são declarados à Receita Federal e ao Banco Central.
A venda dos negócios no Brasil para ocupar um posto no governo também seguiu o conselho que recebeu de Mario Henrique Simonsen, conta o ministro: dedicar um terço da vida aos estudos, um terço para construir sua independência financeira e um terço para contribuir com o país.
Além disso, ele lembrou que fez muitos investimentos e criou oportunidades empresariais. Contou que fundou o Banco Pactual, hoje o maior banco de investimentos do Brasil. Fundou também o grupo Abril Educação, que em oito anos saiu de zero para 1 milhão de alunos. Criou ainda o Ibmec, que é a “melhor escola de negócios” do país.
“Se eu quisesse ganhar dinheiro vindo para o governo, teria vindo antes”, disse. Relatou que, quando Tancredo Neves foi eleito presidente, foi convidado por Francisco Dornelles, que seria ministro da Fazenda, para integrar sua equipe. Guedes foi então aconselhar-se com Mario Henrique Simonsen, que havia sido seu professor e o indicara a Dornelles. Este teria sugerido então que, em vez de integrar o governo, Guedes deveria dedicar o segundo terço de sua vida para construir sua independência financeira.
“Fui aconselhado a ter parte dos meus recursos fora do país”, disse o ministro da Economia. A offshore foi uma opção para garantir que patrimônio iria para os herdeiros. Por essa razão, a offshore tem como sócios membros da família.
Tributação
Guedes também defendeu a tributação de offshores. “Tentamos tributar os mais ricos, e não conseguimos.”
Comentou que, na tentativa de instituir essa tributação, contou com a ajuda da oposição na Câmara. Falou com o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) para criar essa tributação para financiar o Auxílio Brasil.
A proposta de tributação está no projeto de lei que reforma o Imposto de Renda, aprovado na Câmara e em análise no Senado. “Banqueiros ricos e poderosos conseguiram esterilizar o trabalho no Senado”, comentou. A proposta tributaria os 60.000 brasileiros que ganham R$ 300 bilhões.
Ele comentou que perdeu amigos no mercado por defender a taxação da distribuição de dividendos.
O ministro negou ter conta no HSBC na Suíça. Respondendo a perguntas dos deputados, negou também ter sócios em sua equipe, associação com o presidente do BNDES, Gustavo Montezano, ou com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Sobre uma alteração normativa que elevou de R$ 100 mil para R$ 1 milhão a obrigação de declarar offshore, Guedes afirmou que a alteração não afeta em nada seus investimentos no exterior, que são em valor superior. “É ausente o conflito de interesse”, disse.
Patrimônio
Ao falar sobre a formação de seu patrimônio, Guedes contou que sempre estudou graças a bolsas de estudo. Uma delas, nos Estados Unidos. Retornando ao Brasil, iniciou uma carreira de professor. A certa altura, foi convidado a lecionar no Chile. Por isso, é criticado por ter colaborado com a ditadura de Augusto Pinochet. Disse que, quando percebeu a natureza do regime, voltou para o Brasil.
O ministro argumentou que um professor não pode ser responsabilizado dessa maneira. Fez uma analogia, dizendo que professores que atuaram no Brasil também teriam cooperado com a ditadura militar. Disse que o governo militar no Brasil e no Chile foram "ditaduras entre aspas".
Relação entre as instituições
Guedes ressaltou a cooperação entre a Câmara e o Executivo. “Acredito muito na nossa democracia e as instituições funcionam”, afirmou.
Ele comentou que houve muitas “versões” que não queria ir à Câmara. Para rebatê-las, ressaltou a aprovação de reformas como a da Previdência, logo no início do governo, as medidas adotadas em conjunto durante a pandemia, como o Auxílio Emergencial e o BEm. Destacou ainda a independência do Banco Central e a aprovação de novos marcos regulatórios que “disparam ondas de investimento” no país, como no saneamento.
A Câmara ajudou o governo a criar o novo programa de assistência social, disse. Aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios e a reforma do Imposto de Renda, proposta para ser a fonte de financiamento do programa.
A reunião é uma audiência conjunta das comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público e de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara. O ministro foi convocado, ou seja, estava obrigado a comparecer. Ainda assim, adiou a reunião pelo menos duas vezes. Na primeira, alegou conflito de agendas e na segunda, acompanhava o presidente Jair Bolsonaro em viagem ao Oriente Médio.