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'Meu texto não era novidade para o MEC', diz relatora da PEC do Fundeb

Proposta prevê 40% de complementação da União para o principal fundo de financiamento da educação básica; deputada Professora Dorinha diz que governo precisa dialogar e não impor desejos ao Congresso
Deputada Dorinha Seabra defende complementação maior da União para o Fundeb Foto: Adriana Lorete / Agência O Globo
Deputada Dorinha Seabra defende complementação maior da União para o Fundeb Foto: Adriana Lorete / Agência O Globo

RIO — Relatora da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), a deputada Dorinha Seabra (DEM-TO) apresentou na semana passada a minuta do texto mais importante para o setor nos próximos anos.

O documento apresentado pela parlamentar foi alvo de duras críticas do MEC e criou um desconforto entre o Planalto e parte da bancada da Educação.

Em entrevista ao GLOBO, nesta sexta-feira, a parlamentar defendeu sua proposta e frisou que ela não "caiu no colo" do governo, pois está em discussão há meses. E cobrou do Planalto participação mais efetiva nos debates.

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O texto de Dorinha prevê uma complementação de até 40% dos recursos do Fundo por parte da União em dez anos. Atualmente, o aporte feito pela esfera federal é de 10%. O MEC propõe complementação máxima de 15%, em cinco anos. E o Ministério da Economia diz ser inviável chegar ao índice proposto pela deputada, que é da base governista.

O Fundeb é a principal fonte de financiamento da educação básica brasileira e corresponde a 63% de todo recurso da educação básica do país.

Como revelou o GLOBO, a avaliação, nos bastidores, era de que o MEC havia deixado a discussão correr solta e que o governo teria sido pego de surpresa com o percentual de complementação.

Na semana passada, o Ministério da Economia afirmou que os cofres públicos terão uma despesa extra de R$ 855 bilhões em dez anos caso a PEC seja aprovada como proposta pela deputada.

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A relatora questiona os dados utilizados pelo governo para confrontar a possibilidade de aumento na complementação da União.

— Ficou muito claro que os números apresentados não correspondem (à realidade). Eles sabem que não conseguem chegar aos números divulgados. Não existe aquele número de cerca de R$ 800 bilhões — disse.

Como a senhora avaliou a reação do MEC à sua proposta?

O texto não tinha nenhuma novidade para o MEC. Apresentei os dados em um evento público em Cuiabá, depois em outro no Rio de Janeiro, o enviei para o Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) e a Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação), e para o próprio MEC. Essa é a terceira versão do texto e, nas anteriores, já havia um percentual de 30% (de complementação da União). Sobre o segundo substitutivo, ele está público há 8 meses. O relatório é um texto ainda preliminar e o diálogo não se dá apenas com o MEC ou o governo federal, envolve diretamente estados e municípios. Há muitos elementos no texto que vão além da complemementação da União. Alguns deles foram pedidos pelo próprio governo que agora diz ter sido surpeendido pelo relatório. Estive no Ministério da Economia para conversar com algumas pessoas, ontem a área técnica e a consultoria legislativa participaram de uma reunião com o governo para tentar entender os dados apresentados por eles, porque os números não batem. O Fundeb é responsável por 63% do financiamento da educação básica! Todo mundo imagina que o Fundeb é mantido pelo governo federal. Mas, hoje, o governo federal coloca 10%. Quem mantém o Fundeb são estados e municípios. Não estamos falando de uma fortuna para a Educação Básica. Nosso (investimento) per capita é muito baixo.

Nas reuniões com o governo vocês conseguiram avançar na direção de algum modelo consensual?

Não tivemos nenhuma reunião com o MEC, (houve contato com o) Ministério da Economia e, na verdade, o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, que vai pilotar o debate. A reunião técnica de ontem tinha representação do ministério da Economia e da Educação. Estou (aberta) ao diálogo, mas não é simplesmente mandar um ofício e achar que eu vou cumprir a ordem para o desenho de um fundo que não é meu. A ideia é trabalhar com as redes mais frágeis, essa é a nova lógica do Fundeb. Todas as simulações estão disponíveis, vamos para a mesa com todos para discutir. Os grandes e pequenos municípios têm a mesma meta, precisam em regime de colaboração de maior complementação da União. Falando com algumas entidades, há muitos programas que o MEC hoje coloca recurso e a verba pode ir via Fundeb e dar maior autonomia para as redes.

O governo deu algum indício de que pretende ceder e tentar algum acordo sobre outro percentual?

Não chegamos nisso, a conversa foi mais no sentido de conhecer o texto e organizar as bases de dados do governo. Eu conversei vários pontos do texto com quem a União está definindo como interlocutor. O governo não está fechado, mostrou a vontade de conversar. A ideia é organizar uma agenda na próxima semana.

O Ministério da Economia mostrou de onde vem o dado que mostra o impacto de R$855 bilhões nos cofres públicos?

Não, o deputado Bacelar (PODE-BA) fez um pedido formal. Como é um valor significativo, é importante que isso seja balizado. Os nosso estudos estão públicos, na página da comissão. Ficou muito claro que os números apresentados (pelo governo) não correspondem (à realidade). Eles sabem que não conseguem chegar aos números divulgados. Não existe aquele impacto de cerca de R$ 800 bilhões.

A senhora considera que o MEC está alheio a essa discussão?

As reuniões estavam acontecendo antes no Ministério da Economia. Acho que tem pessoas do MEC que estavam acompanhando o debate, mas a participação poderia ser melhor. No entanto, havia gente acompanhando, por isso não há nenhuma surpresa, ou algo no sentido de que o texto caiu no colo. Conheciam o andamento do texto e sempre foram chamados para as principais reuniões. O texto foi costurado com o senador Flávio Arns (REDE-PR). Essa complementação de até 40% foi proposta por ele e pelo presidente (do Senado) Davi Alcolumbre (DEM-AP).

O MEC afirmou que estuda encaminhar um próprio projeto de lei para o Fundeb. Qual sua opinião sobre isso?

Existem muitos caminhos legislativos para construção. No Congresso a gente não está brincando, tem trabalho e uma comissão que seguiu toda uma organização. O debate vai acontecer, o diálogo com governo. Já votamos matérias muito mais complicadas e não acredito que no Fundeb não conseguiremos construir. Agora, não é uma ordem de cima para baixo, não é achar que o envio de um ofício vai dar ordem para uma comissão inteira e para o Congresso. O debate e a construção é possível no Congresso, porque já fizemos isso em situações bastante desafiadoras, como na Reforma da Previdência. É uma casa que tem independência e autonomia. A PEC, inclusive, é promulgada, não passa pela homologação do presidente. Mas o nosso desejo é construir junto, manter o diálogo e fazer um texto com todos os envolvidos.

A senhora admite a possibilidade de reduzir o índice de complementação?

Até agora, todas as instituições que conversamos estão mantendo que querem os 40%. Mas é claro que é uma discussão muito mais ampla do que o que elas querem. Estamos numa construção que envolve também a União,  a Frente Nacional de Prefeitos, Consed, Undime, o Fórum de Governadores. Não tenho como dizer como vai ficar o texto. O texto é uma construção e vai para a mesa, vai para o embate, vamos ouvir líderes. Não significa ganhar ou perder, mas construir.

Levando em consideração a conjuntura de hoje no Congresso, a senhora acha que seria possível passar essa complementação de 40%?

Há um vídeo do próprio presidente (do Senado) Davi (Alcolumbre) falando das negociações dele, e apontando na discussão de revisão do pacto federativo e possibilidades de fonte (de recursos), que é crescente na Agência Nacional de Petróleo (ANP), e há relatórios muito claros do aumento desses recursos que ainda não são robustos na educação. Uma PEC que requer votação em plenário e com percentual de votos muito alto tem que ser pactuada pelo todo. Não me sinto à vontade de dizer se tem jeito ou não tem jeito (de aprovar essa complementação).

A senhora pertence a um partido que tem votado com o governo em algumas matérias, acha que sua proposta causou algum desconforto na bancada?

Acredito que não. A proposta não é minha, antes disso é uma proposta do senador Davi, que é do meu partido. É um texto construído e está público há oito meses. Fizemos cerca de 50 audiências públicas, dizer que foi feito a toque de caixa não é (verdade). É muito importante aprovar a PEC ainda neste ano. Houve falas dizendo que teríamos tempo até o final de 2020, mas nós não temos esse tempo.