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'Meu corpinho é meu': Petição reivindica que cartilha contra abuso sexual infantil seja distribuída em escolas

Premiado, “Eu Me Protejo” foi criado por mais de 50 profissionais de várias áreas
Idealizadora. Patrícia e Amanda: para criar o projeto "Eu me projeto", a mãe se inspirou na necessidade da filha Foto: Divulgação
Idealizadora. Patrícia e Amanda: para criar o projeto "Eu me projeto", a mãe se inspirou na necessidade da filha Foto: Divulgação

RIO — “Xô, xô, xô! Sai pra lá! Porque no meu corpinho ninguém pode tocar!”. “Eu amo meu corpinho”, de Neusa Maria, é apenas uma das músicas e dos vários recursos disponíveis no projeto “Eu me protejo”. A iniciativa da jornalista Patricia Almeida, que se divide entre um apartamento no Leblon e outro em Brasília, tem como finalidade combater o abuso sexual infantil, por meio de cartilhas e vídeos lúdicos.

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O conteúdo é gratuito e foi criado no início da pandemia, de maneira remota, por mais de 50 profissionais de diversas áreas — educação, comunicação, direito, medicina, psicologia — e ativistas. Vencedor do prêmio Neide Castanha em 2020, o projeto lançou no mês passado uma petição on-line com o objetivo de fazer com que o material seja distribuído nas escolas públicas. A justificativa é evitar que novos crimes ocorram e se somem aos quase 180 mil casos de estupro com vítimas de até 19 anos registrados entre 2017 e 2020, segundo o Unicef. Esse número tende a ser ainda maior, visto que num recorte feito pelo Observatório Judicial de Violência Contra a Mulher, do Tribunal de Justiça do Rio, em 2021 foram mais de 180 processos de estupro de vulnerável contra meninas e adolescentes, quase o dobro do computado em 2020, que teve 95 casos.

Atividade.
A mascote do “Eu me protejo”, pintada por uma criança Foto: Divulgação
Atividade. A mascote do “Eu me protejo”, pintada por uma criança Foto: Divulgação

Quando se trata de pessoas com deficiência intelectual, o número de abusos sexuais é ainda mais alarmante. Elas são sete vezes mais atacadas sexualmente do que pessoas sem deficiência, segundo o Departamento de Justiça americano. Foi para proteger Amanda — a filha caçula, portadora de Síndrome de Down e hoje com 17 anos — que Patricia Almeida idealizou o “Eu me protejo”. A jornalista tem ainda outras duas filhas.

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— Toda mãe de menina tem essa preocupação com o abuso sexual. Uma em cada quatro meninas e um em cada 13 meninos são atacados sexualmente até os 18 anos, e crianças com deficiência intelectual são ainda mais vulneráveis. É um mito achar que isso não pode acontecer na família de qualquer um. Nossa cartilha quer desmistificar esse assunto nas comunidades, por meio da linguagem fácil, tratando com respeito e leveza um assunto sério que pode impedir muitos atos de violência — diz Patricia, que, além de coordenar o “Eu me protejo”, é do Movimento Down.

Proteção. Cartilha pode ajudar estudantes a prevenirem situações de violência Foto: Divulgação
Proteção. Cartilha pode ajudar estudantes a prevenirem situações de violência Foto: Divulgação

Ela conta que em 2018 voltou para o Brasil depois de uma temporada no exterior e que matriculou Amanda, até então acompanhada por professores particulares, na escola pública. A expectativa acerca de como seria essa novidade para a menina foi o pontapé inicial do projeto.

— Na Suíça, por incrível que pareça, ainda não há escolas inclusivas. Por um lado estava feliz em poder voltar ao meu país, para minha filha ter acesso ao ensino inclusivo. As pesquisas mostram que ele é melhor não apenas para ela, como para todos os estudantes e a comunidade escolar. Por outro lado, entrei em pânico, pois minha filha não tinha tido a oportunidade de conviver com colegas da sua geração e não estava preparada para algumas situações da vida. Daí eu pensei: “Ela precisa aprender a se defender”— diz.

O “Eu me protejo” conta com duas cartilhas em linguagem simples e voltadas para crianças e adolescentes. A primeira (“Eu me protejo”) é focada diretamente na prevenção contra o abuso sexual. Já a segunda cartilha (“Eu me protejo porque meu corpinho é meu”) é mais ampla e ideal para ser usada em escolas.

— Elas falam das diferenças dos corpos, dos cuidados de saúde e de situações potenciais de risco e o que fazer em caso de necessidade. O objetivo é promover o autoconhecimento, a autoestima, a autoproteção e o respeito aos outros, prevenindo situações de violência — conta Patricia.

Todos os materiais podem ser baixados por meio do site www.eumeprotejo.com e têm também versões em espanhol, em inglês, em audiolivro no YouTube, em Libras e em formato de bolso. O conteúdo é apresentado de várias formas, explorando os sentidos: música, animação, jogos, cartilhas, teatro de fantoches, livros e poemas.

No ano passado, o coletivo realizou formação de professores da rede municipal do Rio. A professora Milena Schettini acredita na importância do material para auxiliar os educadores na hora de abordar o tema.

— Sou professora de ciências há 16 anos. Antes, existia autonomia para explanar qualquer parte do conteúdo em sala de aula. Hoje, sentimos certo receio ao tratar, por exemplo, de corpo humano, ante o risco de algum responsável reclamar que se está “falando de sexo” — pondera.

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Mãe de um menino de 3 anos, Milena diz que também pretende usar a cartilha com o filho e lembra de um caso que aconteceu recentemente em que um homem foi preso acusado de tentar estuprar um menino de 10 anos na sede do Flamengo, na Gávea.

— Meu filho ainda é pequeno, mas acho importante ensiná-lo a se defender. Sou sócia do clube do Flamengo e nunca vi nada semelhante por lá. Infelizmente, é o tipo de situação que pode acontecer em qualquer lugar. Temos de fornecer informações e ferramentas para que as crianças consigam identificar situações de perigo e saibam como agir — pontua Milena.

Para quem quiser assinar e saber mais sobre a petição on-line, ela está disponível no site secure.avaaz.org como “Eu me protejo nas escolas já!”.

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