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Metade das meninas refugiadas não voltará à escola após pandemia, alerta ONU

Em países em que já amargavam taxas de matrículas inferiores à 10% entre as refugiadas, o risco é que todas abandonem os estudos
Refugiada síria na cidade de Hasakeh Foto: DELIL SOULEIMAN / AFP
Refugiada síria na cidade de Hasakeh Foto: DELIL SOULEIMAN / AFP

SÃO PAULO — Metade das meninas refugiadas não retornará às salas de aula após a pandemia e, em países em que já amargavam taxas de matrículas inferiores à 10% entre as refugiadas, o risco é que todas abandonem os estudos. O alerta foi feito pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), que  lançou nesta quinta-feira relatório global sobre educação de crianças refugiadas e  o aumento da evasão escolar.

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O documento, chamado “Unindo forças pela educação de pessoas refugiadas”, foi elaborado em 12 países que abrigam cerca de 10,5 milhões de pessoas em situação de refúgio e mais de metade das crianças nesta situação, como Chade, Uganda, Sudão do Sul, Iraque e Líbano. Os dados foram coletados em 2019, mas incluem projeções para o período atual elaborados em parceria com o Fundo Malala para a Educação.

Falta de conectividade e inclusão digital, necessidade de trabalhar para complementar a renda familiar, fechamento de escolas e baixo acesso aos serviços de saúde e saneamento são alguns dos motivos apontados para o abandono escolar intensificado pela pandemia. As dificuldades da crise uniram-se aos desafios já conhecidos pelas famílias em deslocamento forçado.

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Os dados da pesquisa mostram que, mesmo antes do novo coronavírus, 48% das crianças refugiadas nestes 12 países (cerca de 1,8 milhão) não tinham acesso à escola. A evasão também já era expressiva ao longo da trajetória educacional de meninas e meninos: apenas 31% chegam ao Ensino Médio e meros 3% ao Ensino Superior.

Mesmo entre aqueles incluídos no ensino formal, a desigualdade de gênero é expressiva. Enquanto 36% dos meninos refugiados nos 12 países estavam matriculados no ensino fundamental, apenas 27% das garotas podiam dizer o mesmo.

Manter as crianças refugiadas estudando durante o distanciamento social é um dos maiores desafios da comunidade refugiada hoje e diz respeito a mais do que o futuro acadêmico dos pequenos, aponta a pesquisa:

— A inserção das crianças no ambiente escolar é talvez o mais importante aspecto para a formação de laços e a inclusão social das famílias de refugiados no novo país — ressalta Maria Beatriz Nogueira, chefe do ACNUR em São Paulo.

Até o final de 2019, 26 milhões de pessoas viviam como refugiados em todo o mundo. No Brasil, 264 mil venezuelanos estão em situação de refúgio ou migração. Eles também correspondem a 90% dos mais de 55 mil refugiados reconhecidos de 55 nacionalidades. Aproximadamente 4% dos refugiados brasileiros são crianças, segundo o levantamento da agência.

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A expectativa agora é que a pandemia piore números que já eram desafiadores e promova retrocessos nos ganhos dos últimos anos. Mas o órgão destaca que o cenário não é de terra arrasada. Diversas iniciativas tem sido adotadas para amparar refugiados brasileiros no período.

Em São Paulo, um programa de suporte ao ensino remoto da ONG I Know My Rights presta assistência para a continuidade dos estudos de 128 crianças refugiadas de 12 países. A maioria delas está no ensino fundamental (75%) em escolas estaduais ou municipais e relatou que tem aprendido durante o ensino remoto (52%).

Entre os desafios apontados pelas crianças, estão principalmente a falta de internet e equipamentos tecnológicos, relatados por mais de 84%, e a falta de espaço para concentração nos estudos (73%). Apenas 8 receberam merenda escolar ou equivalente durante o período, enquanto 101 ainda aguardam o fornecimento.