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Metade das crianças autistas no Rio está fora da escola, diz pesquisa

Colégios precisam se adequar para acolher alunos especiais, dizem especialistas
Maria Julia, de 8 anos, filha do dentista José, estuda em uma escola regular em Niterói Foto: Arquivo pessoal
Maria Julia, de 8 anos, filha do dentista José, estuda em uma escola regular em Niterói Foto: Arquivo pessoal

RIO — A universalização do ensino é um desafio no país todo. No Estado do Rio, por exemplo, 7% de crianças e adolescentes de 4 a 17 anos ainda estão fora da escola. Mas o problema é muito mais grave quando se leva em conta apenas os menores de idade diagnosticados com transtorno do especto autista. Uma pesquisa feita em 13 centros de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPSi) na Região Metropolitana do Rio revela que 48% dos autistas de 4 a 17 anos estão fora das salas de aula.

Ainda de acordo com o estudo, publicado recentemente na "Revista Saúde e Sociedade", da Universidade de São Paulo (USP), há mais usuários dos CAPSi estudando em escolas especiais do que regulares, o que foge à recomendação do Ministério da Educação (MEC), segundo à qual crianças e adolescentes autistas devem estar matriculados em unidades de ensino convencionais, junto com os outros estudantes.

De acordo com o psiquiatra Rossano Cabral Lima, professor e vice-diretor do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e um dos autores do estudo, a inclusão de crianças com espectro autista nas escolas regulares pode não ser simples, mas é necessária. O número superior desses alunos em escolas especiais "parece se situar na contramão do Programa Educação Inclusiva, criado em 2003 pelo Ministério da Educação", diz a pesquisa.

— O principal desafio é estrutural. As escolas precisam se preocupar com o tema que até então não estava nas suas prioridades, por meio da adequação do ambiente, oferecendo cidadania a essas pessoas. Outra dificuldade é com relação aos familiares, que precisam vencer uma certa insegurança e resistência, por terem se acostumado a um cuidado mais segregado. Inclusão não significa abandonar as crianças em uma sala de aula cheia de gente — afirma o especialista.

Casos de agressão contra alunos com espectro autista em escolas viralizaram na web, preocupando pais de crianças com o transtorno. Entre os relatos, está o da americana Bonnie McKean, que publicou em seu perfil do Facebook, no último 9 de agosto, um vídeo que mostra seu filho, Corbin, sendo arrastado pelo chão por duas professoras em uma escola em Ohio, nos Estados Unidos. "Como pais, devemos confiar que a escola e seus funcionários estão fazendo seu trabalho e que nossos filhos estão em segurança", escreveu.

Para Mariana Miranda Seize, mestre e doutoranda em psicologia clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), é preciso desmistificar o autismo. Ela citou série "Atypical", lançada pela Netflix, no último 11 de agosto, para explicar a importância de debater o tema da inclusão com os próprios estudantes, como forma de reduzir episódios de bullying.

— As crianças menores são mais receptivas com as crianças com espectro porque não percebem a diferença, mas isso muda conforme elas crescem. A série mostra a importância de conviver com o diferente. É preciso haver uma discussão com os alunos sobre o tema em geral, deixar que eles proponham soluções, para que pensem juntos, como uma personagem da história faz ao dar uma ideia para o baile da escola. Os estudantes vão se deparar com pessoas com o espectro autista ao longo da vida e devem estar preparados  — disse a psicóloga.

Segundo o dentista José Muniz, de 50 anos, presidente da Comissão de Pacientes com Necessidades Especiais do Conselho Regional de Odontologia (CRO-RJ) e pai de Maria Julia, de 8 anos, diagnosticada com autismo e síndrome de Turner aos 3 anos, é preciso haver um atendimento às características do espectro de cada criança, porque o transtorno se manifesta de formas diferentes. Para ele, a adaptação do material escolar, a participação de pais em reuniões da escola e a qualificação de mediadores contribuem para que a criança com necessidade especial seja bem acolhida.

— A Maria Julia fez natação, teve acompanhamento psicológico e fonoaudiológico, mas ela também precisa frequentar uma escola regular, porque as crianças com espectro autista aprendem muito por espelhamento, observando os outros. Após trabalharmos muito os estímulos nela, a Maria Julia está se desenvolvendo melhor — contou José, que também é membro da Comissão da Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB.

Simone Torres, diretora do Colégio Lobo Torres, em Niterói, conhecido como "Lobinho", onde Maria Julia estuda, ressaltou que o número de crianças com espectro autista tem crescido. A escola trabalha junto aos pais, além de treinar os professores.

No entanto, especialistas ressaltam que ainda é preciso, na maior parte das escolas, mais preparo para receber estudantes autistas. E foi com o objetivo de estimular a diversidade e a inclusão nas salas de aula que a carioca Thalita Gelenske fundou a startup Blend Edu, que oferece ferramentas para profissionais da educação trocarem experiências e passarem por treinamentos sobre como podem lidar com tais questões e desafios.

— Dos 2,2 milhões de professores que trabalham com a educação básica no Brasil, apenas 97 mil têm especialização para lidar com alunos com alguma deficiência. Então, quando terminei meu mestrado na UFRJ em 2015, vi que precisava ir além da dissertação e colocar o que pesquisei na prática. Em 2016, surgiu a Blend Edu e estou planejando lançar, no próximo ano, o Laboratório da Diversidade e Inclusão, para complementar as ferramentas já disponíveis para empresas — explicou a empreendedora.