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Mesmo com avanço da Ômicron, especialistas defendem retorno presencial de aulas no país

Algumas das principais universidades do país já anunciaram que suspenderam atividades presenciais pelo menos até o fim do mês
Colégio Pedro II retomou aulas presenciais no fim do ano passado Foto: Hermes de Paula em 22-11-2021 / Agência O Globo
Colégio Pedro II retomou aulas presenciais no fim do ano passado Foto: Hermes de Paula em 22-11-2021 / Agência O Globo

RIO — Enquanto o governo federal não se posiciona com orientações claras quanto ao retorno do ano letivo de 2022 no formato presencial nos ensinos básico, fundamental, médio e superior, por conta do avanço vertical da variante Ômicron da Covid-19, o debate sobre os riscos tem se intensificado entre pais, alunos e profissionais da área. Na última semana, universidades federais das mais importantes do país, como a do Rio de Janeiro (UFRJ), de Santa Catarina (UFSC) e Lavras (UFLA-MG) se anteciparam e decidiram suspender atividades presenciais pelo menos até o fim de janeiro, a exemplo do que aconteceu, de forma ainda mais ampla, nos Estados Unidos e em países da Europa.

A reportagem questionou o Ministério da Saúde quanto às recomendações que escolas e faculdades devem receber, a menos de três semanas do retorno das atividades, mas não obteve nenhum retorno. O Minstério da Educação, por sua vez, disse que respeita a autonomia garantida às instituições de ensino pela Constituição. O MEC afirmou ainda que disponibiliza um protocolo de biossegurança para retorno às atividades, assim como mapeia o modelo — à distância, híbrido ou presencial — que essas instituições da rede federal vem adotando através do site:  https://www.gov.br/mec/pt-br/coronavirus/rede-federal.

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A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), por sua vez, afirma que não há um posicionamento único da entidade, “em respeito à autonomia universitária” e “avaliação individual" de cada comunidade "e do contexto ao qual está inserida”no país".

Visão parecida tem o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), o professor Heleno Araújo. Para ele, a ciência ainda precisa entender melhor o comportamento da nova variante, e é importante que as decisões sejam debatidas e respeitem as orientações dos comitês científicos.

— Acredito que cada sistema de ensino deve abrir um diálogo com as entidades representativas: sindicatos, comitês estaduais e municipais, pais, observando a situação da escola e as condições daquela cidade. A partir desse diagnóstico, acompanha-se a situação. É fundamental que tenhamos todas as medidas de segurança sanitária aplicadas para poder garantir o processo de retorno. Caso estas medidas se tornem impossíveis de se aplicar, que se suspenda até que se dê conta — disse Heleno. — É nessa incerteza de qual será o impacto dessa mutação sobre o nosso corpo, que ainda está em estudo, em levantamento, que acho importante abrir o diálogo com a comunidade escolar, fazer o diagnóstico concreto da situação, do ambiente escolar e da segurança sanitária.

“Nada é superior ao prejuízo de manter as crianças longe da escola por um tempo ainda maior”

Margareth Dalcolmo
médica pneumologista da Fiocruz

Para Heleno, o avanço na vacinação de crianças e adolescentes é algo primordial para que escolas tenham maior segurança em manter o retorno presencial, evitando ainda mais transtornos educacionais.

— Antes não havia uma orientação científica para que as crianças fossem vacinadas, mas hoje existe essa orientação. Em vez de ficar nessa polêmica assassina ( sobre vacinar ou não este público ), o governo federal deveria ter tido mais agilidade em garantir essa vacinação das crianças e adolescentes. Significa mais proteção e garantia de segurança no retorno às aulas, o que vai evitar evasão escolar e ajudar a diminuir o vácuo educacional que se criou em 2020 e 2021, com prejuízos enormes. Nós temos que correr atrás — concluiu.

Profissionais de Saúde ouvidos pelo GLOBO, no entanto, defendem que, neste momento, os riscos educacionais — sobretudo na base, às crianças e adolescentes –, seriam superiores à ameaça causada pelo vírus.

— As aulas têm que retornar. De qualquer maneira, neste momento, tem que ter aula. As pessoas já estão vacinadas e usando máscaras, e há protocolos adequados no ambiente escolar. Nas escolas os funcionários estão todos vacinados, e é exigido teste. Nada é superior ao prejuízo de manter as crianças longe da escola por um tempo ainda maior – afirmou a pneumologista Margareth Dalcolmo, da Fiocruz.

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Mesma opinião tem o pediatra e médico sanitarista Daniel Becker. Segundo ele, há um consenso entre especialistas de que este não é o momento de suspender aulas presenciais, já que há boa resposta da vacina e aos protocolos de prevenção quando trata-se dos grupos mais jovens.

— É uma opinião que parece difícil, mas há um consenso dos pediatras. Algo praticamente unânime. Eu, particularmente, não conheço nenhum colega que não seja a favor da reabertura plena das escolas nesse momento. Pela essencialidade da escola, o baixo risco que ela representa, pelo atraso educacional que nós já temos, por esse crime que cometemos de mantê-las fechadas por tanto tempo. Não podemos voltar a cometer esse crime — afirmou Becker. — No mundo inteiro se discute isso, e existem cálculos de que haverá perdas brutais do PIB, que vamos pagar durante anos e anos, décadas, pelo crime que cometemos aqui no Brasil, um dos piores países na gestão da educação escolar na pandemia.

“Nós temos que pesar o risco da Ômicron e o risco do fechamento das escolas para essas crianças e adolescentes”

Daniel Becker
médico pediatra e sanitarista

Para o infectologista, o ambiente escolar hoje é controlado, exige protocolos de higiene e, nem na pior das hipóteses, é menos seguro do que os ambientes que os alunos frequentam quando não vão às aulas – como casa de parentes, shoppings, rua ou play do condomínio, padarias etc.

— Nós temos que pesar o risco da Ômicron e o risco do fechamento das escolas para essas crianças e adolescentes. Desde o ano passado a ciência já demonstra com muita clareza que as escolas são lugares seguros: elas abertas não aumentam a transmissão, tampouco representam diminuição quando fecham — acrescentou. — A escola é essencial em todos os sentidos, não só em relação à questão das aulas de Ciências, Língua Portuguesa ou Matemática, mas é um espaço fundamental para a criança, onde ela aprende uma série de habilidades, como a própria capacidade de comunicação. Para as crianças mais pobres, também é um espaço de segurança alimentar. E ainda representa um elo importante na cadeia de segurança contra abusos que possam estar sendo sofridos em casa.

Segundo ele, a vacinação, aliada aos protocolos e à ajuda dos pais, criam um ambiente mais seguro.

— É importante o uso de máscaras, higiene das mãos, ventilação, com uso de áreas externas o máximo possível, distanciamento, e colaboração das famílias em não mandar uma criança doente para a escola. Qualquer sinal de coriza, dor de garganta, febre, fica em casa, espera um pouquinho, e aí comunica escola e pediatra. Ômicron é, sim, uma variante que está causando muitos casos, então os casos em crianças naturalmente irão aumentar, com alguns poucos casos graves. É por isso que é importante que elas sejam vacinadas. Do ponto de vista da saúde pública, nós temos que vacinar as crianças para evitarmos os poucos casos graves que podem acontecer. Do ponto de vista individual, você não precisa se angustiar ou entrar em pânico caso o seu filho seja infectado, porque 99% ou mais dos casos serão muito leves.