Por Luiza Tenente, g1


Quando o g1 posta em suas redes sociais alguma história de destaque acadêmico - seja de um aluno que tirou mil na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ou que foi aprovado em 1º lugar em medicina -, boa parte dos comentários dos leitores é na linha (bem-humorada) de: "nossa, coitados dos primos!".

Já se cria aquela cena clássica: jantar de Natal, família reunida ao redor da mesa, e o tio (provavelmente, o do pavê) pergunta: "Bom, a Maria ganhou medalha na Olimpíada de Astrofísica. E você, João, fez o quê?".

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Aproveitando que estamos em clima de confraternizações de fim de ano, o g1 foi ouvir dos próprios primos de gente de sucesso se realmente essas comparações acontecem com frequência.

Também conversou com uma psicóloga para saber se as brincadeiras podem ter um impacto na saúde emocional e na autoconfiança de crianças e jovens.

Veja a seguir:

Prima do 1º lugar em medicina da USP

Gabriel, aprovado em medicina, e sua prima Giovanna, estudante de letras — Foto: Arquivo pessoal

Em 2019, aos 17 anos, Gabriel Mattucci foi aprovado na Universidade de São Paulo (USP), no curso mais concorrido da instituição: o de medicina. Pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), ele ficou em primeiro lugar no campus de Bauru, no interior do estado.

Naquele mesmo ano, uma prima dele, Giovanna Pereira, à época com 19 anos, também passou na USP - só que em letras.

“No grupo da família no Whatsapp, só falaram dele. Para mim, ninguém deu muita atenção”, diz a jovem.

“Gabriel fez muito sucesso na minha cidade [Sorocaba-SP]; na igreja, todo mundo comentava. Um dia, a mãe de um amigo me falou: ‘Giovanna, por que você não é como ele?'. E alguns parentes diziam: ‘nossa, o Gabriel vai fazer medicina! E você, Giovanna, não está fazendo nada?’.”

A jovem conta que, apesar disso, em momento algum, entrou em conflito com o primo ou ficou incomodada com o desempenho dele. O problema eram as reações externas.

“Fiquei muito feliz de ver o Gabriel ser aprovado no curso que queria. A gente nunca competiu entre nós dois. Eu sempre gostei de letras; era o que eu desejava estudar.”

Primo da bebê de 2 anos que fala 'proparoxítona' e é sucesso na internet

Alice (à direita) e seus primos Augusto e Luiz Eduardo — Foto: Arquivo pessoal

Aos 3 anos, Luiz Eduardo apresenta um atraso na fala.

Por acaso, ele é primo de Alice, de 2 anos, que se tornou um sucesso na internet depois de sua mãe, Morgana Secco, postar vídeos em que a menina pronuncia palavras difíceis, como “oftalmologista”, “proparoxítona”, “estapafúrdio” e “propositalmente”.

Os pais de Luiz procuraram a ajuda de especialistas para descobrir o tratamento mais adequado para que ele também se desenvolvesse no ritmo esperado para a idade.

“Não foi o caso de comparar com a Alice. É que a gente viu que precisava descobrir o que estava acontecendo. Hoje, ele está sendo acompanhado na escola por fonoaudióloga, psicopedagoga e terapeuta. Estamos bem com isso”, conta Daianne Schiller, de 27 anos, mãe de Luiz e do caçula, Augusto.

Ela relata que já ouviu comentários como “nossa, você não compara a Alice e o Luiz?”. E sempre responde que "não", porque “crianças precisam de base segura e sólida para se desenvolverem”.

“É tanto amor que a gente sente por eles. Isso só passa pela cabeça de quem está de fora mesmo. Cada um tem seu tempo, e precisamos respeitar", afirma Daianne.

“O mundo já é tão competitivo. O melhor é que a família seja um lugar de acolhimento.”

As crianças também se entendem. Depois de mais de um ano distantes, por causa da pandemia, elas voltaram a se encontrar.

“Foi muito gostoso e especial. A Alice é muito doce e muito inteligente, e ainda estimulou meu filho mais novo a aprender novas palavras. Deu para aproveitar muito. A gente espera que os primos sempre convivam bem.”

Prima da candidata que tirou nota mil na redação do Enem 2020

Alana (à esquerda) é prima de Aline, que tirou nota mil na redação do Enem 2020 — Foto: Arquivo pessoal

“Quando saíram os resultados do Enem 2020, minha prima [Aline Alves, de 18 anos] postou um vídeo sobre ter tirado nota mil na redação, e aí viralizou. Quando fui ver os comentários, era todo mundo dizendo: ‘nossa, imagine ser prima dela! Eu respondi: ‘sou prima dela e tá tudo bem por aqui!”, brinca Alana Cavalcanti, de 24 anos.

Ela diz que não levou para o lado pessoal.

“Achei muito engraçado, porque, na verdade, comemorei o resultado como se fosse o meu. Fiquei muito, muito feliz.”

Alana acabou de se formar em matemática na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), mesma instituição onde Aline ingressou neste ano para cursar direito, depois do êxito no Enem.

“É interessante ver que são ciclos. Na semana passada, apresentei meu TCC, e todos os meus primos foram assistir. A Aline comentou: nossa, parabéns, não vejo a hora de chegar a essa fase”, conta Alana.

“Agora, ela está enfrentando todas as dificuldades da faculdade. A pressão passa a recair sobre ela. É isso: a cada momento, é um que se destaca.”

‘Primo’ do brasileiro mais novo a fazer parte do ‘clube internacional de gênios’

Felipe e Gustavo são tão próximos que se consideram primos — Foto: Arquivo pessoal

Gustavo Saldanha, de 8 anos, é o brasileiro mais novo a fazer parte da Mensa International (uma espécie de “clube de gênios”). Neste mês, ele ainda foi considerado uma das 100 crianças-prodígio do mundo, por causa de seu talento musical: ele toca toca violão, guitarra, teclado, ukulele e baixo; se arrisca em bateria e gaita, e sabe praticamente todas as músicas dos Beatles (veja vídeo abaixo).

Menino de 8 anos é o brasileiro mais novo a ser aceito em 'clube internacional de gênios'

Menino de 8 anos é o brasileiro mais novo a ser aceito em 'clube internacional de gênios'

Foi justamente nesse contexto de shows e apresentações que o menino conheceu seu “primo postiço”: Felipe Takashi, de 15 anos. Eles ficaram tão, tão próximos que passaram a se considerar parentes.

“Tenho mais afinidade e contato com o Gustavo do que com os meus primos biológicos”, conta Felipe. “Até esqueço que ele é tão mais novo. Já me ensinou bastante coisa de guitarra e de violão; me passou vários acordes.”

Há quem estabeleça comparações entre os dois e questione se, para o jovem, não é incômodo admitir que uma criança de 8 anos domine mais instrumentos musicais do que ele.

“As pessoas brincam e falam ‘nossa, coitado dos primos do Gustavo’. Mas nunca me cobrei negativamente nem me senti inferior. Sempre o vi como uma inspiração. Quero estar junto dele e aprender com ele”, diz Felipe.

A brincadeira dos 'primos' pode ser prejudicial?

A psicóloga Rita Calegari, da ICare Grupo, afirma que as comparações em si não são um problema.

“Ruim é quando há um juízo de valor, como se uma pessoa fosse melhor do que a outra só porque se empenhou mais academicamente, por exemplo”, diz.

Ela também ressalta como a noção de sucesso - seja na aprovação de vestibular ou na demonstração de talentos precoces - pode ter uma base apenas econômica.

“A sociedade tende a entender que, quanto melhor o desempenho de alguém, melhores vão ser as oportunidades de trabalho no futuro. E, consequentemente, mais alto será o salário”, diz Calegari.

“Mas isso não tem relação com ser feliz ou com encontrar seu lugar no mundo. Há profissionais que estudam em faculdades incríveis e que depois não são felizes na profissão.”

Quais são os riscos de comparar ‘os primos’?

O meme de “nossa, coitados dos primos” deixa de ser apenas uma brincadeira quando passa a produzir impactos na motivação de alguém.

“Se, a todo momento, eu focar no fato de haver alguém que faça melhor aquilo do que eu, deixo de tentar e desisto. É muito difícil não receber reconhecimento”, explica Calegari.

O ideal seria a gente buscar nossos apoiadores e selecionar de quem vamos ouvir críticas realmente válidas. Quem são as pessoas que enxergam valor no que eu também enxergo? Podem ser familiares, amigos ou colegas de trabalho; não importa."

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