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Melhora da alfabetização de crianças envolve plano de ação e aulas extras, avaliam especialistas

Analistas comentam dados divulgados nesta sexta pelo Ministério da Educação

Foto do author Ítalo Lo Re
Foto do author Renata Cafardo
Por Ítalo Lo Re e Renata Cafardo

As crianças em fase de alfabetização tiveram a maior queda de aprendizagem entre todas as séries avaliadas em 2021 por causa da pandemia. Isso é o que apontam dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) divulgados nesta sexta-feira, 16, pelo Ministério da Educação (MEC). Especialistas ouvidos pelo Estadão reforçam a necessidade de definir planos de ação e planejar aulas extras para os alunos para recuperar o déficit de aprendizado.

Aos 8 anos, quando elas já deveriam estar sabendo ler e escrever plenamente, muitas não conseguem ainda localizar uma informação explícita no final de um texto curto, de duas linhas. A queda foi maior ainda do que a registrada no 5º, 9º ano e ensino médio. Em parte, isso já era esperado por especialistas, uma vez que crianças menores têm mais dificuldade de acompanhar aulas no modelo remoto.

Crianças interagem durante retomada das aulas presenciais, em 2021. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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“A perda principal que tivemos foi em relação aos anos iniciais do ensino fundamental, a avaliação do 2º ano”, disse Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). “Seria muito estranho se isso não ocorresse, porque, concretamente, são os alunos que se alfabetizaram durante a pandemia.”

A queda foi de 24,5 pontos no exame, que é amostral, de Português. O melhor desempenho foi registrado no Estado de Santa Catarina, seguido do Distrito Federal e de São Paulo. A mais baixa foi a aprendizagem registrada no Acre. Em Matemática, os alunos do 2º ano também tiveram queda na aprendizagem, mas um pouco menor que em Português, de 9 pontos. Os Estados com melhor desempenho foram Santa Catarina, Espírito Santo e São Paulo. O pior foi registrado em Sergipe.

“Esperava-se um retrocesso muito maior, e ele não aconteceu por conta do trabalho dos professores, que demonstraram uma enorme resiliência”, afirmou. “Essa capacidade de resposta dos professores dá indícios para que a gente tenha esperança de que esse problema seja resolvido. Em educação nada é irreversível.”

Esperava-se um retrocesso muito maior, e ele não aconteceu por conta do trabalho dos professores, que demonstraram uma enorme resiliência

Daniel Cara, professor da USP

Como medidas possíveis para melhora do cenário, Cara destaca dois caminhos. “Para os alunos, especialmente os que estão em fase de alfabetização, que entraram na escola de ensino fundamental durante a pandemia, que estão no 2º ou 3º ano, é preciso realizar trabalhos de contraturno”, disse ele, que enxerga as aulas extras como “obrigatórias”.

“Para os demais alunos, é preciso analisar cada caso concretamente”, continua o professor. “Tem de dar as condições para que as escolas possam fazer a recuperação daqueles alunos que precisam passar por um processo de recuperação, e essa tarefa tem de ser trabalhada de forma criativa.”

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Diretora de alfabetização da Fundação Lemann, Daniela Caldeirinha reforça que a etapa de alfabetização demanda muito da presença e a piora nos índices nessa faixa já era prevista. As crianças pequenas são menos autônomas para o ensino remoto que os adolescentes e especialistas já temiam o déficit na alfabetização. Saber ler e escrever é primordial para que o aluno permaneça na escola e aprenda também outras disciplinas. “O que a gente vê hoje (sexta) é a primeira leitura oficial desses impactos”, disse.

Na prática, continua, os resultados do Saeb demonstraram que cerca de dois terços das crianças terminaram o 2º ano sem serem alfabetizadas na idade que é prevista pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Para combater essa piora, Daniela avalia que o País deve priorizar o tema nos próximos anos. “Se a alfabetização não for um tema central nos próximos anos, a gente vai ter muita dificuldade de mudar esse cenário.”

Ela relembra que as crianças que passaram pelo 1º e 2º ano e não foram alfabetizadas hoje provavelmente estão no 3º ano. “A gente precisa de um olhar muito atento para essas crianças que precisam se alfabetizar agora para seguir com condições de aprender”, reforçou. Como exemplos, ela cita medidas de recomposição de aprendizado e planos de ação específicos para aumentar a alfabetização.

Se a alfabetização não for um tema central nos próximos anos, a gente vai ter muita dificuldade de mudar esse cenário

Daniela Caldeirinha, diretora na Fundação Lemann

Em 2020, por causa da covid-19 e com escolas fechadas, as redes de ensino foram incentivadas a não reprovar alunos pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Era uma forma de evitar o abandono e também não prejudicar alunos que não poderiam ser bem avaliados estando em casa, em ensino remoto.

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Para o presidente da Associação Brasileira de Escolas Particulares (Abepar), Arthur Fonseca Filho, o que chama atenção nos dados do Saeb são, de fato, os resultados das provas do 2º ano. “Essas crianças praticamente não fizeram o 1º ano (na pandemia)”, disse. Ainda assim, ele reforça que, “até por uma questão logística”, é mais fácil tentar recuperar a aprendizagem de crianças nessa faixa do que alunos mais velhos.

O Saeb é a principal avaliação de educação do Brasil e que traz pela primeira vez o retrato oficial do retrocesso causado pelas escolas fechadas e ensino remoto. Apesar da importância, há ressalvas de especialistas por causa do índice de participação ter sido baixo justamente em virtude da pandemia. “A realização foi um grande desafio, esforço conjunto entre União, Estados e municípios. A aplicação foi exitosa”, disse o ministro da Educação, Victor Godoy.

A ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), Maria Helena Guimarães de Castro, presente à coletiva no MEC, afirmou que, pelas peculiaridades da pandemia e diferenças entre redes, “os dados deste ano não poderiam ser comparados”.

O Brasil foi um dos países que mais tempo deixaram seus alunos em casa durante a crise sanitária. A maioria dos Estados reabriu suas escolas só em agosto de 2021, mesmo assim com esquemas de rodízio de presença.

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