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Brasil Educação

Medida criticada por ministro, inclusão de alunos com deficiência forma duplas que dão certo e tem aval da ciência

Número de estudantes com deficiência em turmas regulares dobrou desde 2011 e atingiu 1,115 milhão em 2020, mas acessibilidade ainda é um problema
Cecilia Villeroy é mãe de Noah Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo
Cecilia Villeroy é mãe de Noah Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

RIO - O analista de sistemas Leonardo Gleison, de 33 anos, nasceu com severas restrições para enxergar até que ficou completamente cego aos 15 anos. Sem acessibilidade adequada na escola em que estudava, no município Francisco Morato, interior de São Paulo, Gleison precisou encontrar um olho amigo para seguir com os estudos de forma mais eficaz. O “olho amigo” em questão foi o de Vander Christian, que passou a ditar baixinho o que o professor escrevia no quadro para o colega escrever na máquina de braile.

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Da relação escolar dos dois jovens, amigos até hoje, quase duas décadas depois, nasceu “Karina”, livro escrito por Vander inspirado no que eles viveram. Uma história de parceria bem-sucedida entre crianças com e sem deficiência em uma mesma sala de aula. Recentemente, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, criticou a inclusão de alunos com deficiência em classes regulares, a que chamou pejorativamente de “inclusivismo”.

— Um dos motivos por eu ter conseguido chegar bem ao fim do ensino médio foi essa amizade — diz Gleison, que acabou de ter o primeiro filho. — Somos amigos até hoje! O Vander conheceu a mulher dele por minha causa. Agora ele também vai ser pai e está me pedindo conselhos.

Simone Rocha, com o filho que Luis Felipe Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo
Simone Rocha, com o filho que Luis Felipe Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

A inclusão de alunos com deficiência em classes regulares dobrou desde 2011 — passando, segundo o Censo Escolar, do Inep, de 558 mil para 1,15 milhão de estudantes em 2020. Os desafios agora estão em tornar as escolas mais acessíveis. Dados do Censo mostram que nem a metade das escolas do país está equipada com rampas ou banheiros acessíveis, por exemplo.

— O MEC, em vez de emitir mensagens que confundem os pais, deveria criar programas que contemplem a formação de educadores e a melhoria da infraestrutura das escolas —diz Rodrigo Mendes, presidente do Instituto Rodrigo Mendes, especializado em educação de crianças com deficiência.

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Luis Felipe Rocha Rodrigues, de 8 anos, está no 3º ano de uma turma regular da Escola municipal Maestro Francisco Braga. Com lesão cerebral e autismo, ele compreende tudo que se passa à sua volta, mas não fala. Apesar de ter sido alfabetizado, Luis se comunica por mímicas e onomatopeias (sons que fazem reprodução aproximada de palavras).

— Meu filho aprendeu a fazer amigos e a entendê-los, a se comunicar e a se fazer entender. Aprendeu também a dividir brincadeiras, a aceitar novidades. E até a ser rejeitado. E as outras crianças da turma ganham com ele, aprendem a respeitar e a conviver com as diferenças — diz Simone Rocha, de 46 anos, mãe do menino.

Descobertas científicas

Um estudo coordenado pelo professor de Harvard Thomas Hehir, ex-diretor de educação especial do Departamento de Educação dos EUA, mostra que a inclusão de crianças com deficiências em turmas regulares garante benefícios para todos os alunos da sala.

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A análise, publicada após parceria do Instituto Alana com o ABT Associates em 2016, mostra, por exemplo, que pessoas sem deficiência que estudam em salas de aula inclusivas têm opiniões menos preconceituosas e são mais receptivas às diferenças, o que as prepara melhor para a vida.

Ao mesmo tempo, um grande número de pesquisas já mostrou que crianças com deficiência incluídas desenvolvem habilidades mais fortes em leitura e matemática, são menos propensas a problemas comportamentais e mais aptas a completar o ensino médio que as não incluídas.

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Os benefícios são vistos na casa de Cecilia Villeroy, de 42 anos, e seu filho Noah, de 10. O menino, que tem síndrome de Down, estuda no Colégio de Aplicação da Uerj com currículo adaptado.

— Ele tem tudo o que é passado para a turma, mas de uma forma que consegue assimilar — conta Villeroy. — Além de ter um projeto pedagógico muito bom, a escola faz a inclusão dar certo. O colégio inteiro conhece o Noah, as crianças respeitam o tempo dele, aprendem a esperar, a serem solidárias.

Para o ministro Ribeiro, entretanto, a criança com deficiência em classe regular “atrapalhava”.

— Ela não aprendia. Ela atrapalhava, entre aspas, essa palavra falo com muito cuidado, o aprendizado dos outros — disse Ribeiro à TV Brasil, emissora comandada pelo governo.

Pedido de desculpas

Após uma enxurrada de críticas, o Ministério da Educação (MEC) afirmou, por nota, que Ribeiro se desculpou. No entanto, manteve as críticas porque, de acordo com ele, o Censo Escolar indicava que 12% dessas crianças, que seriam casos mais severos, não tinham condições de estudar em classes regulares.

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O Censo de 2020, no entanto, não trata do grau de deficiência dos estudantes. Apenas informa que 12% desses alunos estão em turmas especiais. Isso corresponde a 153 mil alunos, sendo 69,7 mil em idade escolar (de 4 a 17 anos) e 83,6 mil adultos. Procurado, o ministro não explicou sua fala.

Em outubro, Ribeiro lançou a nova Política Nacional de Educação Especial. Um dos pontos mais criticados prevê repasses de verba para estados e municípios abrirem classes e escolas exclusivas para crianças com deficiência. Amplamente rejeitado por especialistas, o texto foi suspenso liminarmente pelo Supremo Tribunal Federal. O plenário da Corte marcará data para analisar a questão em definitivo.

Em nota divulgada neste domingo, o Ministério da Educação afirmou que "continua firme no objetivo de cada vez mais ampliar a inclusão preferencialmente nas escolas regulares". Afirma ainda que "queremos classes mais adequadas e atendimento especializado durante todo o período escolar para os 11,9% dos educandos do público da Educação Especial que estão nas classes e escolas especiais, ou seja, para 0,3% dos educandos da educação básica que estão nessas classes".