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MEC: Troca de ministro quebra gestão e mantém desmonte, dizem especialistas

Da esquerda para direita, Ricardo Vélez Rodriguez, Abraham Weintraub, Carlos Alberto Decotelli e Milton Ribeiro, todos ex-ministros da Educação do governo Jair Bolsonaro - UOL
Da esquerda para direita, Ricardo Vélez Rodriguez, Abraham Weintraub, Carlos Alberto Decotelli e Milton Ribeiro, todos ex-ministros da Educação do governo Jair Bolsonaro Imagem: UOL

Leonardo Martins

Do UOL, em São Paulo

29/03/2022 17h44Atualizada em 29/03/2022 17h47

A saída de Milton Ribeiro do MEC (Ministério da Educação), anunciada ontem (28), quebra mais uma vez a possibilidade de uma gestão a longo prazo na pasta e dá sequência ao desmonte e enfraquecimento do ministério, de acordo com a avaliação de especialistas ouvidos pelo UOL.

O perfil do próximo ministro a ser escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) —o quinto a assumir a pasta em três anos de governo—, também é um receio dos técnicos em políticas educacionais que conversaram com a reportagem. Eles temem que questões políticas se sobreponham às técnicas na indicação.

Em princípio, quem deve ficar no cargo, cobiçado pelo centrão, é Victor Godoy Veiga, atual número dois do ministério e pessoa de confiança de Ribeiro, que o levou para o governo quando assumiu, em julho de 2020. O nome do atual reitor do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), Anderson Ribeiro Correia, também já foi cogitado.

Em meio à pandemia de covid-19, a gestão de Milton Ribeiro no MEC foi marcada por polêmicas e poucos avanços. Sob pressão, ele deixou o cargo após a revelação de indícios de um esquema de liberação de verbas para prefeituras envolvendo dois pastores sem cargo público, com suspeita de pagamento de propina.

"O ministro chegou para abafar uma crise e sai deixando uma crise tão grande quanto, ao se envolver em episódios de suposta improbidade administrativa e corrupção", avalia João Marcelo Borges, pesquisador do Centro de Desenvolvimento da Gestão Pública e Políticas Educacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

Ribeiro chegou à pasta após a breve passagem de Carlos Decotelli, que pediu demissão com apenas cinco dias no cargo, após denúncias de irregularidades em seu currículo.

Antecessor de Decotelli, Abraham Weintraub deixou a função em junho de 2020, em razão da escalada da crise institucional causada por suas declarações contra ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

Antes deles, Ricardo Vélez Rodríguez, o primeiro nome à frente do MEC no governo Bolsonaro, teve uma gestão de apenas três meses, também marcada por polêmicas.

Críticas a Ribeiro

Uma das principais críticas de especialistas em educação feitas à gestão do MEC, sob o comando do pastor evangélico Milton Ribeiro, é o foco em pautas de costumes do governo em detrimento de desafios mais amplos da educação brasileira. Também não houve avanço na formulação de programas.

"Ele [Ribeiro] não conseguiu coordenar a resposta nacional à pandemia; atrasou o desenvolvimento de soluções; priorizou temas completamente irrisórios diante do quadro geral, como homeschooling [educação domiciliar]; e posicionou-se contra medidas obviamente necessárias como a conectividade e dispositivo para alunos pobres", afirma Borges, da FGV.

Além desses problemas, a saída de Ribeiro evidencia a falta de continuidade no trabalho do ministério, diz o pesquisador.

É como se você trocasse seu filho de escola quatro vezes no ano. Há impacto no aprendizado. Quando a principal liderança educacional do país é trocada tantas vezes, há sinal de total irrelevância da área para a gestão."
João Marcelo Borges, pesquisador da FGV

Ensino na pandemia

A falta de coordenação nacional por parte do MEC para implementar e executar o ensino online nas redes municipais e estaduais durante a pandemia de covid-19 foi alvo de críticas constantes de professores e dirigentes de escolas nos últimos anos.

Ribeiro não realizou nenhum mapeamento que mostrasse os impactos do fechamento das escolas devido aos casos de coronavírus. O trabalho foi feito por estados e municípios, além dos próprios profissionais da área, que procuraram alternativas na adaptação ao ensino remoto. As decisões de reabrir e receber alunos presencialmente ficaram a cargo de governos locais.

Um estudo do Unicef mostrou que a covid gerou uma "erosão" do ensino no Brasil e retrocesso de uma década no aprendizado.

Presidente do movimento Todos Pela Educação, Priscila Cruz também associa as constantes de trocas de ministro da pasta a crescentes problemas enfrentados pelo setor.

Não há como produzir resultados, garantir aumento do patamar educacional do país se não houver uma continuidade com aprimoramentos. Não significa que políticas ruins não podem ser descontinuadas, mas essa continuidade com aprimoramento é rompida."
Priscila Cruz, presidente do movimento Todos Pela Educação

Em um eventual novo governo em 2024, Priscila prevê a entrega de ministério "desmontado com séries de inércias e más práticas".

Na gestão de Ribeiro, o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), responsável por elaborar e aplicar o Enem, viveu sua pior crise da história. Semanas antes do exame, dezenas de servidores pediram demissão citando fragilidade técnica.

O banco de questões que devem ser usadas no exame também não foi preenchido e, agora, o instituto avalia usar questões repetidas no Enem 2022 —em uma decisão inédita.

Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV, Claudia Costin reforça as críticas ao ministério e afirma se preocupar ainda com o perfil do próximo ministro. "A busca [do governo] é por um ministro conservador e mais de alinhamento ao governo, não com compromisso de uma política educacional", ressalta.

"Assim como Weintraub, [Ribeiro] não teve interesse na educação básica, onde precisamos de mais política educacional, e começou a criar mecanismos estranhos e poucos transparentes na aprovação de novas universidades e liberação de recursos. Aqueles áudios colocam que, no mínimo, há mecanismos pouco republicanos na aprovação de repasses a municípios", afirma a ex-diretora de educação do Banco Mundial.

Ribeiro nega ter cometido irregularidades e diz que deixa o cargo "a fim de que não paire nenhuma incerteza" sobre a conduta dele e a do governo federal.

Em fevereiro do ano passado, o então ministro chegou a propor a "criação de dez novos institutos federais", mas, na prática, as instituições não receberiam novos campi, nem ampliariam o número de vagas e cursos e sim teriam novas reitorias. Na época, a pasta afirmou que gastaria R$ 147 milhões ao ano com as novas instituições. As mudanças ainda não saíram do papel.

Trocar um ministro leva ao momento de desassossego e desorganização da máquina porque não se busca um perfil de ministro mais focado em política educacional."
Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV

O UOL entrou em contato com o MEC, mas não teve retorno. O espaço está aberto para atualizações.