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Por Hugo Passarelli, De São Paulo — Valor


Priscila Cruz: Não dá para esperar política pública para melhorar a qualidade da educação com equipe de Vélez — Foto: Ana Paula Paiva/Valor

O Ministério da Educação (MEC) de Ricardo Vélez Rodríguez só é capaz de entregar anúncios ideológicos, descolados dos debates já em curso no setor. A opinião é de Priscila Cruz, presidente-executiva do movimento Todos Pela Educação, que reúne gestores públicos, empresários, educadores, pais e alunos em prol da educação básica de qualidade gratuita.

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"Não dá para esperar dessa equipe políticas públicas para melhorar a qualidade da educação", afirma, sinalizando que o período de tolerância da comunidade educacional com a atual gestão chegou ao fim.

O MEC tem sido marcado por diversas controvérsias desde janeiro e avanço quase nulo em medidas concretas, afirma Cruz, que é fundadora da ONG e mestre em administração pública pela Harvard Kennedy School.

"É um diversionismo muito forte, fruto da incompetência para formular políticas públicas. Uma equipe preparada não perde tempo fazendo o que eles já fizeram", diz. Sem mudar a equipe atual, a começar pelo ministro, nenhum avanço significativo na área vai acontecer, defende.

Em entrevista ao Valor, publicada na edição de ontem, Vélez defendeu que sua pasta poderia alterar progressivamente os livros didáticos para resgatar uma visão "mais ampla da história". Por essa linha de raciocínio, afirma Vélez, não houve golpe militar de 1964 e o que o Brasil viveu foi um "regime democrático de força".

Segundo ela, falta a esse MEC um comando e secretariado que unam características técnicas e políticas, consideradas imprescindíveis para avançar nas políticas para o setor. "Nem Vélez nem as pessoas próximas a ele têm ou tinham experiência no debate educacional ou em gestão pública. Vélez tem as características opostas àquelas que a gente precisaria ter num ministro da Educação, que incluem ter capacidade de articulação com Estados e municípios e com o Congresso."

Segundo ela, um exemplo claro dessa deficiência é a falta de proposta para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), principal mecanismo de redistribuição de recursos da União para Estados e municípios. O Fundeb expira em 2020 e precisa ser discutido neste ano no Congresso Nacional, sob o risco de colapsar a educação básica.

"Vélez tem as características opostas àquelas que a gente precisaria ter num ministro da Educação"

Cruz diz que, ao longo dos anos, as discussões sobre educação foram cristalizando consensos que ela chama de cláusulas pétreas. "Todo mundo concorda que o sistema federativo não joga a favor da educação básica e que é preciso redistribuir responsabilidades; que a Base Nacional Comum Curricular [BNCC] precisa chegar às escolas; que é preciso fechar a torneira do analfabetismo; que o ensino médio precisa ser rediscutido", enumera.

Segundo ela, o risco é ter haver uma descontinuidade deste debate. "Essas cláusulas pétreas são algo muito raro de acontecer e, quando não temos um ministério alinhado a isso, é um desperdício enorme", afirma.

Ontem, o MEC deu um passo para, ao menos, conter parte dos receios dos secretários estaduais de Educação. Em evento fechado à imprensa e sem a presença de Vélez, o novo secretário-executivo do MEC, Ricardo Machado Vieira, anunciou a continuidade do programa de apoio à BNCC, com repasse de R$ 36 milhões para as redes infantil e fundamental, que já elaboraram seus currículos e estão em fase de implementação do novo modelo de ensino. Já o ensino médio, que ainda debate o currículo, terá R$ 68 milhões.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Valor: Como a senhora avalia esses primeiros cem dias de MEC?

Priscila Cruz: Este é um governo que se posicionou pouco sobre educação durante a campanha e os poucos posicionamentos foram já na linha ideológica. Quando Vélez foi finalmente apontado, ele teve muito pouco tempo para preparar qualquer tipo de plano. Nem ele nem as pessoas próximas tinham experiência no debate educacional. Ele não tem experiência em gestão pública e também não é uma pessoa da articulação política. Ele tem as características opostas àquelas que a gente precisaria ter num ministro da Educação. Um ministro da Educação precisa reunir competência técnica com competência política, dados todos os desafios que a gente tem para a educação. Ele precisa ter capacidade de articulação com Estados e municípios e com o Congresso Nacional.

Valor: Esse caráter político é importante então?

Cruz: Sim, mas não é só isso. O MEC não é responsável por gerir redes, mas é o responsável por dar os parâmetros de qualidade e as políticas de indução para que Estados e municípios consigam andar todos na mesma direção, senão o que a gente tem é desorganização do sistema de educação no Brasil. O MEC é que dá as grandes diretrizes.

Valor: Tem um debate já amadurecido e quem precisa entrar no debate é o MEC?

Cruz: Exatamente. Os jogadores desse grande jogo da educação estão todos se posicionando.

Valor: E agora nós temos urgências que precisam ser definidas, como o andamento ou não da reforma do ensino médio.

Cruz: Tem um amadurecimento que vem ocorrendo na educação brasileira. Quando o Todos foi criado, há 13 anos, não era assim. Alguns temas foram se colocando como cláusulas pétreas da educação básica. Você tem um ministério que tem a oportunidade de ter uma agenda positiva, já tem gente de A a Z que concorda com esses temas, você pode pegar essa agenda, ajeitar, colocar a sua digital. A gente tem uma avanço que não temos em áreas como a saúde. Todo mundo concorda que o sistema federativo não joga a favor da educação básica e que é preciso redistribuir responsabilidades; que a Base Nacional Comum Curricular precisa chegar às escolas; que é preciso fechar a torneira do analfabetismo; que o ensino médio precisa ser rediscutido.

Valor: Em relação a outros governos, é esperado que as coisas estejam nesse pé?

Cruz: A gente acompanhou de Fernando Haddad a Vélez. O Haddad logo entendeu que educação exige continuidade e deu andamento às políticas do Paulo Renato [Souza, ministro de 1995 a 2002]. Existem essas cláusulas pétreas que devem ser mantidas e aperfeiçoadas. Não é que não tenha havido descontinuidade,, mas existem aqui alguns vetores que vêm sendo mantidos e aperfeiçoados no Brasil. Existe o vetor da avaliação, ele foi sendo aperfeiçoado desde o Paulo Renato até agora porque temos, pela primeira vez, uma incerteza muito grande com a anulação da portaria sobre o Saeb [avaliação da educação básica]. Outro vetor forte foi o financiamento, começou com o Fundef, Fundeb e agora o novo Fundeb que esse MEC não tem proposta. O presidente da República e o ministro deveriam saber que isso cairia no colo deles. Não pode entrar no MEC sem propostas para o Fundeb.

Valor: O que você acha das polêmicas, como o Hino Nacional nas escolas ou a defesa do golpe de 1964?

Cruz: É um diversionismo muito forte, fruto da incompetência para formular políticas públicas para melhorar a qualidade do ensino. Uma equipe preparada para formular política pública para melhorar a qualidade do ensino no Brasil não perde tempo fazendo o que eles já fizeram, o mandato é curto. É tanta coisa para articular. Essa é uma equipe que consegue entregar anúncios ideológicos, não dá para esperar política pública para melhorar a qualidade da educação. Essa é a avaliação mais pragmática e realista que podemos dar.

"Todo mundo concorda que é preciso fechar a torneira do analfabetismo, que o ensino médio precisa ser rediscutido"

Valor: Mas parece que a paciência, de uma forma geral, acabou.

Cruz: Na verdade nem é paciência, é tolerância. Tem um voto de confiança que se dá a todo governo que começa, se colocar à disposição. Foi o que o Todos pela Educação fez. O secretário-executivo à época foi aberto, fizemos várias reuniões. Mostramos que já existe um plano para avançar, em que há consenso para acelerar as mudanças. Não souberam aproveitar. Mostramos janelas de oportunidade, e o governo foi na direção oposta, com ações ideológicas isoladas. A tolerância fica cada vez menor. Não há sinalização pragmática para colocar de pé a agenda que põe a educação brasileira de pé.

Valor: Quais consequências a senhora vê?

Cruz: Estamos correndo o risco de não ter equipe. Isso é fruto de um ministro que não consegue nem sequer formar equipe, quanto mais ser gestor público. A falta de um presidente do Inep, de um diretor de avaliação da educação básica, de um secretário de Educação Básica. Tivemos indicação de um secretário-executivo que mal esquentou a cadeira. A falta desse primeiro escalão no MEC gera mais desconfiança, insegurança e isso reverbera como uma onda até chegar às escolas.

Valor: O que acha do status do Plano Nacional de Educação em todo esse contexto que estamos presenciando?

Cruz: O "Educação Já" foi um documento elaborado para conseguirmos atingir as metas do PNE, que não é um plano estratégico, mas de metas, o que é diferente. Mostra o que fazer para chegar a essas metas. Então enquanto não tivermos um projeto para a educação brasileira, não vamos conseguir atingir quaisquer metas. É preciso haver ações coordenadas. Como não temos ações, muito menos coordenadas, é impossível chegar aos resultados. Não há vetor.

Valor: Na semana passada, o Conselho Nacional de Educação se declarou incompetente "para definir o valor financeiro e precificação do Custo Aluno Qualidade Inicial". Como a senhora vê esse impasse?

Cruz: Sobre o CAQ e o CAQI, concordo que não é matéria do CNE. Isso é posicionamento que o MEC tem que tomar, porque esses instrumentos geram despesa. O conselho, em suas atribuições, não pode gerar despesa e impor ao Executivo. O MEC precisaria se articular com o Congresso para formular uma medida que determine investimento mínimo por aluno. Por isso o entendimento sobre financiamento da educação é uma discussão importante dentro do MEC. Mas está fora do campo de visão da atual gestão, que não entendeu nem o que é Fundeb nem CAQ e CAQI. Sem entender como podem se complementar, o MEC fica perdido. O problema é que estamos num vácuo de poder em que não é possível fazer defesa nem para um lado nem para o outro. O MEC historicamente sempre teve poder gravitacional grande, sempre foi articulador de políticas.

Valor: De fato, pois um número cada vez maior de pessoas, com diferentes interesses e de esferas diversas, olha para o MEC.

Cruz: Elas esperam respostas de um MEC errático e que está seguindo na direção ideológica, que é oposta à que deveria tomar. O ministério deveria ser firme na posição de fazer com que as políticas voltadas à melhoria da qualidade de ensino fossem colocadas de pé.

Valor: Então o que esperar de um ministério que não dialoga, sem direção clara, e com um governo que acha que a gestão está certa e tudo o mais é barulho, má interpretação ou falta de paciência para aguardar resultados consolidados?

Cruz: Se consolidar na direção que está atualmente, vai se consolidar da maneira errada. Não é problema de consolidar, mas de visão do que precisa ser feito. O que questiono é justamente a opinião do governo. Não há opinião clara do presidente da República. Ele já disse em entrevista que alguns problemas no MEC precisam de solução e sinalizou que não está completamente feliz. Seria até impossível apoiar o que está acontecendo no MEC hoje, a começar por um indicador básico que é a falta de pessoas no escalão mais alto. Não tem ninguém tocando o barco, só um ministro que fica anunciando ações erráticas, pontuais e ideológicas. Não tem agenda. Qual a visão do Planalto? Há apenas indícios de uma insatisfação do presidente, sem ação correspondente, o que é omissão.

Valor: Estamos num contexto de restrição fiscal com recursos da educação contingenciados. O que isso implica a partir de agora?

Cruz: Gestão pública é fazer diagnósticos, desenhar políticas públicas, mas sabendo quanto custa, de onde vão sair os recursos. Isso é importante, porque recurso é finito. Por isso é preciso um projeto com visão sistêmica para que o MEC consiga fazer escolhas. E isso é tirar recursos de um lugar para aportar em outro lugar que tenha prioridade. O impressionante é a iniciativa privada e a sociedade se conformarem com a entrada de um ministro não preparado para essa função.

Valor: Parece que o MEC não está em evidência pelos temas centrais.

Cruz: A gente é muito procurado para repercutir birutices e queremos falar de política pública educacional. Deveríamos estar discutindo as propostas e os projetos que precisam melhorar. E o que se está discutindo é a carta do hino, a leitura transversal. Quando cair a ficha, eles [o governo] vão ser medidos. A avaliação da educação brasileira é referência no mundo inteiro, tema de qualquer congresso internacional de política pública para a educação. Não sei se o Planalto se deu conta disso.

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