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MEC pede R$ 5,3 bi para 'ações essenciais', como Enem e bolsas de pós-graduação, que correm risco

Ofício enviado ontem pelo ministro Milton Ribeiro a Paulo Guedes aponta que exame do ensino médio precisa de mais recursos; ontem, governo negou que falte orçamento para prova, e ministro diz que avaliação será este ano
A sede do Ministério da Educação, em Brasília Foto: Agência Brasil
A sede do Ministério da Educação, em Brasília Foto: Agência Brasil

BRASÍLIA — Ao contrário do que afirmou ontem em nota oficial, o governo não tem recursos suficientes para fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2021 a todos os participantes. Ofício enviado pelo ministro da Educação, Milton Ribeiro, ao ministro da Economia, Paulo Guedes, pede R$ 5,3 bilhões para "demandas essenciais à área da educação". São R$ 2,7 bilhões que já fazem parte do orçamento do Ministério da Educação (MEC), mas estão bloqueados, e outros R$ 2,6 bilhões em verba adicional.

Sem o dinheiro, serão cortados os pagamentos de todos os 92.377 bolsistas de mestrado, doutorado e pós-doutorado, incluindo pesquisadores que trabalham em projetos da Covid-19, e de 34.651 bolsistas de formação de professores da educação básica.

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O programa do livro didático também não atenderá integralmente aos estudantes da rede pública, entre vários outros impactos listados no documento assinado nesta quinta-feira pelo titular do Ministério da Educação (MEC). O ofício foi noticiado pelo Estado de S. Paulo. O GLOBO também teve acesso ao documento.

Impactos pedagógicos imensos

O ofício informa que há "comprometimento da realização do Exame Nacional do Ensino Médio" com "impactos pedagógicos imensos" devido à falta de recursos destinados ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pelo exame.

A nota transcreve os riscos traçados pelo instituto:

"Especificamente com relação ao Enem, a insuficiência orçamentária resultaria na inexecução dos serviços, tendo em vista a quantidade de participantes prevista para 2021. Ou seja, o montante disponibilizado não atenderia a totalidade de aplicações/participantes previstas, o que de fato poderia trazer prejuízos às aplicações do Enem e ao Inep".

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A quantidade de inscritos estimada pelo Inep é de 6 milhões de alunos, além da aplicação do Enem digital para mais de 100 mil alunos, com estimativas de gastos de R$ 794.197.901,00 para a elaboração e aplicação do exame.

"Os impactos pedagógicos seriam imensos, pensando na utilização do Enem como mecanismo de ingresso no Ensino Superior, e programas governamentais como Sisu, ProUni e Fies", destaca o documento enviado pelo ministro da Educação no pedido a Guedes.

Também nesta sexta-feira, Ribeiro afirmou ao G1, em Santa Catarina, que as provas do Enem devem ocorrer entre outubro e novembro, ainda este ano. A declaração foi dada durante a inauguração de Centro de Ensino Infantil de Blumenau.

Nota oficial dizia o oposto

Nesta quinta-feira, o Inep divulgou nota oficia na qual afirmou "que tem orçamento suficiente para realizar o Enem 2021" em meio a informações de que a aplicação das provas não ocorreria neste ano por diversos fatores, entre eles justamente a falta de recursos.

O GLOBO mostrou documentos internos da autarquia ligada ao MEC que relatam que a data do Enem foi definida, no último dia 5, para 16 e 23 de janeiro de 2022, pelo presidente do instituto Danilo Dupas. O Inep, porém, nega que o calendário já esteja definido.

— Foi um documento em que se discutia (o adiamento para 2022). Está tudo previsto. Tudo indica que lá para outubro, novembro. A data vai ser verificada de acordo com o andamento da pandemia — disse o ministro nesta sexta-feira ao G1.

Mas o MEC destaca no ofício a que O GLOBO teve acesso nesta sexta que, além do Enem, metas relevantes, inclusive apontadas como prioridade pela presidência da República, estão em risco.

"Tais valores, caso sejam mantidos bloqueados ou cancelados, deixarão sem cobertura orçamentária diversas demandas essenciais à área da educação, além de novas demandas já iniciadas pela gestão atual, o que poderá comprometer o alcance de metas relevantes para as políticas educacionais do Governo e as prioritárias para a Presidência da República.

Bolsas podem não ser pagas

As 92.377 bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado deixarão de ser pagas a partir de novembro. O MEC pede o desbloqueio de R$ 266,5 milhões, além de uma verba adicional de R$ 121,5 milhões, para garantir a manutenção de 3,7 mil programas de pós-graduação ofertados por mais de 280 instituições de ensino em todo o país.

Pesquisas relacionadas ao enfrentamento da pandemia de Covid-19 estão entre os projetos atingidos. "Entre o total de bolsas, cabe destacar a interrupção do pagamento de 795 bolsistas vinculados a 109 projetos de combate à Covid-19, com o envolvimento de 1.280 pesquisadores", aponta o ofício.

Exibida pelo governo Bolsonaro como prioridade, a área da educação básica também sofrerá prejuízos. O MEC alerta que, com os recursos hoje disponíveis, será suspenso o pagamento de todos os 34.651 bolsistas de formação de professores da educação básica, incluindo alunos de licenciaturas, professores, coordenadores e equipes interdisciplinares.

No programa de residência pedagógica, também voltada para a melhoria da formação de professores do ensino básico, 34.302 bolsistas serão afetados. Cerca de 21 mil professores de outros dois programas na mesma linha também terão suas bolsas cortadas. Para garantir os programas de formação de docentes, o MEC pede R$ 250 milhões.

O Programa Nacional do Livro e do Material Didático, que garante obras pedagógicas, literárias e didáticas para os alunos da rede pública, tem situação dramática. O MEC descreve que, com todas as reduções possíveis, serão necessários R$ 3 bilhões no total. E pede o desbloqueio de R$ 428,7 milhões mais uma suplementação orçamentária de R$ 625,7 milhões. Os impactos, segundo a pasta, "são a ausência, ou mesmo insuficiência, do atendimento de estudantes matriculados na educação básica do ensino público".

Risco de processos e de reembolso a parceiros

Gargalo da educação no Brasil, o ensino médio também sofrerá prejuízos. O ofício aponta um déficit de R$ 344,3 milhões para o Programa de Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral em 2021, que envolve 1.439 escolas e mais de 312 mil alunos atendidos.

A interrupção da iniciativa, segundo o governo, poderá acarretar demandas judiciais e até obrigação de reembolsar parceiros no projeto, como o Banco Mundial, que tem acordo de empréstimo com o Brasil de US$ 250 milhões para apoiar a reforma do ensino médio.

As "possíveis judicializações" viriam por parte dos estados e do Distrito Federal, que fazem investimentos na rede de educação contando com o apoio do programa federal, aponta o ofício.

O documento detalha ainda que, se o programa não for efetivado em 2021, a "avaliação de risco fiduciária" no âmbito da parceria com o Banco Mundial ficará ainda mais grave, lembrando que metas estipuladas no acordo já não foram alcançadas nos exercícios anteriores (2018, 2019 e 2020). "Diante disso, o Banco poderá avaliar e adotar algumas medidas", como cancelamento ou suspensão da parceria, além do reembolso, aponta o ofício.

Até o Programa Nacional das Escolas de Gestão Cívico-Militar, controversa vitrine que o governo federal tenta tirar do papel, está prejudicada. Segundo o MEC, é necessária a recomposição de R$ 1,6 milhão para "cumprir com atividades essenciais ao desenvolvimento do programa".

Recurso para a Empresa de Serviços Hospitalares

O Ministério da Educação tem um orçamento total de R$ 124 bilhões. Essa conta inclui, porém, uma série de gastos obrigatórios, como pagamento de salários e transferências intergovernamentais. Gastos importantes como os da realização do Enem e o pagamento de bolsas são considerados não obrigatórios (discricionários). O orçamento discricionário do MEC neste ano é de R$ 11,6 bilhões, dos quais R$ 2,7 bilhões estão bloqueados por restrições fiscais.

O ministro Milton Ribeiro, em outro ofício, também pediu recursos para a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, uma estatal responsável por prestar serviços gratuitos de assistência médico-hospitalar e apoio às instituições públicas federais de ensino. Ribeiro quer a recomposição de R$ 47,3 milhões de recursos da estatal e R$ 75,6 milhões em crédito extra para “atender as despesas de enfrentamento à pandemia de Covid-19”.