RIO - O Ministério da Educação divulgou nesta quinta-feira a versão final da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da educação infantil e do ensino fundamental. O documento, que traz referências para nortear o currículo da educação básica brasileira, foi entregue ao Conselho Nacional de Educação para avaliação e, posteriormente, deverá ser homologado pelo ministro da Educação, Mendonça Filho.
De acordo com o novo documento, crianças serão que ser alfabetizadas mais cedo, agora no 2º e não mais no 3º ano. Língua inglesa passa a ser também idioma obrigatório nas escolas. Entenda todas as mudanças.
Especialistas ouvidos pelo GLOBO elogiaram o modelo enviado pelo Ministério da Educação, mas alertaram para a falta de estrutura do sistema público para colocar em prática o que prevê a BNCC. Educadores também chamam atenção para o fato de que as escolas não devem "engessar" o currículo com uma interpretação literal do texto.
A Base estabelece, entre outros pontos, objetivos e direitos de aprendizagem dos alunos. O trecho mais aguardado da Base, que traz as referências para o ensino médio, ainda não foi concluído pelo ministério. O capítulo será fundamental para colocar em prática a reforma na etapa, sancionada pelo presidente Michel Temer em fevereiro.
- Do ponto de vista da qualidade, o documento está de acordo com o padrão internacional. Há coerência na estrutura, clareza de linguagem, além de uma progressão clara ao longo das etapas. É uma base ambiciosa. O Brasil precisava de um documento como esse, que regula o aprendizado de uma maneira mínima - aponta a especialista em currículo, Ilona Becskehazy, apontando que, no entanto, ainda falta estrutura nas escolas. - Para atender ao que está na base é preciso, por exemplo, de um acervo de livros. Está na hora de o brasileiro chegar à escola e ter uma biblioteca séria. Em geral, as escolas têm sala de leitura, mas não é suficiente, não há esquema de empréstimo.
A Base traz elementos que podem parecer "ousados" quando confrontados com a realidade das escolas brasileiras. No tópico de Educação Física, por exemplo, sugere que as escolas trabalhem lutas brasileiras e de outros lugares do mundo com os alunos, além de danças locais e internacionais, esportes com rede e até esportes com taco. Dados do Censo Escolar, divulgados pelo MEC, mostram, no entanto, que 64,5% das escolas dos anos iniciais do ensino fundamental não dispõem sequer de quadra para prática esportiva. Nos anos finais, o índice é de 39,6%. Para Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos Pela Educação, a BNCC é uma peça fundamental para a melhoria da educação brasileira, mas não pode mudar tudo sozinha.
- A BNCC precisa ser entendida como uma base de uma engrenagem muito maior. Ela não é a solução, mas é uma peça essencial. Vamos ter que investir em outras áreas, como a formação dos professores, para dar a eles ferramentas para desenvolvê-la. Hoje temos pouquíssima estrutura, temos escolas sem quadra esportiva. A Base vai apontar de forma mais clara o que os alunos têm direito de aprender e o poder público terá que sustentar isso de uma maneira mais forte.
A Base é composta de referências para que cada escola construa seu próprio currículo. Assim, as unidades poderão decidir junto com a comunidade escolar de que maneira irão abordar os tópicos citados no documento. Priscila afirma que as instituições de ensino não devem encarar o que está escrito no texto como uma receita a ser seguida, mas sim como uma direção:
- Há várias habilidades que podem ser trabalhadas com teatro, danças e lutas locais. Isso pode ser feito de várias maneiras. A escola pode, por exemplo, realizar um festival de danças típicas e trabalhar o tópico por aí. Não podemos engessar o currículos escolares com leitura literal da Base Comum. Ela é uma referência. Para orientar o trabalho de desenvolvimento curricular do professor, para avaliação e formação de professores.
PREPARAÇÃO PARA O ENSINO MÉDIO
Embora não tenha sido divulgado o trecho referente ao ensino médio, as competências do ensino fundamental e até mesmo as habilidades desenvolvidas na educação infantil podem ajudar a nortear a trajetória do estudante.
No 9º ano do ensino fundamental, última série antes de o aluno ingressar no ensino médio, os parâmetros instituídos para leitura, na área de Língua Portuguesa, podem ser peças-chave para melhorar o desempenho do estudante quando ele chega à etapa seguinte. Entre outras habilidades, um dos pontos trazidos pela Base é que nesta série o jovem seja capaz de "inferir informação pressuposta ou subentendida, com base na compreensão do texto". Traz ainda outras habilidades como "analisar organização textual de argumentos e contra-argumentos em texto" que se desenvolvidas adequadamente até o fim desta etapa podem evitar percalços mais adiante, não só em Língua Portuguesa, mas nas demais disciplinas.
- Em sala de aula, a matéria-prima para Língua Portuguesa são os textos e sua riqueza e complexidade, as características de vocabulário. Então, o que está proposto no 9º ano resolve o problema - diz Ilona.
A Base deixa expressa a intenção de desenvolver uma educação integral no que diz respeito não ao turno de trabalho, mas aos aspectos desenvolvidos na formação do estudante. Dessa forma, ao longo dos anos a escola deve estimular habilidades socioemocionais como autonomia, proatividade, espírito crítico, entre outras.
Na opinião do diretor de articulação e inovação do Instituto Ayrton Senna, Mozart Neves Ramos, adquirir tais características fará com que o aluno fique melhor preparado para o ensino médio.
- O documento dá mais cores à importância da educação integral quando explicita de forma clara as diretrizes que podem ajudar a trazer para sala de aula criatividade, colaboração, senso estético. Dá uma orientação muito importante sobre qual educação estamos nos referindo. Uma educação para alunos do século XXI e não mais voltada para passado - afirma. - Se nos anos finais começarmos a desenvolver certas habilidades como abertura ao novo, ao protagonismo, para que o aluno ganhe autonomia e confiança, quando a transição for feita para o ensino médio ele estará emocionalmente e socialmente preparado.
EDUCAÇÃO INFANTIL
Historicamente, a educação infantil ainda não havia sido tratada de maneira organizada. De modo que as orientações da base são vistas como um divisor de águas. O texto traz uma divisão por faixa etária e, em meio a seis "direitos de aprendizagem", cita pontos como " conviver com outras crianças e adultos, em pequenos e grandes grupos, utilizando diferentes linguagens"; "explorar movimentos, gestos, sons, formas, texturas, cores, palavras, emoções". Educadores apontam, porém, alguns pontos sensíveis.
- Há diretrizes sobre alfabetização que estão nos primeiros anos do fundamental, mas deveriam estar na educação infantil. É um bloco que traz habilidades que devem ser desenvolvidas em crianças de 4 ou 5 anos, como reconhecer as letras do alfabeto e diferenciá-las - relata Ilona.
Por outro lado, alguns educadores temem que as escolas tentem a qualquer custo acelerar o desenvolvimento das crianças para atender ao que é sugerido pela Base:
- A educação infantil ainda é uma etapa sensível e suscita muito debate. Então como o documento coloca de maneira clara a necessidade de imprimir intencionalidade na educação infantil, é necessário um cuidado. Essa intencionalidade tem que saber respeitar o ritmo da criança e permitir que uma criança com dificuldade possa se desenvolver no tempo.