A troca no comando do MEC (Ministério da Educação) pode tirar a pasta do centro de polêmicas, movimento provocado pela postura do ministro Abraham Weintraub, mas não há perspectiva de alterações na influência ideológica no órgão.
A ala mais ideológica dentro do governo Jair Bolsonaro, com apoio dos filhos do presidente, foi a maior responsável pela chegada de Weintraub ao MEC. Ele assumiu o cargo em abril de 2019, após demissão de Ricardo Vélez Rodríguez.
Foi exatamente a disposição de Weintraub de manter um papel ativo na chamada "guerra cultural", com acenos estratégicos à militância de direita mais fiel ao presidente, o principal motivo de sua permanência no MEC até agora.
Weintraub foi mantido no cargo por Bolsonaro mesmo com sua relação com o Congresso em ruínas e com uma oposição crescente a seu nome entre os militares.
O próprio deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente e com influência nos rumos da pasta, ressaltou a importância de Weintraub nessa guerra cultural, em conversa com ele pelas redes sociais.
Bolsonaro não queria tirar Weintraub, mas a última provocação do ministro da Educação contra o STF (Supremo Tribunal Federal) teve impacto irreversível para forçar sua saída.
À frente do MEC, Weintraub forjou uma persona agressiva e de alto teor ideológico. Isso ocorreu em detrimento da construção de uma líderança nacional comprometida com os rumos da educação, papel esperado para o Ministério da Educação.
Há precariedade no diálogo com secretários de Educação e o MEC foi ausente, por exemplo, da discussão legislativa mais importante sobre o tema, que é a renovação do Fundeb (principal mecanismo de financiamento à educação básica).
Segundo pessoas próximas ao MEC, no entanto, o único pressuposto para ocupar a pasta, na visão de Bolsonaro e de seu núcleo, é um alinhamento de discurso.
O andamento das políticas de educação nunca esteve entre as principais preocupações do presidente, inclusive nas discussões para sucessão de Weintraub. Dessa forma, não é esperada qualquer mudança no caráter ideológico da pasta, mesmo que o novo ministro tenha perfil mais suave do que o de Weintraub.
Devem continuar uma associação dos resultados negativos da educação à políticas de esquerda, o que não tem comprovação, e discursos e projetos relacionados ao movimento Escola Sem Partido. A própria visão da educação apenas como instrução, sem levar em conta uma formação ampla, também será mantida.
No ano passado, por exemplo, o governo criou uma comissão para fazer um pente fino ideológico nas questões do Enem. O resultado nunca foi apresentado, mas a edição de 2019 do exame foi marcada pela ausência inédita de pergutnas sobre a ditadura militar (1964-1985) no país —Bolsonaro é defensor do regime e já elogiou torturadores.
O presidente também tem sofrido pressões para manter a ala ideológica à frente do MEC. Esse foi um dos motivos para que o nome do secretário de Alfabetização, Carlos Nadalim, passase a ser apontado como substituto mais forte.
A equipe do MEC passou por diversas alterações durante o mandato de Weintraub, mas o único nome mantido dentro do ministério foi o de Nadalim, indicação do escritor Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo.
De perfil tímido e discreto, não estaria totalmente disposto a assumir a pasta, apesar da campanha. Nadalim, entretanto, não sai da pasta independentemente de quem seja o ministro, dizem nos bastidores.
Segundo interlocutores, ele apostou na indicação da secretária de Educação Básica do MEC, Ilona Becskeházy, para o lugar de Weintraub. O que também não tem muita possibilidade de acontecer.
Doutora em educação e consultora experiente do tema, Ilona era desde o ano passado uma das poucas pessoas envolvidas em educação a defender a gestão de Weintraub, sobretudo com relação à nova política de alfabetização.
Com isso, passou a ser seguida e elogiada por entusiastas de Olavo de Carvalho e, em abril deste ano, foi anunciada para o cargo.
Weintraub ainda esteve cercado de nomes próximos de olavistas ou dos filhos do presidente, como os assessores Sergio Sant'Anna e Victor Metta.
Até mesmo a última derrota de Weintraub no Congresso, com a devolução de uma MP (medida provisória) sobre nomeação de reitores das federais sem eleição, foi vista por interlocutores como um movimento ensaiado do governo.
A derrota era certa, uma vez que outras duas MPs de Weintraub já haviam caducado. Mesmo assim, o tema foi levado a diante, como uma espécie de teste de limites, na avaliação de interlocutores do ministro e integrantes da pasta.
As universidades federais são vítimas frequentes de ataques de Weintraub. O ministro associa as instituições a um suposto domínio da esquerda, ao desperdício de dinheiro público, uso de drogas e ainda se esforça para desmerecer o movimento estudantil.
Enquanto enfrenta consequências de declarações contra o STF e contra chineses, em caso de suposto racismo, Weintraub mantém as sequências de agressões a adversários políticos de Bolsonaro.
O alvo predileto mais recente é o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
O deputado Idilvan Alencar (PDT-CE) vê o momento com pessimismo porque, segundo ele, não há no entorno do presidente pessoas ligadas à educação.
"Temos duas questões urgentes, que é o financiamento da educação, com o Fundeb, e a educação em tempos de pandemia. Mais do que nunca precisávamos de um ministro que conhecesse a pauta, mas o que há é muita apreensão", diz ele, ex-secretário de Educação do Ceará e ex-presidente do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação).
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