Brasil Educação

MEC desiste de avaliar nível de alfabetização de crianças aos 7 anos

Avaliação só será retomada em 2021
Fique atento às datas das matrículas nas escolas das redes municipal e estadual Foto: Divulgação
Fique atento às datas das matrículas nas escolas das redes municipal e estadual Foto: Divulgação

RIO - O Ministério da Educação (MEC) decidiu não avaliar, nos próximos dois anos, o nível de alfabetização das crianças brasileiras, contrariando o que havia sido anunciado em 26 de dezembro, no governo anterior. No ano passado, a gestão Michel Temer afirmou que passaria a verificar a alfabetização mais cedo, aos 7 anos de idade (2º ano do ensino fundamental) — antes ela era feita ao fim do 3º ano, quando a criança deveria ter 8 anos—, em uma prova que seria feita em outubro de 2019. No entanto, uma portaria publicada nesta segunda-feira, dia 25, no Diário Oficial da União, exclui as crianças de 7 anos das provas nacionais. Elas também não farão os exames de Matemática. A avaliação só será retomada em 2021.

(Atualização às 8h16 de 26-03-2019: Um dia após publicar essa decisão, o governo revogou a portaria, com nova publicação no Diário Oficial. Confira aqui )

Para educadores, o adiamento pode ter como pano de fundo uma dificuldade de aliar o decreto de alfabetização que será publicado pelo governo às matrizes previstas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Há inclusive o receio de que o MEC queira rever a BNCC, aprovada em 2017.

A portaria é assinada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do MEC responsável pelos exames, que fazem parte do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).  Em comunicado à imprensa, o instituto afirma que ao adiar a avaliação atendeu a um pedido da Secretaria de Alfabetização do MEC, que quer esperar que todo o país implemente a nova Base Nacional Comum Curricular e se ajuste às políticas de alfabetização propostas pelo governo antes de aferir o nível dos estudantes.

Mais da metade dos alunos do 3º ano do ensino fundamental tem nível insuficiente em provas de leitura e matemática, o que significa que esses estudantes podem não conseguir, por exemplo, identificar a finalidade de um texto ou localizar uma informação explícita nele. A mudança na data da avaliação chama a atenção também porque a alfabetização foi anunciada como uma das principais metas do governo na área da Educação nos 100 primeiros dias de gestão. Sem avaliação neste ano, perde-se a possibilidade de comparação para saber se as crianças estão melhorando ou piorando. A alfabetização havia sido medida em 2013, 2014 e 2016. Prevista inicialmente para ser uma análise anual, a Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), no entanto, não cristalizou sua periodicidade. Em 2015, a ANA não aconteceu devido à contenção de recursos. Em 2017 também não foi feita, assim como em 2018, quando o então ministro da Educação, Rossieli Soares, anunciou que ela seria adiada para este ano para atender à nova matriz proposta pela BNCC.

Estão mantidas as avaliações para os estudantes do fim dos ciclos do ensino fundamental, isto é, do 5º ano e 9º ano; e do ensino médio, no 3º ano. No entanto, a prova de Ciências da Natureza e Ciências Humanas, que seria aplicada de maneira amostral também em escolas privadas, agora avaliará somente as escolas públicas. A avaliação da educação infantil, que havia sido anunciada no ano passado, também será diferente. Antes, profissionais e gestores de todas as escolas públicas responderiam a questionários. Agora, isso será por amostra e como "estudo-piloto".

O Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) existe desde os anos 1990 no Brasil e aplica testes de Português e Matemática. É a partir desses resultados que o MEC calcula o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), hoje considerado o grande indicador de qualidade do ensino no país.

O educador João Batista Oliveira afirma que o adiamento da avaliação só se justifica caso o governo reveja os parâmetros da análise que é feita para medir a alfabetização.

— A questão é se esse adiamento vai proporcionar um teste de alfabetização cientificamente defensável ou não, é a única justificativa plausível para deter o governo de avaliar se uma criança está sabendo ler e escrever —  afirma Oliveira, criticando o modelo atual: — O problema do teste atual é que ele parte de uma matriz equivocada. Precisamos de um referencial que considere aspectos como quais as palavras conhecidas dos alunos em determinado tempo, se ele sabe fazer inversão silábica, entre outros pontos.

O pano de fundo por trás da decisão que adiou a avaliação é o que preocupa educadores. Presidente da Associação Brasileira de Alfabetização, Isabel Frade afirma que um descompasso entre a política do governo para a área e o que a BNCC prevê em seu texto pode ter levado o Inep a deixar para 2021 a análise. Na opinião dela, uma tentativa de alterar o documento que traz as diretrizes para educação básica seria mais preocupante que o adiamento em si.

— A suspensão da avaliação pode ser um sintoma de uma questão mais ampla. A relação entre a BNCC, a matriz de avaliação e as novas orientações do governo Bolsonaro podem ser ações que não estão se encontrando. O Inep pode ter recuado devido a esse contexto. O governo também pode estar pensando em uma nova proposta para a Base, que atenda a seus anseios sobre a alfabetização — analisa Frade, que é pesquisadora do Centro de Alfabetização Leitura e Escrita (Ceale), referência na área.

O que muda

Portaria publicada nesta segunda-feira alterou as regras do Saeb 2019 editadas em dezembro. Veja as principais modificações:


Sai a alfabetização: Alunos do 2º ano seriam avaliados com provas de língua portuguesa e matemática, por amostra. Não haverá mais avaliação para essa etapa escolar.


Ensino infantil por amostra: A avaliação do ensino infantil englobaria todas as escolas públicas, sem testes para os alunos, mas sim questionários para os profissionais e gestores. Agora, será por amostra e como "estudo-piloto".


Provas de Ciências da Natureza e Humanas só para públicas:
Uma amostra de estudantes do 9º ano do ensino fundamental, inclusive de escolas particulares, seria avaliada. Nas novas regras, as provas de Ciências vão ser aplicadas apenas a uma amostra de escolas públicas.