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Brasil

MEC ainda não gastou nada de R$ 1,22 bi que tem para estruturar escolas para a volta das aulas presenciais, diz relatório

Documento de comissão externa de acompanhamento do Ministério da Educação, que será apresentado nesta quarta-feira, afirma que recurso também poderia ser usado para conectividade de alunos
Reforma da Escola Municipal Adalgisa Nery, em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio Foto: Agência O Globo
Reforma da Escola Municipal Adalgisa Nery, em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio Foto: Agência O Globo

RIO - Um relatório da Comissão Externa de acompanhamento do Ministério da Educação (Comex/MEC), obtido com exclusividade pelo GLOBO, mostra que, até 15 de junho, a pasta não havia pago um centavo sequer do R$ 1,2 bilhão disponível para infraestrutura da educação básica. Os recursos deveriam ser empregados para, por exemplo, preparar escolas para uma volta às aulas segura.

O relatório, que será apresentando nesta quarta-feira na Comissão de Educação da Câmara, foi construído a partir de atividades de acompanhamento da pasta e da análise de 17 requerimentos de informação. O documento faz quatro recomendações ao MEC e duas à Câmara e leva em consideração dados orçamentários colhidos pelo analistas legislativos até 15 de junho.

— Precisamos urgentemente da volta às aulas e eu defendo isso com muita contundência, só que é preciso preparar as escolas para isso. O que está sendo feito pelo MEC? Nada — criticou o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), coordenador da Comissão. —Fizeram o plano de biossegurança, mas não ajudaram as escolas a fazer o que precisava ser feito.

Veja os valores Foto: Editoria de arte
Veja os valores Foto: Editoria de arte

De acordo com o texto, a ação, chamada Apoio à Infraestrutura para Educação Básica, tem sido desidratada desde 2019, quando apenas 1,83% dos R$ 2,7 bilhões da dotação inicial foi pago. Em 2020, o índice subiu, mas a pasta desembolsou de fato apenas 10% do R$ 1,1 bilhão disponível.

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— A baixa execução dessa ação é a mais preocupante porque o momento é de adaptação dos espaços escolares — diz Lucas Hoogerbrugge, gerente de Estratégia Política no Todos Pela Educação.

Assim como os recursos destinados à infraestrutura, também caíram os valores para o programa Apoio ao Desenvolvimento da Educação Básica. Em 2020, a dotação inicial era de R$696 milhões, dos quais apenas 38,2% foram efetivamente pagos. Neste ano, o valor caiu para R$526 milhões e nada foi pago até junho.

— Com essa ação, o governo paga os programas para induzir políticas públicas mais estruturantes, como o Novo Ensino Médio. A execução baixa dela mostra que essas questões estão estagnadas — explica Lucas Hoogerbrugge.

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Além da falta de aplicação de recursos para melhorar as estruturas que já existem, o relatório da Câmara cita como entrave para a volta presencial às aulas com segurança a paralisação de obras em escolas e creches. De acordo com dados apresentados no relatório, até maio desse ano, 4.739 obras em escolas e creches não tinham sido concluídas, o que correspondia a 30,8% do total. Dessas, 2.653 tinham sido canceladas, 1525 estavam inacabadas e 561 paralisadas.

“Atrasos e paralisações na construção de escolas e creches, além de grave sintoma de dispêndio de dinheiro público, também é empecilho para a retomada segura das aulas presencias em estados e municípios. Com a inauguração de novas escolas e creches, seria possível realizar uma maior descentralização de matrículas e, com isso, diminuiria-se as superlotações de estudantes nas salas de aula, facilitando assim medidas de distanciamento social e rodízio de alunos nos dias letivos", diz o documento.

Falta de Conectividade

A falta de soluções para o retorno presencial dos alunos também se estende à garantia ao acesso remoto de qualidade. O relatório cita o fato de a pasta não ter adaptado o projeto Educação Conectada, que prevê fornecimento de internet banda larga nas escolas, para disponibilizar internet aos estudantes que estão no ensino remoto. De acordo com os deputados, “os esforços do Ministério da Educação para resolver o problema de acesso à conectividade de estudantes e professores foram ínfimos”.

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— Se a gente tivesse uma coordenação nacional de volta às aulas e recuperação da aprendizagem, teria desde o ano passado, um grande apoio à conectividade dos alunos para eles não precisarem perder aulas remotas — analisa Rigoni.

Filha do meio de uma família de agricultores de Quixaba, no sertão pernambucano, Estefanne Teotônio, 17 anos, só conseguiu um celular para estudar neste ano. Em 2020, durante todo o 2º ano do ensino médio, ela fez o ensino remoto apenas com apostilas, sem contato com os professores.

— A escola se esforçava, mas era muito difícil. Minha família fez um esforço, usamos o auxílio universitário que meu irmão ganha, e conseguimos comprar um nesse ano. Agora, tenho aulas ao vivo toda a manhã — conta a jovem, aluna da rede estadual, que vai tentar Direito no Enem desse ano.

Para a deputada Tabata Amaral (PDT-SP), além de não agir para minimizar os impactos da pandemia na educação, o governo ainda atrapalha os projetos tocados pela Câmara dos Deputados. Segundo ela, devido à falta de ação do ministro, o MEC é alvo de cortes constantes de orçamento.

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—Ao invés de andar para frente ou ficar como estava, a gente anda para trás no momento mais difícil. Como o MEC não executa o dinheiro que tem na conta, acaba perdendo recurso em cada votação que tem sobre orçamento — afirma Tabata Amaral.

Ontem, o presidente Jair Bolsonaro acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a constitucionalidade da lei que garantia conectividade para 18 milhões de alunos .

A ineficiência em garantir o acesso dos estudantes ao ensino remoto também chega à Educação Superior. O relatório afirma que o programa do MEC “Alunos Conectados”, lançado para fornecer chips com conexão à internet para universitários não teve abrangência completa. O programa, lançado em agosto de 2020, previa o fornecimento de 424.025 chips para alunos de renda familiar per capita de até meio salário mínimo, mas até junho foram entregues pelo MEC apenas 143.855, cerca de 35% do previsto.

De acordo com a Comex, em resposta a requerimentos feitos pelo grupo o MEC afirmou que não tem previsão de expansão do orçamento para atender ao programa.

O ministério foi procurado, mas não respondeu a reportagem.