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Por Lucas Altino e Carla Rocha


Armas que a polícia apreendeu após o ataque: revólver calibre 18, suas armas brancas e uma espécie de bomba caseira — Foto: Divulgação/Polícia Militar da Bahia
Armas que a polícia apreendeu após o ataque: revólver calibre 18, suas armas brancas e uma espécie de bomba caseira — Foto: Divulgação/Polícia Militar da Bahia

As informações iniciais sobre o autor do ataque em uma escola na Bahia, que vitimou uma cadeirante de 19 anos, são comuns a um perfil clássico de autores de ataques em escolas, explicam especialistas do tema. Geralmente, são homens, brancos, que desenvolvem uma masculinidade tóxica, o que pode se traduzir de várias formas, como gosto por armas e pela violência, e uma vontade de deixar uma “marca” no mundo, usualmente fruto de um crescente sentimento de ódio ou de eventos traumáticos que gerem frustração. Eles também podem carregar episódios de violência doméstica e ausência de perspectiva para prosperar na vida profissional e pessoal no futuro.

Jovem invade escola e mata estudante cadeirante na Bahia

Jovem invade escola e mata estudante cadeirante na Bahia

O jovem de 14 anos também possuía perfis na deep web com compartilhamento de conteúdos extremistas e violentos, outro traço comum. Em uma comunidade, ele postou, inclusive, o plano de massacre na unidade de ensino, poucas horas antes do ataque. Além disso, em muitos desses casos existe diagnóstico de distúrbios psiquiátricos, o que pode ser acentuado por causa de bullying ou algum tipo de isolamento no ambiente escolar.

— É preciso sempre ir atrás do aluno. Escutar e acolher, mesmo se estiver falando besteiras. Esses jovens costumam dizer que não são levados a sério, então se farão ouvidos — explica Telma Vinha, professora da Faculdade de Educação da Unicamp, e que faz parte da Rede Nacional de Pesquisa Sobre Militarização na Educação. — As escolas militarizadas fazem o contrário. Quem não se adequa, é convidado a se retirar.

'Câmaras de eco'

Isolados, Vinha diz que em muitos dos casos eles se encontram justamente em grupos extremistas da “deep web”, onde são apresentado a discursos de ódio, e que acabam funcionando como “câmaras de eco”, ou seja, locais em que ele são ouvidos. E a evasão escolar, outro fator comum nesses casos, acaba contribuindo para que esses rapazes se engajem ainda mais nos grupos extremistas. Um estudo realizado no Ceará em 2017, por exemplo, mostrou que 60% dos jovens assassinados (em qualquer tipo de situação) haviam deixado a escola ao menos seis meses antes da morte.

Já outro estudo, dos EUA, em 2011, mostrou que em 87% desses ataques, havia um desejo de vingança pois os autores sofreram bullying no passado.

— Esses ataques raramente são impulsivos, costuma ter um planejamento meticuloso. E até avisar nas redes sociais antes (outro ponto em comum com o caso de ontem) — diz a especialista, que critica o aumento do acesso às armas no país, num contexto de flexibilização das autorizações por parte do governo federal.

A professora Luciene Tognetta, do Departamento de Psicologia da Educação da Unesp, explicou que, para prevenir casos de violência nas escolas, é necessária a estruturação de um programa de convivência prévio e contínuo. Segundo ela, as escolas cívico-militares não possuem essa diretriz, portanto não seriam as unidades mais adequadas para lidar com a questão.

—A prevenção não pode acontecer só quando existem problemas. É necessário um planejamento estruturado, que vise à transformação da escola numa comunidade que utilize linguagem não violenta, sanções que não sejam punitivas, mas que permitam a tomada de consciência, e trabalhe questões afetivas e formas mais assertivas de resolução de conflitos — explicou Tognetta, que destacou necessidade de políticas públicas para formação de professores que saibam lidar com questão de violência. — Ciência provou que a formação moral do jovem não é fruto da obediência que vemos nas escolas cívico-militares.

Violência nas redes

A Polícia Civil disse que, a princípio, o rapaz agiu sozinho e havia anunciado o ataque em redes sociais “de forma cifrada”. Embora estivesse matriculado na escola, não frequentava as aulas.

Em uma postagem na "deep web", ele teria postado o plano de massacre na unidade de ensino. Nesse perfil, o jovem se identificava como um "ser iluminado" cuja ira seria descarregada em "um ato sanguinolento".

“Irá acontecer daqui 4 horas e eu tô bem de boa. Estou tão calmo, nem parece que irei aparecer em todos os jornais”, escreveu. No domingo, chegou a debochar da escola: “Escola f..., nem tem câmeras”.

Nesse perfil, o jovem se identificava como um “ser iluminado” que iria descarregar sua ira em “um ato sanguinolento”. Ele ainda escreveu um manifesto de 29 páginas, investigado pela Polícia Civil. No texto, disse que outro jovem, que invadiu uma escola em Vitória no mês passado, com flechas, facas e bomba caseira, seria seu “professor”.

“A cada dia que vou à escola, sinto-me subjugado, se misturar com eles é nojento, é estupidamente grotesco, sinto ânsia de vômito quando um deles me tocam (sic). Sou puro em essência, mereço mais, sou sancto”, escreveu no Twitter.

— Ele queria ser “sancto”, que é quando o indivíduo realiza o massacre. Eles são glorificados dentro da comunidade de extremistas como heróis — diz a estudante de ciências políticas Michele Prado, que pesquisa movimentos extremistas, se referindo à True Crime Comunity, da qual o estudante fazia parte e onde ela localizou o perfil que repassou aos policiais da Bahia. — Ele usava o número 88 para se identificar, o que significa “Heil, Hitler”.

Expansão das escolas militarizadas no Brasil

A militarização das escolas começou antes do governo Bolsonaro. Mas o presidente lançou em 2019 o Programa Nacional das Escolas Cívico Militares, o que acelerou o processo, apontam especialistas.

Em 2018, o governo da Bahia e a União dos Municípios da Bahia (UMP), antes do projeto federal, assinaram um Termo de Acordo de Cooperação Técnica com a Polícia Militar do Estado visando à implementação do Sistema de Ensino dos Colégios da Polícia Militar da Bahia. Depois, o Conselho Estadual de Educação vetou a expansão, e o programa atingiu apenas 14 escolas estaduais, mas entre as municipais são mais de 100.

Em Barreiras, a militarização do Colégio Eurides Sant´Anna aconteceu após uma assembleia que reuniu pais, professores e representantes da PM. Como objetivo, o comando da polícia prometeu que o foco seria melhorar o rendimento escolar, o bem-estar da comunidade escolar, e a segurança pública.

Com a militarização em expansão no estado, o Ministério Público Federal da Bahia instaurou um inquérito para acompanhar as ações e, em junho passado, expediu recomendações ao governo pedindo diversos esclarecimentos e concluindo que o projeto “resulta em violações múltiplas a direitos fundamentais de crianças e adolescentes, especialmente os relacionados ao livre desenvolvimento da personalidade e ao direito à educação como instrumento emancipatório, num estado democrático e plural, sem potencial para a melhoria desejada do ensino”.

Em outros estados a medida também vem sendo contestada, como no Paraná, onde 10% das escolas foram militarizadas por decisão do governo e suscitou manifestação contrária do MP, e no Distrito Federal, onde um relatório da própria polícia mostrou aumento de ocorrências criminais no entorno e no interior de escolas que foram militarizadas.

— As escolas militarizadas não têm conseguido garantir nenhum fator que a polícia poderia alcançar. E também não consegue impedir ataques, como esse de ontem — afirma Catarina de Almeida Santos, professora da UNB e integrante da RePME. — Quando ataques acontecem em escola normal, a resposta fácil é que tem que militarizar. Mas se a escola já é militarizada vão falar o que? Mostra que as soluções não estão com polícia dentro da escola.

A pesquisadora diz que, além de não inibir problemas, escolar militarizadas podem contribuir para episódios de violência. Principalmente porque se baseiam em um sistema de controle e vigilância que afeta os jovens e geram situação de estresse.

— Se cria um ambiente violento na escola, que violenta individualidades, impede expressões naturais da juventude, impõe regras, enclausura as salas. Fica parecendo um aprisionamento, como se disciplina de quartel fosse educar alguém.

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