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Maria Alice Setubal: Volta às aulas para pais e filhos 

Ao assumirem que a responsabilidade pela educação é compartilhada, pais e escola criam uma relação que favorece a todos 

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Com o novo ano escolar iniciado neste mês vêm à tona os obstáculos enfrentados pela educação no país.

O início de um novo ciclo é sempre um bom momento para encarar os gargalos do ensino brasileiro —e eles não são poucos, como nos mostra o novo Censo Escolar, divulgado há pouco. 

Não pretendo, contudo, abordar esses dados, amplamente discutidos. Falo aqui de um outro ponto essencial: a relação entre famílias e escola. Afinal, a volta às aulas é um recomeço para estudantes e também para os pais.

Alunos do colégio estadual Milton Dortas, em São Paulo, que tem ótima colocação no Enem
Alunos do colégio estadual Milton Dortas, no interior do Sergipe, que tem ótima colocação no Enem - Folhapress

A participação ativa da família na vida escolar é essencial para a gestão democrática das instituições de ensino e influi até mesmo na obtenção de melhores resultados, como demonstra um relatório divulgado em 2016 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 

Nesse cenário, as desigualdades também impactam diretamente a relação dos pais com a escola.

A socióloga Annette Lareau afirma que, nos Estados Unidos, a classe social das famílias tem uma influência decisiva sobre a trajetória escolar de seus filhos, mesmo ao comparar somente alunos da rede pública. Isso se dá não por uma questão de valores familiares, mas pelo tipo de criação adotado e pela forma com que os pais se relacionam com as instituições de ensino.

Em suas pesquisas, Lareau constata que, embora a educação seja valorizada por todos, as medidas tomadas para buscar o sucesso acadêmico dos filhos variam de acordo com a renda familiar. 

Enquanto na classe média era incentivado o debate em casa, além da inclusão de atividades extracurriculares e vivências que cultivassem habilidades e repertórios capazes de gerar um olhar crítico, argumentação e escolha, os pais das classes mais baixas tendiam a valorizar mais a obediência, a convivência com a família estendida e o livre brincar. Embora essas atividades cultivem a autonomia e a criatividade, são menos valorizadas nas escolas.

A relação entre os pais e o colégio também diferia bastante. Os de classe média acreditavam ser de sua responsabilidade administrar a vida estudantil dos filhos, intervindo quando necessário junto à instituição. 

Já as famílias com menor renda atribuíam à escola esse papel. Segundo Lareau, ainda que razoável, essa atitude não é vantajosa. Os professores muitas vezes interpretavam a ausência dos pais como sinal de descaso.

Esse desencontro de expectativas acontece também no Brasil, como revelou a pesquisa “Família, Escola e Território Vulnerável”, realizada pelo Cenpec e pela Fundação Tide Setubal.

Famílias das camadas mais pobres tendem a conhecer pouco o funcionamento da escola—e seus esforços, em alguns casos ainda insuficientes, para contribuir com a educação dos filhos tornam-se invisíveis no universo escolar. Já os colégios e seus agentes sentem-se ignorados pelas famílias.

Na sociedade do conhecimento, a troca de informações entre escola e família é fundamental. Algumas práticas podem ajudar a efetivar essa aproximação. 

Um primeiro passo é facilitar a comunicação de pais e professores, algo que pode ser feito com o apoio de novas tecnologias, como grupos em redes sociais e aplicativos de celular. 

Ao convidar os pais para conversar, a escola transmite informações importantes e úteis, como explicações sobre o processo de aprendizagem, quais os resultados esperados e como a família pode apoiar os alunos em casa. 

Escolas que adotaram esses exemplos, como é o caso das instituições atendidas pelo Instituto Chapada de Educação e Pesquisa, demonstram bons resultados. 

Os educadores podem até mesmo ajudar as famílias a valorizar atividades extracurriculares ligadas a esporte, cultura e tecnologia, que desenvolvem competências importantes para a prática da cidadania e a participação na sociedade. 

Ao assumirem que a responsabilidade pela educação é compartilhada, pais e escola estabelecem uma relação de confiança e apoio mútuo, que favorece a todos.

MARIA ALICE SETUBAL, a Neca, é socióloga e educadora. Doutora em psicologia da educação, preside os conselhos da Fundação Tide Setubal e do Gife. Fundadora e membro do conselho do Cenpec, pesquisa educação, desigualdades e territórios vulneráveis 

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