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Maria Alice Setubal

Novas lentes para orientar as políticas de educação

Dados do Ideb devem ser observados à luz das desigualdades educacionais

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Maria Alice Setubal (Neca)

Doutora em psicologia da educação (PUC-SP), socióloga e presidente do Conselho da Fundação Tide Setubal

A complexidade do debate sobre a volta às aulas de forma presencial, somada aos resultados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), tem colocado a educação no foco da mídia e das redes sociais.

A situação do ensino remoto, imposto pelo isolamento social, nos leva a uma camada mais aprofundada de análise, que revela a precariedade social, traduzida em desigualdades educacionais gritantes. Alguns dados contribuem para essa interpretação, como o fato de 39% dos alunos das escolas públicas não terem em casa computador ou tablet, enquanto apenas 9% dos alunos das escolas particulares não possuem esses recursos (Cetic 2019).

A sociólogo e educadora Maria Alice Setubal, a Neca Setubal - Reinaldo Canato - 10.jun.19/Folhapress

O tempo de atividades dos estudantes durante esse período também é desigual. Dados da Rede de Pesquisa Solidária apontam que 4,3 milhões de alunos não brancos (pretos, pardos e indígenas) da rede pública ficaram sem atividade escolar em casa durante a pandemia. Enquanto isso, entre os estudantes brancos, o número foi de 1,5 milhão de estudantes sem atividades (quase três vezes menor).

Colocar outra lente para pensar nossa educação significa analisar os dados não apenas pela média dada pelo Ideb, mas sim observá-los à luz das desigualdades educacionais de modo a garantir que as condições de nível socioeconômico, raça e gênero não sejam definidoras do resultado escolar.

Equidade se faz dando mais a quem mais precisa, ou seja, melhores professores, materiais didáticos e infraestrutura escolar para as regiões periféricas dos centros urbanos —onde o contingente de população negra se faz mais presente— e da zona rural, que são as mais precárias e onde há a necessidade de um esforço maior para que os estudantes alcancem patamares adequados de aprendizagem.

Ao ressignificar nossas prioridades, podemos também pensar no engessamento e no conteudismo, como mencionou o reitor da Unicamp, Marcelo Knobel, referindo-se ao ensino superior. Colocação que me parece valer para a educação básica. É preciso pensar uma formação cidadã que dialogue com o contexto do mundo, como defendia Paulo Freire, trazendo para dentro da escola as questões e inovações da sociedade contemporânea e da realidade dos alunos. Uma educação capaz de desenvolver de forma mais contundente as habilidades de se expressar, dialogar, trabalhar em cooperação e colaboração, incentivando a busca por soluções criativas para as comunidades, e o respeito a cada um na sua singularidade, como sujeito de direitos e potencial criador de um espaço público democrático onde haja uma preocupação com a vida e o mundo comum.

Não se trata de começar do zero. A nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) explicita esses valores e competências. Também não se trata de escolher entre aprendizagem e cidadania, mas sim de agregar uma formação cidadã que prepare nossas crianças e jovens com um olhar sistêmico e holístico para viverem num mundo que leve em conta os territórios locais, nacionais e globais de forma interdependente.

Para isso, precisamos de lideranças que orientem, monitorem e persigam resultados concretos por meio de políticas públicas participativas e em parceria com a sociedade civil. No momento atual, o Ministério da Educação ainda não formulou uma política que dê conta de nossos desafios. No âmbito municipal, temos eleições em novembro e devemos cobrar dos candidatos soluções e políticas que integrem a participação dos cidadãos e tragam soluções de curto, médio e longo prazo, construindo uma sociedade que permita a todos uma participação plena na economia moderna —e, portanto, uma sociedade que enfrente suas desigualdades e o racismo estrutural brasileiro.

Assim como Miguilim, personagem de Guimarães Rosa que, ao colocar pela primeira vez seus óculos, exclamou: “o Mutum era bonito! Agora ele sabia”, portando novas lentes para as políticas públicas, especialmente na educação, devemos afirmar que vamos enfrentar nossas mazelas e construir uma sociedade de bem-estar com justiça e solidariedade.

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