Os últimos dias têm sido de intensas e novas descobertas para a transexual Sônia Sissy Kelly. Na última sexta-feira (19), aos 61 anos, ela dormiu pela primeira vez em uma casa totalmente sua. Natural de Aimorés, na região do Rio Doce, ela começou a se prostituir aos 18 anos e, aos 30, descobriu ser portadora do vírus HIV.
Em meio aos preparativos para o chá de panela da casa nova, que acontece no próximo domingo em uma quitinete alugada no centro da capital, Sônia compareceu neste sábado (20) à quarta Marcha Contra a LGBTfobia de Belo Horizonte.
Com ela, outras dezenas de pessoas, entre homossexuais, heterossexuais, transexuais, bissexuais e travestis uniram-se para clamar por mais amor e menos intolerância. Movimento enfatiza relatório da ONG Grupo Gay da Bahia, que apontou que, em 2016, 343 LGBT foram assassinados no Brasil. Minas é o quinto estado que mais matou esse público, totalizando 21 mortes.
A marcha se concentrou na praça Sete e, de lá, percorreu algumas ruas do centro de Belo Horizonte. Segundo uma das organizadoras do evento, a teóloga Ana Ester Pádua Freira, 37, membro da Igreja da Comunidade Metropolitana de Belo Horizonte (ICM-BH), conhecida por acolher o público LGBT, o evento é uma referência ao dia 17 de maio, marco na luta LGBT em todo o mundo.
“Em 17 de maio de 1990, a homossexualidade deixou de ser considerada doença ou perversão pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Por essa razão, além de enfatizar algo que, mesmo com uma determinação internacional, ainda é visto com olhos preconceituosos, queremos equidade de direitos. Queremos que a transexualidade também deixe de ser considerada doença. Chega de discriminação”, afirmou.
De acordo com o relatório apresentado pela ONG Grupo Gay da Bahia, associação de direitos humanos dos homossexuais, a cada 25 horas um LGBT é assassinado no país. Além disso, mais de 50% das mortes violentas de pessoas trans no mundo acontecem no Brasil.
Em meio as típicas buzinas de carros e gritos de ambulantes da praça Sete, o ator e educador Marcelo Oliveira, 47, também membro da ICM-BH, entoou no microfone versos que clamavam por mais amor e menos agressão na sociedade. Para Oliveira, discriminação só pode acabar com uma educação que dialoga. “Precisamos dar um basta nisso. A discriminação mata. Só tem matado. É muito importante que essa visibilidade aconteça. Precisamos falar sobre isso nas escolas. Só assim o preconceito pode acabar”, afirmou.
Enrolada em uma bandeira com as cores do arco-íris, a estudante Jussara Martins, 27, militante em Alfenas, no Sul de Minas, também compareceu à marcha e disse viver na pele a raiz do preconceito no Brasil. “Eu sou lésbica e negra. Já passei por situações em que fui humilhada em todos os aspectos. É necessário que unamos forças coletivas, independentemente da vertente em que nosso movimento esteja apoiado. Não podemos tolerar mais preconceito”, afirmou.
De mãos dadas com o namorado, o artista plástico Rodiney Nicomedes, 30, Rayan Pereira lamenta as dificuldades de aceitação pela sociedade. Aos 21 anos, o estudante já foi três vezes internado pela família por transtornos de depressão. Entre outras razões, não ter o apoio dos pais para viver da forma como deseja é um dos buracos mais fundos da sua história. “Eu queria estar casado aos 20 anos, mas não posso. Queria levar meu namorado para conhecer minha família, mas não posso. Não ser aceito dói. Ninguém merece isso”, desabafou.
Quem também esteve presente na marcha deste sábado foi o deputado estadual Nilmário Miranda (PT). Para o político, mesmo que não goste de política, a nova geração tem sido a mais engajada dos últimos tempos. “Eles podem não concordar com a política, podem não ter o desejo do fazer político, mas só de não se conformarem, de saírem para clamar por seus direitos, eles já estão sendo o mais político que uma geração pode ser”, afirmou.
Com uma figura da bíblia em mãos, a drag queen D’Champs, 27, membro da ICM-BH, acredita ser necessário combater a imagem de um Cristo preconceituoso pregada por muitos religiosos. “A bíblia é um livro que traz vida, mas, da forma como é anunciada por muitos, traz morte. Eu quero denunciar isso. Essa ideia de preconceito cristão vem destruindo lares e levando pessoas ao suicídio. Jesus escolhe a todos e é o mesmo para todos”, afirmou.
Antes de se despedir, a transexual Sônia Sissy Kelly lembrou que violência é semente para outros milhares de problemas em uma sociedade. Para ela, o princípio da paz é a tolerância, que deve ser semeada como um todo. “Nós só podemos dar aquilo do que recebemos. Infelizmente, por me tratarem com desprezo e brutalidade, também fiz muito isso com as pessoas. Rancor e angústia foram semeados em mim. Por me machucarem, tenho dificuldade de amar. Não façam isso com mais pessoas”, desabafa.
Participaram do ato deste sábado (20) artistas mineiros, a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Centro de Luta Livre Orientação Sexual de Minas Gerais (Cellos-MG), Cellos Contagem, Coletivo Mooca, Conlutas, Coletivo Vulva, Conselho Regional de Psicologia da 4ª região, Frente Autônoma LGBT, Igreja da Comunidade Metropolitana de Belo Horizonte (ICM-BH), Levante Popular da Juventude, Rede de Mulheres Lésbicas e Bissexuais de Minas Gerais, Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde de BH e Região (Sindeess), Transvet, o grupo UNA-se contra a LGBTfobia e UNA LGBT.