Por Iara Alves, g1 PB


Laís Aparecida ainda não consegue ler aos 7 anos de idade — Foto: Ozinete Almeida/Arquivo pessoal

“Era uma cidade muito engraçada, não tinha escola, só tinha praça”. Essa foi a forma que a mãe de Laís Aparecida, que aos 7 anos ainda não consegue juntar as letras, formar sílabas e ler palavras inteiras, encontrou para protestar contra a interdição da Escola Municipal Sandoval Rubens de Figueiredo, em Várzea, no Sertão da Paraíba. A unidade de ensino está fechada desde 2019 porque, após uma reforma, corre risco de desabar.

Além de Laís, a auxiliar de escritório Ozinete Almeida tem outra filha, de 11 anos, matriculada na mesma escola. Para ela, é impossível não comparar o começo da alfabetização das duas. Com aulas regulares, a mais velha lia e escrevia bem aos 7 anos.

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Mas com Laís é diferente. Agora, matriculada no 3º ano do ensino fundamental, ela não se recorda do que aprendeu no primeiro ano em que foi matriculada. A escola em que estuda, a única pública para alunos da idade dela na cidade, foi interditada porque corre o risco de desabar. Desde então, ela e outras centenas de crianças estudam em prédios da prefeitura.

A situação pirou ainda mais quando, em 2020, a pandemia de Covid-19 começou. Os laços com o ambiente escolar foram se rompendo cada vez mais rápido, mesmo que ela resista, persista e diga para a mãe que está aprendendo.

“Ela não reclama, ela pergunta onde irá estudar [sem informações sobre em que local as aulas devem acontecer e por ficar sabendo que colegas vão estudar em um município]”, contou a mãe sobre Laís.

Prédio de escola municipal em Várzea, PB, está interditado há 3 anos — Foto: Ozinete Almeida/Arquivo pessoal

Ainda em 2020, primeiro ano da pandemia, Laís passou a estudar de casa. A mãe buscava as atividades da semana na sede da secretaria de educação ou na casa da professora. Depois de feitas, as fotos das tarefas concluídas eram enviadas para correção.

Já em 2021, a pequena passou a assistir algumas aulas, em tempo real, pela internet. Elas aconteciam duas vezes por semana, no turno da noite - quando os pais podiam auxiliar os filhos - e duravam cerca de uma hora. Nos outros dias, o sistema de atividades em casa com a correção por fotos era seguido.

No fim do ano passado, o ensino passou a ser híbrido. A garota e os colegas tinham dois dias de aulas presenciais, outros dois pela internet e um somente com as atividades de casa.

Várias crianças da cidade vivem a mesma realidade. Parte delas buscou outras opções e está vinculada com escolas particulares ou indo estudar no município vizinho, Santa Luzia. Mas não são todas as famílias que podem arcar com os custos de transporte nem da educação privada.

“É angustiante para mim, como mãe, conviver com tamanho descaso com os nossos filhos. Algumas mães relatam que tem criança que não sabe mais nem as letras”, lamentou Ozinete.

No Brasil inteiro a situação dos pequenos estudantes de Várzea parece familiar. Dados levantados pelo Todos pela Educação apontam que um aumento de 66,3% no total de crianças brasileiras que não sabem ler e escrever, segundo o relato dos pais ou responsáveis.

Eram 1,4 milhão de crianças com essa dificuldade em 2019 e 2,4 milhões em 2021. O percentual passou de 25,1% em 2019 para 40,8% em 2021.

Pais pedem informações sobre aulas

Pais protestam por informações sobre aulas em Várzea, PB — Foto: Ozinete Almeida/Arquivo pessoal

A incerteza reina na cidade até quando às informações básicas de quando as aulas começam e em que local vão ser ministradas. Por isso, os pais dos alunos fizeram um protesto, nesta segunda-feira (7), para reivindicar melhorias e um posicionamento da prefeitura.

Na praça, eles se reuniram junto com as crianças e, de forma pacífica, pediram apenas a garantia do direito básico e assegurado por lei que é a educação.

Pais protestam para saber local e data de voltas das no Sertão da Paraíba

Pais protestam para saber local e data de voltas das no Sertão da Paraíba

Durante a manifestação não houve um posicionamento municipal. Ao g1, o secretário de educação do município, José Amilton, disse que as aulas começariam nesta segunda-feira (7), mas como ele está em isolamento por causa da Covid-19 e "não houve tempo hábil para adequar um dos prédios onde irá funcionar", o início do ano letivo foi adiado para o próximo dia 14 de fevereiro.

Ele argumenta que as duas escolas públicas da cidade, estadual e municipal, estão interditadas e funcionam em prédios do município. Ele explica que as duas escolas foram interditadas na mesma semana, há três anos, e a audiência para resolver o problema está marcada para março.

Mesmo com o problema nos prédios, ele garante que as aulas vão acontecer no antigo prédio da Secretaria de Educação e no prédio da Agricultura Familiar, com oito salas de aula com no máximo 25 alunos por sala. Ele também reforçou que muitos municípios prorrogaram o início do ano letivo por causa do aumento dos casos de Covid-19. "Cobrar educação é um direito, mas que faça com argumentos sólidos", disse.

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