Direitos

Luta do MST por terra e educação já alfabetizou 100 mil brasileiros

Desde que foi criado, em 1984, o movimento luta pela reforma agrária e também por outros direitos

Arquivo / Brasil de Fato
Arquivo / Brasil de Fato
Agricultora: lições para leitura das letras, das ideias e do mundo

São Paulo – Em seus 37 anos de ação pela reforma agrária, o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) mostrou que a disputa pelo direito à terra requer a garantia de outros direitos, como a educação. Tanto é assim que desde sua criação, em 1984, o movimento já alfabetizou mais de 100 mil pessoas no Brasil. Ou seja, possibilitou a toda essa gente a leitura de palavras e mais: de ideias e do mundo.

O trabalho educativo no MST começou ainda na década de 1980 e 1990, quando surgiram as primeiras experiências com a Educação de Jovens e Adultos (EJA) em ocupações pelo país. Educadores incorporaram o método cubano “Sim, eu Posso”, criado em 1961, à educação popular baseada no legado de Paulo Freire.

Para o projeto pedagógico, desenvolvido entre 1991 e 1993, foi realizada parceria com o Instituto Cultural Francisco de Assis, o Ministério da Educação (MEC), a Caritas e a Ação de Educação Católica (AEC). Eram 100 turmas de alfabetização, em uma experiência que baseou a construção do projeto político pedagógico do MST e da EJA nos acampamentos e assentamentos.

Construção de mudanças

Com isso, o programa do MST permitiu, aos jovens, adultos e idosos, a construção de uma perspectiva de mudanças sociais. A alfabetização não era mais apenas o letramento, mas a escolaridade. Vieram então outras parcerias, inclusive com governos estaduais e a Universidade Federal de Sergipe.

Em 1997, o MST realizou o 1° Encontro Nacional dos Educadores e das Educadoras da Reforma Agrária (Enera), com intercâmbio das experiências de EJA nos diversos estados. E sua cobrança por políticas influiu na criação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), em 1998.

Desde então os movimentos sociais impulsionaram a alfabetização e a escolarização de jovens e adultos, a capacitação de educadores. Além disso, a realização de cursos de graduação e pós-graduação voltados aos trabalhadores e trabalhadoras ligados aos movimentos de luta pela reforma agrária no país.

“Esses 100 mil jovens, adultos e idosos alfabetizados no MST é de extrema importância”disse à RBA Lizandra Guedes, militante do MST dos setores de educação e gênero e coordenadora da Jornada de Alfabetização do Maranhão. “Primeiro porque representa um resgate da dignidade humana. Nós vivemos em uma sociedade letrada. Não saber ler e escrever implica em um conjunto de humilhações diárias impostas aos trabalhadores. Segundo que isso vai implicar em uma continuidade dos estudos. Alfabetizado, esse sujeito se encoraja a se aventurar em outras atividades, a seguir os seus estudos no ensino formal. Saber ler e escrever está em uma dimens˜ão muito específica de nós, como seres humanos.”

A militante lembrou um episódio, durante uma mobilização, em que um senhor se aproximou, dizendo: “Não tenho inveja de quem tem terra, quem tem carro. Eu tenho inveja de quem sabe ler e escrever”.

‘Então estarmos ali representava a retomada da sua dignidade e da sua própria história, já que o nosso método não é apenas de alfabetização das letras e sim de alfabetização política”, completou Lizandra.

Atentado aos direitos humanos

Na avaliação da integrante do MST, as campanhas promovidas pelo movimento sem-terra no campo educacional deveriam ser espalhadas maciçamente. O Brasil tem ainda entre 5% e 6% de sua população analfabeta. No campo, esse número beira os 12% da população. A maioria (20,7%) desses analfabetos é formada por negros. E 11% brancos.

“Um atentado aos direitos humanos. E também temos de olhar com cuidado para quem são, de fato, os analfabetos. Não se trata apenas de escrever o nome. Quando vamos ver o índice de analfabetismo funcional, esse número vai chegar a 29% da população de 15 a 64 anos que não sabe ler e escrever. É preciso então que nós façamos um grande movimento de superação do analfabetismo no país,. Os movimentos sociais têm grandes lições da experiência acumulada ao longo dos anos”, destaca a militante.

Lizandra citou como exemplo uma articulação recente, bem sucedida, com o governo do Maranhão, que tinha 20% da população total analfabeta. Em dois anos de jornada, com 1.200 educadores capacitados para o método, foi possível alfabetizar mais de 20 mil pessoas. “Trata-se de vontade política de mudar o país também pela educação. A educação não transforma o mundo. Transforma pessoas e pessoas mudam o mundo”, disse, citando Paulo Freire.

Mas nem tudo são flores, apesar de o projeto de educação do MST ser uma grande escola. A pedagogia da luta, coletiva e solidária, que forja consciências, flui em meio a dificuldades e desafios. As tão desejadas escolas não estão em todos os acampamentos e assentamentos. Para completar, há um movimento de extinção de escolas rurais.

Fechamento de escolas

Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), nos últimos 20 anos foram fechadas 80 mil escolas rurais, extinguindo vagas para 145 mil alunos. Uma “política de governo”, segundo Lizandra.

“O agronegócio, atual dono do poder, precisa de poucos trabalhadores para multiplicar seus lucros. Bastam grandes latifúndios para fazer sua agropecuária, que não produz comida, ou mineração”, disse, explicando que por essa razão, há uma política de expulsão da população do campo por meio da retirada de serviços, como saúde, escolas, assistência rural e crédito rural.

O fechamento intenso de escolas, porém, tem efeitos mais danosos. Crianças são obrigadas a se deslocar para a cidade para estudar. Os alunos do ensino médio chegam a viajar mais de duas horas na ida e duas na volta, em estradas em péssimas condições, para ter duas, três horas de aula.

“Temos um conjunto de professores e um conjunto de estrutura que permitiria que essas crianças, que esses jovens, seguissem os seus estudos dentro de seus territórios.”



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