Educação

Lula, Ciro, Bolsonaro, Tebet: quem tem as melhores propostas para a Educação?

Um bom governo deve considerar a retomada de políticas estruturantes, financiamento e o combate às desigualdades. ‘CartaCapital’ convidou especialistas a avaliar os planos dos presidenciáveis

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Pesquisas recentes de opinião têm demonstrado que a educação é um tema prioritário para o eleitorado brasileiro este ano. Predomina um sensível descontentamento com a qualidade do ensino ofertado – sobretudo o público – em grande parte pela impressão de que os governos investem menos do que deveriam na área.

Faltando pouco para o primeiro turno das eleições, CartaCapital convidou especialistas a avaliarem os planos dos presidenciáveis para a educação. A reportagem considerou as propostas de Lula (PT), Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB), os candidatos que melhor pontuam nas pesquisas de intenção de voto.

O desafio da reconstrução

O entendimento de que um próximo governo deve atuar para reconstruir a educação é unânime entre os entrevistados, que avaliam de maneira negativa a condução de Jair Bolsonaro nestes quase quatro anos.

Entre as principais críticas, destacam-se os constantes cortes orçamentários, que reduzem os recursos do Ministério da Educação, a fragilidade técnica da pasta – que chegou a ter cinco ministros diferentes durante o governo Bolsonaro – e o direcionamento de esforços a políticas que não condizem com as necessidades reais da educação, como o homeschooling e ampliação da militarização das escolas.

“A atuação do MEC no governo Bolsonaro foi devastadora”, afirma Lucas Fernandes Hoogerbrugge, líder de relações governamentais do Todos pela Educação, destacando especialmente o período da pandemia.

“Era o momento em que precisávamos de um Ministério da Educação forte, atuante, dialogando com estados e  municípios, trazendo serenidade, cooperação e coordenação, o que não aconteceu”, aponta. “Os poucos programas que o MEC ventilou no período foram descoordenados ou inócuos.”

Hoogerbrugge também considera problemática a corrosão institucional da pasta e demais autarquias, com a saída constante de quadros técnicos capacitados, o troca-troca ministerial e os escândalo do suposto repasse de verbas para pastores apoiadores de Bolsonaro.“O Ministério da Educação passa por uma crise de credibilidade.”

A assessora da área de educação da Ação Educativa, Cláudia Bandeira, destaca ainda como o governo acirrou ainda mais as desigualdades educacionais.

“O governo Bolsonaro atuou a serviço de uma política neoliberal de corte de recursos”, afirma. Além disso, com o apoio de um movimento religioso e ultraconservador, Bolsonaro e seus ministros da Educação promoveram propostas como a homeschooling e escolas militarizadas. E também encorajaram movimentos de censura contra professores e a debates sobre gênero, raça e sexualidade dentro das salas de aula.

Faz coro à opinião, a professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, Catarina de Almeida Santos, que destaca a importância de esforços intersetoriais para que o País se reencontre com a sua agenda democrática e garanta não só o acesso, mas a permanência dos estudantes nas instituições de ensino. “É preciso levar em conta os múltiplos cenários do País, como o empobrecimento e adoecimento da população.”

“O País está encerrando a sua janela demográfica, que é o período histórico onde a juventude integra a maioria da população economicamente ativa”, completa o presidente da Associação Nacional de Pós Graduandos, Vinicius Soares. “O que vemos é nossa juventude fora das escolas e universidades. Os países que lograram algum nível de desenvolvimento aproveitaram esse momento histórico justamente para investir nessa população.”

A educadora Fernanda Pessoa cobra que a educação seja priorizada como um projeto de Estado, e não de governo. “A nossa maior dificuldade continua sendo a de encarar um Brasil real, com todas as suas diferenças. Precisamos atuar com planos de Estado, que tenham como meta a equidade atrelada ao desenvolvimento econômico”, defende. “Não existe economia forte sem sociedade forte. E a educação é uma frente de crescimento social e econômico.”

As análises dos planos de governo

Lula (PT) – (clique no nome para acessar o plano do candidato)

A maioria dos especialistas veem como positivo o fato de o ex-presidente Lula ser um dos únicos – juntamente com Simone Tebet (MDB) – a citar a retomada do Plano Nacional de Educação. A política, que tem vigência até 2024, tem 45% de suas metas direcionadas à melhoria das etapas educacionais em atraso, segundo análise divulgada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação em junho.

Para Claudia Bandeira, o plano do petista sai em vantagem ao se comprometer com a revogação do Teto de Gastos e, portanto, apontar um caminho de viabilização ao PNE, condição que não é citada por Tebet.

Na análise de Vinicius Soares, chama a atenção o fato de o ex-presidente Lula ser o único a mencionar um ‘projeto democrático de educação’. “A gente tem falado muito da defesa da democracia e das instituições, mas não estamos falando só no sistema eleitoral, mas de toda a sociedade, em especial escolas e universidades”, aponta, ao destacar o grande número de reitores empossados nas universidades durante o governo Bolsonaro, sem o respaldo das comunidades acadêmicas.

Foto: Reprodução

Os entrevistados também destacaram a dimensão intersetorial contida no plano do petista que cita enfrentamentos a desigualdades regionais, e combate a violências contra mulheres, populações negras e LGBTQIA+, e povos indígenas.

“Isso o torna mais coerente com os pactos sociais e com o arcabouço legal brasileiro, resgatando políticas intersetoriais na centralidade da agenda e olhando para a educação na perspectiva de direito, com uma economia a serviço dos direitos”, destaca a coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda.

“É uma proposta que olha para o público real da sociedade brasileira”, acrescenta Catarina de Almeida, que ainda frisa o fato de o petista mencionar a educação em diálogo com um projeto de desenvolvimento nacional e citar o fortalecimento da educação ‘pública universal, democrática, gratuita, de qualidade, socialmente referenciada, laica e inclusiva, com valorização e reconhecimento público de seus profissionais’. “Traz elementos mais diretos e taxativos em relação a qual educação se pretende”, avalia a educadora.

Também é bem visto o fato de o petista anunciar a continuidade das políticas de cotas sociais e raciais na educação superior e nos concursos públicos federais, bem como sua ampliação para outras políticas públicas.

Entre os pontos críticos, Lucas Hoogerbrugge menciona a falta de detalhamento de propostas específicas para as diferentes etapas da educação, como Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio. Andressa Pellanda cita a ausência de uma menção mais explícita ao Custo Aluno Qualidade, mecanismo referenciado em políticas como Plano Nacional de Educação, Sistema Nacional de Educação e Fundeb. Já Catarina Almeida questiona o fato de o plano de governo não se comprometer com a desmilitarização das escolas, bem como de não problematizar a Base Nacional Curricular Comum e a Reforma do Ensino Médio, que vem sendo criticada por educadores nos estados em que vem sendo implementada como indutora de desigualdades.

Bolsonaro (PL)

(clique no nome para acessar o plano do candidato)

Os entrevistados divergem de maneira unânime do argumento central do plano de Jair Bolsonaro, segundo o qual as famílias são os principais atores da educação. A tese, destacam, contraria a Constituição Federal e da Lei de Diretrizes e Bases que estabelecem deveres ao estado no sentido de ofertar vagas e condições adequadas ao ensino. Os especialistas também avaliam que o entendimento fortalece agendas como a do ensino domiciliar, uma das grandes bandeiras de Bolsonaro para a área.

“Isso reflete fortemente na desvalorização dos profissionais da educação, das comunidades escolares e das escolas, o que é uma dimensão típica do projeto ultraconservador bolsonarista”, avalia Claudia Bandeira.

O ex-capitão é o único a citar que a educação não deve conter‘conotações ideológicas’ – o que, para os entrevistados, têm servido à uma dinâmica de censurar as escolas, perseguir professores e afastar os jovens de temas como raça, gênero e sexualidade.

Foto: AFP

Mesmo quando Bolsonaro cita agendas estruturantes para a educação, caso do Sistema Nacional de Educação, a abordagem não condiz com um pacto social.

“O SNE que o governo Bolsonaro tem defendido é um sistema que, ao passo, retira responsabilidade da União na ação supletiva junto a Estados, DF e Municípios, verticaliza a tomada de decisão não só em termos dos entes federados, como também concentrando no executivo e não envolvendo conselhos e sujeitos da educação nas instâncias decisórias”, analisa Andressa Pellanda.

Para a educadora Fernanda Pessoa, o atual presidente se contradiz ao propor continuidade de ações para a educação. “É como se ele estivesse falando da Finlândia, e acertasse em Bruzundanga [cidade fictícia criada por Lima Barreto]”, critica. “Veja, ele fala de uma ideia de continuidade, mas temos como fato o corte de 87%, no último ano, da verba em Ciência e Tecnologia.”

Bolsonaro não cita em seu plano de governo cotas raciais e sociais, nem temas como racismo, machismo e LGBTfobia. “Bolsonaro não tem preocupação com a equidade e muito menos com essas populações. Não surpreende que não sejam mencionadas em uma agenda de proteção, mas somente na preocupação com inserção no mercado”, acrescenta Pellanda.

Ciro Gomes (PDT)

(clique no nome para acessar o plano do candidato)

O plano do pedetista apresenta como grande meta ‘colocar a educação brasileira entre as dez melhores do mundo no espaço de 15 anos’. Os entrevistados, no entanto, divergem sobre a efetividade das ações apresentadas pelo candidato para alcançar o patamar, caso da menção às avaliações externas, criação de incentivos financeiros para as escolas que apresentarem melhores desempenhos, e o escalonamento nacional a programas educacionais adotados no Ceará, onde foi Ciro foi governador.

Lucas Hoogerbrugge vê como positivo o fato de o candidato expor uma meta a longo prazo para a educação e vê com bons olhos a tentativa de projetar nacionalmente os programas educacionais adotados no Ceará. “É um dos grandes casos exitosos na educação brasileira que tem muitos resultados no Ensino Fundamental e Médio, além de experiências interessantes na primeira infância”, defende.

Já Andressa Pellanda entende que o candidato erra ao dar ênfase a experiências locais, ‘achando que pode generalizá-las’. Em seu entendimento, Ciro não traz propostas substantivas para a área.

Ciro Gomes, candidato do PDT à Presidência. Foto: Mauro Pimentel/AFP

Catarina de Almeida e Claudia Bandeira compartilham do entendimento de que a proposta do pedetista serve a uma lógica meritocrática da educação.

A professora da UNB pontua que a bonificação de escolas por melhores resultados pode induzir mais desigualdades educacionais. “Isso vai na contramão do que precisamos fazer, sobretudo em um cenário de pós pandemia, que é olhar para as escolas que têm as piores condições. Além do que coloca os resultados, a produção deles, em detrimento do processo de formação”, critica.

A assessora da Ação Educativa ainda completa que a proposta de governo faz uma abordagem reducionista ao balizar as avaliações externas como a principal ferramenta para medir qualidade educacional.

“Quando a gente fala de qualidade na educação tem uma série de outras dimensões que precisam ser levadas em considerações, como valorização dos profissionais da educação – formação, salário, plano de carreira – a questão do custo aluno qualidade, que traz a questão da  infraestrutura das escolas, o acesso e permanência de estudantes, a gestão escolar democrática, e também discussões que tratam das relações raciais, gênero e sexualidade na escola. Todas essas agendas estão em jogo quando a gente discute qualidade da educação. É uma proposta muito reducionista nesse sentido”.

Simone Tebet (MDB)

(clique no nome para acessar o plano da candidata)

O plano da emedebista também é lido de diferentes maneiras entre os especialistas. Lucas Hoogerbrugge elenca como pontos positivos o fato de a candidata citar políticas estruturantes como o Plano Nacional de Educação, o Sistema Nacional de Educação, e o fortalecimento do regime de colaboração entre União, estados e municípios.

Também destaca o fato de Tebet prever prioridade à primeira infância com a anunciada criação de uma Secretaria Especial da Criança e Adolescência, vinculada à Presidência da República, e de citar apoio à saúde mental de estudantes e profissionais da educação, com ênfase aos impactos ocasionados pela pandemia.

Os demais entrevistados leem com ressalvas o eixo de parceria com a iniciativa privada contido no plano de Tebet e fazem ponderações sobre como isso pode impactar a educação pública.

Para Claudia Bandeira, a ‘visão empresarial’ da proposta e a aliança com o ‘campo neoliberal’ faz com que a emedebista se comprometa com continuidade de reformas educacionais questionáveis, caso da Reforma do Ensino Médio.

Catarina de Almeida também questiona o anúncio da candidata de criar a ‘Poupança mais Educação’ para incentivar jovens de baixa renda a concluírem o Ensino Médio. “Como se o fato do estudante ter essa renda ao final da etapa, garantisse a sua permanência na escola. Isso desvirtua o debate sobre as condições estruturantes para que esse adolescente consiga estudar, que se parece com a lógica da bonificação por resultados”, avalia.

Imagem: MDB Nacional

Andressa Pellanda engrossa as críticas. “Tanto no caso de Sobral – a vitrine de Ciro – quanto nas agendas de Tebet, o que está em jogo é o avanço da agenda neoliberal na educação, a partir de alianças público-privadas com fundações e grupos empresariais que defendem um modelo educacional do capital humano, que coloca a educação como um meio para alimentar o sistema político-econômico vigente de exploração e não para superá-lo”, contesta.

E complementa: “Se implementa uma agenda reducionista para a educação pública, com foco em conteudismo e formação precária para mão-de-obra barata, deixando à margem os pilares da formação plena e da formação cidadã, e aprofundando as desigualdades sociais, regionais, raciais.”

Vinicius Soares também aponta como preocupante o fato de Simone Tebet citar ‘fontes alternativas de financiamento’ para ampliar o acesso às instituições de ensino superior públicas. “Pode mascarar um projeto de cobrança de mensalidade nas universidades”, alerta. “Ela não chega a citar qual seria a fonte de financiamento, mas pela própria trajetória do partido que ela integra e das legendas de coalizão, a gente fica receoso.”

Para Fernanda Pessoa, nenhum dos presidenciáveis se sobressai com propostas ao Ensino Superior, e acabam por citar mais a dimensão do ensino técnico e profissionalizante o que é, em certa medida, preocupante: “Acho importante que a juventude possa contar com o ensino técnico e profissionalizante, porque a fome não espera. Mas em uma democracia eu preciso assegurar o direito aos jovens de escolherem o que eles querem fazer. Sem um projeto de desenvolvimento econômico atrelado ao social, o que vemos são nossas juventudes virando mão de obra barata, e isso precisa ser combatido”.

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