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A educação que vale a pena

Lugar de criança é na escola?

O homeschooling cresce vertiginosamente em todo o mundo, inclusive no Brasil, e ganha força como opção à escola tradicional, mas a prática dessa modalidade de ensino no país continua ilegal

Por Ana Maria Diniz
Atualização:

Lugar de criança é na escola, Educação é dever do Estado e matricular os filhos em instituições de ensino é obrigação dos pais. Eis uma ideia que, de tão arraigada, virou uma espécie de dogma, uma verdade universal e inquestionável que marcou e moldou o século 20. Mas vivemos no século 21, o mundo não é mais o mesmo e essa convicção, assim como tantas outras, começou a ser colocada em xeque.

  Foto: Estadão

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Para um número cada vez mais expressivo de pais e mães, a escola não faz mais sentido algum, lugar de criança pode ser em casa, inclusive para aprender, e a cabe à família decidir quando, como e onde a criança vai estudar, e não ao governo. Eles são, majoritariamente, adeptos do homeschooling ou ensino domiciliar.

O movimento, que surgiu nos anos 70 como opção à educação tradicional e foi abraçado pelos religiosos na década seguinte como forma de preservar os filhos de ensinamentos contrários à sua fé, vem crescendo exponencialmente em número e relevância no mundo todo nos últimos anos - agora, reunindo também uma legião de pais que considera as escolas obsoletas e ruins.

Nos Estados Unidos, onde a prática é mais disseminada, o total de meninos e meninas que estudam em casa saltou de 1,8 milhões em 2012 para atuais 3,5 milhões, superando os 2,5 milhões de alunos matriculados nas charter schools. Na Inglaterra, o aumento foi 40% em três anos. No Brasil, de 2011 para cá, o número de crianças nessa situação cresceu mais de 900% - hoje há 7,5 mil delas no país, segundo a Associação Nacional de Educação Domiciliar.

Na esteira dessa tendência, o Supremo Tribunal Federal votou ontem a regularização do homeschooling no país. Contrariando o voto do relator do caso, o ministro Luís Roberto Barroso, que se posicionou pelo do direito dos pais de tirarem os filhos da escola para ensiná-los em casa, a maioria foi desfavorável à legalização e determinou o prazo de um ano para o Congresso debater o assunto e elaborar uma legislação para regulamentar a prática.

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De maneira geral, os que são contra o homeschooling argumentam que estudar em casa tira da criança a chance de aprender com a diversidade e de desenvolver visões de mundo próprias, sem a influência direta dos pais. Os que são a favor alegam que o aprendizado em casa se dá de forma holística e altamente personalizada, respeitando o ritmo e as dificuldades das crianças e valorizando os gostos e talentos individuais.

O assunto é bastante complexo e é complicado saber quem está com a razão. O fato é que existe muito preconceito em torno do tema, geralmente mal compreendido e cercado de mitos. Hoje, com a internet, há milhares de recursos e possibilidades de acesso à informação e ao conhecimento que podem auxiliar os pais ou tutores designados por eles nessa jornada. Como escreveu Chris Weller em artigo na Business Insider, o homeschooling hoje nem de longe lembra o de 30, 40 anos atrás, e há inúmeras razões para que ela faça bastante sentido em 2018.

No entanto, muitas coisas ainda me preocupam em relação ao ensino domiciliar. Uma delas é a ausência do professor, uma pessoa realmente preparada para a função e que pode, comprovadamente, fazer a diferença na vida de uma criança. Para acrescentar, do meu ponto de vista, outra questão preocupante é a falta de socialização, pois conviver com outras crianças da mesma idade é fundamental para o desenvolvimento infantil.

Goste-se ou não do homeschooling, sejamos realistas: ele existe, está se consolidando no país e lei nenhuma vai fazer com que os brasileiros que optaram pelo ensino domiciliar voltem atrás em suas decisões. Nem vai desestimular as famílias que já estão convencidas de que esta é a melhor opção e estão prestes a tirar os filhos da escola para educá-las à sua maneira. Só que agora estarão oficialmente contra a lei.

Ao delegar a decisão a outra esfera de poder e adiá-la por um ano, no mínimo, os ministros do Supremo em nada contribuíram para tornar a prática, escondida pelo manto da clandestinidade, visível e passível de uma regulamentação que beneficie, acima de tudo, nossas crianças e jovens. Vamos torcer para que isso aconteça o mais breve possível. Afinal, é o que realmente importa.

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