Lideranças indígenas, professores e pesquisadores elogiaram neste domingo o tema da redação do Enem aplicado na prova de 2022 — "Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil". Logo que a questão foi divulgada pelo Ministério da Educação, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) publicou em suas redes sociais uma nota classificando o tema como "muito importante": "Nunca mais um Brasil sem nós! (...) Neste momento, milhões de estudantes estão pensando e escrevendo sobre os povos originários do Brasil", escreveu a instituição, engajada na eleição de candidatos indígenas no pleito deste ano.
Outro a prontamente elogiar a iniciativa após "quatro anos de silêncio" do governo de Jair Bolsonado foi Eliésio Marubo, procurador jurídico da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari, no Amazonas (Univaja):.
— A sociedade se fortalece quando trata dos seus problemas. Falar dos desafios para a valorização das comunidades e da história dos povos indígenas tem esse significado. Mais ainda é incutir nas novas gerações a preocupação que os adultos deveriam ter. Passamos quatro anos sem tratar e sem falar desses problemas. Ainda bem que começamos a repensar os desafios e novos tempos no país — disse Marubo.
Depois do Enem de 2021, que teve como tema de redação os brasileiros invisibilizados no registro civil, elogiado por professores mas que passava longe de questões ideológicas, a prova mais aguardada do primeiro dia de Enem surpreendeu. Para a antropóloga luso-brasileira Manuela Ligeti Carneiro da Cunha, a questão destacada segue uma tendência dos debates em curso em várias esferas. Ela lembrou que, há um ano, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) vem publicando muitos volumes sobre a importância das práticas, do conhecimento e das inovações dos povos indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais.
— Ótimo tema e uma feliz coincidência! Esse é uma abordagem fundamental diante dos desafios envolvendo biodiversidade e dos obstáculos de se valorizar estes conhecimentos em políticas públicas — observa Manuela, reconhecida internacionalmente como referência em estudos sobre povos originários e de etnologia e antropologia histórica. — As políticas do governo Bolsonaro foram declarada e agressivamente contrárias aos direitos dos povos tradicionais. Nunca o desmatamento, a grilagem e o envenenamento dos rios tinham chegado aos níveis atuais. Cabe ao governo eleito responsabilizar os culpados, restaurar o que se tentou destruir e instaurar políticas que realmente valorizem e abram espaço político para as contribuições fundamentais dos povos tradicionais.
Momento oportuno
Ex-presidente da Funai, Marcio Meira destaca que o tema chama atenção num momento delicadíssimo para o futuro dos indígenas do Brasil.
— Esse é um tema que chama atenção e é extremamente delicado e importante para o Brasil, principalmente depois do que nós vimos nos últimos quatro anos, a forma como o atual governo derrotado tratou dos povos indígenas e das comunidades tradicionais que viveram um verdadeiro pesadelo . Tem uma questão de fundo de perseguição, de tragédia, que esses povos viveram. É uma abordagem (Enem) totalmente atual, sobretudo num dia em que os indígenas ianomâmis foram atacados em Boa Vista. Toda essa violência contra esses povos é uma consequência de uma postura dos últimos anos de acirramento de preconceito, do racismo contra os indígenas e as comunidades tradicionais. Esperamos que o futuro para os indígenas brasileiros seja de respeito, de proteção e garantia de seus direitos constitucionais — afirma.
Cotada para assumir o ministério dos Povos Originários, cuja criação foi prometida pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a deputada Sônia Guajajara (Psol-SP) também se manifestou:
"Desde a invasão em 1500 nossos direitos tem sido violados, sobretudo nos últimos quatro anos onde declaradamente a atual gestão, que já derrotamos nas eleições, executava sua política de extermínio dos povos originários e comunidades tradicionais", escreveu a parlamentar nas suas redes sociais, fazendo uma crítica direta ao governo Bolsonaro. Ela e uma das coordenadoras da Apib.
Outro deputada indígena eleita, Célia Xacriabá (Psol-MG), declarou que o exame "valorizava" os povos originários do país. "O tema da redação do Enem hoje é a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil! É tempo de olhar para a nossa ancestralidade, para a nossa cultura e para nossos povos originários. Que isso entre nas escolas e no imaginário de todos os brasileiros e brasileiras", postou ela em suas redes sociais.
Como é feita a correção
A correção da redação envolve cinco competências, cada uma com pontuação máxima de 200 pontos: domínio da escrita formal da língua portuguesa; compreender o tema e não fugir do que é proposto; selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista; conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação e respeito aos direitos humanos.
Temas anteriores
Confira os temas abordados nas redações do Enem nos últimos anos:
- O indivíduo frente à ética nacional (2009)
- O Trabalho na Construção da Dignidade Humana (2010)
- Viver em rede no século XXI: os limites entre o público e o privado (2011)
- O movimento migratório para o Brasil no século XXI (2012)
- Efeitos da implantação da Lei Seca no Brasil (2013)
- Publicidade infantil em questão no Brasil (2014)
- A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira (2015)
- Caminhos para combater o racismo no Brasil (2016)
- Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil (2016)
- Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil (2017)
- Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet (2018)
- Democratização do acesso ao cinema no Brasil (2019)
- O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira (2020)
- O desafio de diminuir a desigualdade entre regiões no Brasil (2020 - Enem Digital)