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Lewandowski defende restrições a quem não tomar vacina contra Covid-19

Segundo ministro, União, estados e municípios podem criar regras para proibir não vacinados de frequentar locais específicos
O ministro Ricardo Lewandowski, do STF Foto: Jorge William/Agência O Globo
O ministro Ricardo Lewandowski, do STF Foto: Jorge William/Agência O Globo

BRASÍLIA — O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quarta-feira no sentido de permitir que as autoridades tornem obrigatória a vacinação contra a Covid-19, desde que as pessoas não sejam forçadas a se submeter à imunização contra a vontade própria. Ele ressaltou que a obrigatoriedade deve ser imposta por meio indireto, com a “restrição do exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares”, conforme previsão em lei.

Lewandowski foi o primeiro a votar no processo que questiona se o poder público pode obrigar cidadãos a serem vacinados contra a doença. Outros dez ministros devem se manifestar na sessão de quinta-feira .

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— Alcançar a imunidade de rebanho mostra-se deveras relevante, sobretudo para pessoas que, por razões de saúde, não podem ser imunizadas, dentre estas as crianças que ainda não atingiram a idade própria ou indivíduos cujo sistema imunológico não responde bem às vacinas. Por isso, a saúde coletiva não pode ser prejudicada por pessoas que deliberadamente se recusam a ser vacinadas, acreditando que, ainda assim, serão beneficiárias da imunidade de rebanho — disse o ministro.

Segundo Lewandowski, as limitações impostas pela recusa da vacinação podem ser implementadas pela União, estados e municípios. No voto, o ministro citou portaria editada pelo Ministério da Saúde em 2004 que condiciona o pagamento de salário-família à apresentação dos atestados de vacinação obrigatórias. A mesma exigência é feita para matrícula em creches, pré-escola, ensino fundamental, ensino médio e universidade; para alistamento militar; para recebimento de benefícios sociais concedidos pelo governo; e para contratação trabalhista.

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Para o ministro, “vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuários”. Ele esclareceu que a vacinação, antes de ser obrigatória, deve ser baseada em evidências científicas e venha acompanhada de “ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes”.

— Atualmente, não pairam dúvidas acerca do alcance de duas garantias essenciais asseguradas às pessoas: a intangibilidade do corpo humano e a inviolabilidade do domicílio. Tais franquias, bem sopesadas, por si sós, já excluem, completamente, a possibilidade de que alguém possa ser compelido a tomar uma vacina à força, contra a sua vontade — disse Lewandowski, completando:

— Afigura-se flagrantemente inconstitucional toda determinação legal, regulamentar ou administrativa no sentido de implementar a vacinação forçada das pessoas, quer dizer, sem o seu expresso consentimento.

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No começo da sessão, o presidente da Corte, ministro Luiz Fux, afirmou que quer terminar o julgamento até a sessão de sexta-feira, a última do ano. Depois disso, o plenário do STF voltará a se reunir apenas em fevereiro.

— Eu apenas pediria que assim como viemos fazendo em relação a pandemia, que essa tema tenha um fim até o início do recesso forense. Vamos dedicar o tempo para esse objetivo e conclamar aos colegas que prefiram, para agilizar os trabalhos, manifestar concordância com posições que forem expostas e juntar os voto depois. Mas o importante, a prioridade é terminarmos isso até a última sessão, no dia 18 — disse Fux.

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O procurador-geral da República, Augusto Aras, repetiu os argumentos que já havia apresentado em pareceres entregues ao STF no fim de novembro. Na ocasião, ele avaliou que, em determinadas situações, os estados podem sim obrigar a vacinação contra a Covid-19: se houver inação do governo federal, ou caso a realidade local torne necessária a imunização compulsória. Por outro lado, Aras é totalmente contra a possibilidade de os municípios estabelecerem a obrigatoriedade da medida.

— Assim como  o voto é obrigatório, nem por isso os eleitores são capturados para que compareçam às urnas. A vacinação obrigatória não significa condução coercitiva, imobilizações ou emprego de força física para inocular o imunizante. Numa situação de epidemia nacional, de pandemia, que alcança todo o planeta, e que coloca em risco a saúde da coletividade, é razoável que o direito individual ceda em prol do direito de todos. A imunização em massa, portanto, é medida que prevalece, pois  materializa o direito coletivo à saúde pública — disse Aras.

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Ele também disse ser contra levar uma pessoa à força para tomar a vacina caso a imunização se torne compulsória. Se houver a recusa, o cidadão deverá ser responsabilizado judicialmente e sofrer algumas restrições.

— O indivíduo que se recusar sofre no plano de restrição de direitos, como por exemplo o de ingressar em certos públicos, ou mesmo de receber benefícios — afirmou Aras.

Em parecer enviado ao STF, o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), José Levi, já havia destacado que cabe ao Ministério da Saúde, e não aos estados ou municípios, estabelecer se uma vacina é ou não obrigatória . O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, porém, já disseram que ela será voluntária.

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Na sessão, Levi também avançou sobre um tema que está sendo discutido em outras duas ações, que não estão em julgamento. Elas tratam da aquisição de vacinas pelo governo federal e foram apresentadas ao STF depois que o presidente Jair Bolsonaro começou a apresentar restrições à CoronaVac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac e testado no Brasil em parceria com o Instituto Butantan, ligado  ao governo do estado de São Paulo.

— Aqui deve ser dito de modo bastante claro, direto e objetivo: não há e sequer poderia haver exclusão apriorística de nenhum imunizante, nenhuma vacina que venha a se mostrar eficaz e segura — disse Levi.

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Walber de Moura Agra, advogado do PDT, partido a favor da possibilidade de estados e municípios estabeleceram  a obrigatoriedade da vacinação, destacou a prevalência da saúde coletiva sobre a individual.

— O direito à saúde é um direito muito mais abrangente, e a saúde individual, falar que vai exigir consentimento de quem vai se vacinar, é um retorno à Idade Média. A saúde individual deve ser arrefecida pela saúde coletiva — disse Agra.

Luiz Gustavo Pereira da Cunha, advogado do PTB, partido que apresentou ação contra a possibilidade de a vacina ser obrigatória, disse que a imunização compulsória fere alguns direitos das pessoas.

— A presente ação direta de inconstitucionalidade busca preservar a Constituição democrática de 1988, os direitos fundamentais à vida, à saúde e à liberdade individual, direitos caros à toda sociedade brasileira. O tema é de extrema relevância, pois trata da liberdade individual e de escolha das pessoas. Aqui está se discutindo os limites da atuação do Estado. Vacinar compulsoriamente vai contra a ideia de liberdade, liberdade esta conquistada por meio de lutas, hoje reconhecidas e positivadas no texto da Constituição brasileira — disse Cunha.

Estão em julgamento três processos sobre vacinação. Em dois processos, de relatoria de Lewandowski, é discutido se autoridades públicas podem obrigar a população a se vacinar contra a doença. Em um terceiro processo, de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, o Ministério Público questiona se os pais podem deixar de vacinar os seus filhos com base em “convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais”.

No caso específico, o Ministério Público pede que os pais de uma criança de cinco anos sejam obrigados a atualizar o cartão de vacinas do filho. Os pais argumentam que deixaram de seguir o calendário de vacinação porque são veganos e contrários a intervenção médica invasiva. O presidente do STF, Luiz Fux, já disse a interlocutores que é uma prioridade da gestão dele concluir esses julgamentos ainda neste ano, diante da proximidade do registro das vacinas contra Covid-19.