Laura Mattos

Jornalista e mestre pela USP, é autora de 'Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura'.

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Escolas, futebol e pais sem noção

É preciso refletir sobre educação, tanto na relação familiar quanto nas escolas

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Vale a pena assistir com a criançada ao filme uruguaio “Meu Mundial —Para Vencer não Basta Jogar”, que estreou no Brasil na semana passada.

O futebol está no centro do roteiro, mas esse longa-metragem voltado ao público infantojuvenil desperta uma reflexão sobre educação, tanto na relação familiar quanto nas escolas.

A história é baseada em um livro de Daniel Baldi, ex-jogador que se tornou escritor no Uruguai. Tito, um jovem de 13 anos de uma família pobre, assina contrato com um clube grande e se torna celebridade.

Através do olhar de seu pai acompanhamos o drama de saber o que é melhor para o filho, o dilema entre ser firme nas próprias convicções ou liberar o menino para o que a vida lhe apresenta como oportunidades.

Imagem do filme “Meu Mundial - Para Vencer não Basta Jogar”
Imagem do filme “Meu Mundial - Para Vencer não Basta Jogar” - 2019.set.19/Divulgação

É preciso ter um filho boleiro para se identificar com esse sentimento? Coprodução entre Uruguai, Brasil e Argentina, o filme mostra uma realidade presente nos três países, e certamente em outros, essa de meninos pobres que veem no futebol, e não na educação, uma chance de ter uma vida melhor.

O diretor, Carlos Andrés Morelli, diz à coluna que no Uruguai uma a cada três crianças jogam em ligas competitivas, deixando em segundo plano a vida escolar.

Menos de 10% conseguem assinar contratos com clubes nacionais e 0,14% com internacionais. Em 2018, 51% dos jovens de 23 anos haviam deixado a escola sem completar os estudos, sendo 93% deles parte dos 20% da população mais pobre. Fica evidente na história de Tito que as aulas soam desinteressantes e incapazes de lhe tirar do lugar de exclusão.

Precisa ser uruguaio para reconhecer um sistema educacional ineficiente assim? Tito leva os pais a ter uma vida em que dinheiro não é problema. Deslumbrado com o luxo, ele fica ainda mais distante da escola e da família. Certo dia, o pai o proíbe de andar de moto. O garoto se recusa a acatar a ordem e, em meio a uma discussão, empurra o pai, que cai no sofá perplexo com a perda de autoridade.

Precisa ter filho celebridade para se identificar com um conflito como esse? Para o diretor, o futebol é uma ferramenta narrativa poderosa, que, com uma linguagem internacional, traz à tona questões morais.

O componente passional desse esporte sem dúvida faz do ambiente de jogos com crianças grandes laboratórios, tanto para famílias de baixa renda, como as representadas em “Meu Mundial”, como para as das classes mais ricas.

Se, por um lado, proporciona aos jovens aprendizado sobre trabalho em equipe, ganhos e perdas, glórias e frustrações, por outro descortina uma assustadora imaturidade de adultos. Há diversas pesquisas sobre o tema.

Uma delas, feita com famílias de praticantes de futebol de 7 a 15 anos e publicada na revista da Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apontou que os pais estão mais preocupados com o aprimoramento físico que o esporte pode proporcionar do que com as questões emocionais nele envolvidas.

Outra, da Universidade de Caxias do Sul com jogadores de futsal de 8 a 12 anos, alerta para o fato de que os pais muitas vezes despejam sobre as crianças sonhos que não puderam realizar, pressionando-as e aumentando nelas a ansiedade dentro e fora das quadras.

Não são raras cenas da vida real em que pais partem até para a briga nos jogos dos filhos. Dão orientações contrárias às do técnico, desrespeitam juízes e atacam a garotada verbalmente, quando não descambam para agressões físicas, como o caso do sócio do Pinheiros que puxou um menino de oito anos pelo cabelo e o jogou no chão.

Em outro clube, uma mãe chamou um garoto mais gordinho, que fizera falta no seu filho, de baleia. Ele tinha cinco anos. Também com essa idade, em um terceiro clube, um menino tomou bronca dos pais por não ter feito gol: “Para que viemos aqui?!”

Bem, a bola obviamente acirra os ânimos, mas, convenhamos, precisa estar no ambiente do futebol para encontrar pais sem noção assim? 

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