Ricardo Henriques
PUBLICIDADE
Ricardo Henriques
Informações da coluna

Ricardo Henriques


O programa Pé de Meia, anunciado em detalhes na sexta-feira passada pelo presidente Lula, é uma iniciativa bem desenhada de combate à evasão escolar no ensino médio. Como o pico de abandono ocorre nessa etapa — chega a 8% dos alunos nos 1º e 2º anos —, e a principal razão citada pelos jovens para desistir dos estudos é a necessidade de trabalhar, faz sentido oferecer aos alunos inscritos no Cadastro Único um incentivo financeiro, que combina repasses mensais com poupança, condicionado a matrícula e frequência, com bônus em caso de aprovação, conclusão e de participação no Enem e em outras avaliações.

Mas não esqueçamos que a evasão e o abandono resultam de uma combinação de fatores que incluem também falta de interesse em estudar, gravidez, cuidados ou afazeres domésticos, problemas de saúde, falta de vagas, entre outros. Nesse sentido, o incentivo financeiro não deve ser visto como panaceia, mas como iniciativa a ser conectada a esforços mais amplos de uma política nacional para as juventudes.

Uma estratégia robusta para as juventudes requer abordagem multissetorial (articulando educação com cultura, esporte, saúde, trabalho e cidadania, e os setores social e privado) e multinível (municipal, estadual e federal). Além disso, deve ser customizada ao território e aos grupos de jovens que nele habitam e/ou circulam, dialogando com suas expectativas de mobilidade social.

Experiências nacionais e internacionais, além de relevante literatura, indicam que uma agenda para as juventudes deve combinar três dimensões: educação; participação e engajamento; e emprego e renda. A ambição é expandir as oportunidades e o acesso a direitos de jovens em situação de vulnerabilidade social via conclusão do ensino médio, desenvolvimento de suas habilidades, inserção social e comunitária, e obtenção de emprego e renda. Nessa linha, na prática recente do país, merece atenção o Programa Juventudes Alagoanas, desenhado em 2021. É ainda uma obra em progresso, mas destaque-se que um componente central da estratégia alagoana é o Cartão Escola 10, uma das fontes de inspiração do Pé de Meia.

A dimensão educação, para além do apoio financeiro, deve articular com as trajetórias vocacionais e profissionais, preparando para o trabalho e ingresso no ensino superior, além de dialogar com o campo dos valores e da convivência democrática. Em Alagoas, por exemplo, há o programa Professor Mentor, que busca a iniciação científica, engajamento comunitário e construção do projeto de vida, por meio da articulação de pequenos grupos de professores com jovens, que também recebem incentivo financeiro para se engajar. Além disso, o Vem Que Dá Tempo incentiva a educação de jovens e adultos, com ênfase na EJA profissionalizante.

Sonhar nossas juventudes para projetar o futuro do país deve ser um compromisso de toda a sociedade

Elemento-chave de uma estratégia nacional é incorporar a evidência de que programas para jovens que não os incluem em sua formulação, execução e avaliação são ineficazes ou ineficientes. Há diversas razões na literatura para isso, mas talvez a principal seja a de que, conquanto educação e trabalho/renda sejam percebidos pelos jovens como imposições adultas, é via engajamento e participação que eles podem vivenciar e expressar suas identidades, exercitar habilidades e vocações, além de encontrar pares com afinidades.

Em geral, isso se concretiza nos campos da cultura e das artes, do esporte, do meio ambiente, do engajamento na vida comunitária (inclusive religiosa), e não deve se restringir só a ofertas do setor público. Por isso, mapear, consultar, construir parcerias e financiar atividades regulares aos jovens, discutidas e concebidas com eles, com os contornos das possibilidades e características do território e suas juventudes, deve ser eixo de ação efetivamente multissetorial e multinível.

Na dimensão trabalho e renda, a estratégia nacional não pode se restringir às ofertas típicas de estágio, intermediação laboral e qualificação profissional desatrelada dos interesses e vocações dos jovens e demandas dos setores contratantes. São atividades essenciais, mas devem ser complementadas com orientação e mentoria vocacional, diálogo com o capital social e familiar, parcerias com organizações empresariais para contratação de aprendizes, estagiários e profissionais, bem como qualificação em áreas-chave.

Os desafios para garantir os direitos dos jovens são imensos, mas é preciso reafirmar, conforme comprovam vários estudos que já citei neste espaço, que os retornos sociais e econômicos para toda a sociedade mais do que compensam o necessário investimento. Sonhar nossas juventudes para projetar o futuro do país deve ser um compromisso ético de toda a sociedade.

Mais recente Próxima Por uma utopia pragmática