Por Pâmela Ramos, G1 Sorocaba e Jundiaí


Justiça concede liminar para que estudante que fez 'homeschooling' consiga se matricular na USP — Foto: Arquivo pessoal

O Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu uma liminar para que a estudante Elisa de Oliveira Flemer, de 17 anos, consiga fazer a matrícula no curso de engenharia civil da Universidade de São Paulo (USP). A adolescente foi proibida pela Justiça de cursar a faculdade após ter feito "homeschooling".

O pedido de liminar para que ela consiga fazer a matrícula foi protocolado no dia 28 de abril, na Vara da Infância e Juventude do Fórum Regional de Pinheiros, da Comarca de São Paulo.

De acordo com o documento, o juiz Randolfo Ferraz de Campos determinou que a matrícula seja garantida até que a adolescente apresente o diploma. A decisão cabe recurso.

A assessoria de imprensa da USP informou que não foi notificada judicialmente até a manhã desta segunda-feira (10).

Justiça concede liminar para que estudante que fez 'homeschooling' consiga se matricular na USP — Foto: Reprodução/TV TEM

"Eu conseguia aprender a matéria lendo a apostila", diz estudante adepta do homeschooling

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Proibição na Justiça

Elisa não frequenta a escola desde 2018. Ela estuda seis horas por dia em casa, seguindo um método próprio. Quando começou a fazer "homeschooling", ela estava no primeiro ano do ensino médio.

A adolescente descobriu a modalidade pela internet, principalmente em sites em inglês, e diz que se apaixonou pela ideia. Para saber se o método de estudo em casa tinha dado certo, ela começou a prestar vestibulares com 16 anos e as aprovações não pararam de chegar.

Estudante de Sorocaba que adotou 'homeschooling' e foi aprovada na USP é proibida pela Justiça de iniciar curso — Foto: Reprodução/TV TEM

Elisa já passou em uma faculdade particular, tirou quase mil na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e, recentemente, conquistou o 5º lugar no curso de engenharia civil da Escola Politécnica da USP, por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu).

No entanto, por não ter completado o ensino médio em uma escola tradicional e sem diploma, ela não pôde entrar na faculdade. A família recorreu à Justiça e, em outubro de 2020, o Ministério Público foi favorável a conceder a liminar e permitir que a estudante entrasse na faculdade.

A promotora Maria do Carmo Purcini considerou que a jovem é portadora do espectro autista e tem um excepcional desempenho. O pedido de liminar para que ela entrasse na faculdade, no entanto, foi negado. Em seguida, a família recorreu da decisão.

Estudante de Sorocaba (SP) é proibida pela Justiça de cursar faculdade por fazer 'homeschooling' — Foto: Reprodução/TV TEM

A adolescente faria o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) em 2020, mas a prova foi adiada por causa da pandemia. A previsão, agora, é que ela realize o Encceja em agosto deste ano, um mês antes de completar 18 anos.

De acordo com o documento, a adolescente tem transtorno do espectro do autismo sem deficiência intelectual, além de ser considerada com inteligência acima da média.

Além disso, o laudo neuropsicológico de Elisa apontou que o "homeschooling" foi a única alternativa encontrada pela família, já que o quadro clínico da jovem foi agravado devido à dificuldade de se adequar ao ensino regular.

Propostas de emprego

Elisa recebeu várias propostas de emprego depois da decisão. Em entrevista ao G1, ela contou que ficou surpresa com a repercussão que o assunto gerou nas redes sociais.

Segundo ela, muitas pessoas entraram em contato, tanto empresários que ofereceram emprego para ela, quanto estudantes que queriam saber mais sobre o "homeschooling", um assunto polêmico entre especialistas em educação.

"Várias pessoas me mandaram mensagem dizendo que estavam com as portas abertas. Eu fiquei extremamente lisonjeada e muito feliz com isso, porque realmente não era o intuito. Achei que só era para tentar trazer o conhecimento para o caso na região, mas cresceu e eu nem vi acontecendo."

De acordo com Elisa, ela ainda não recebeu propostas oficiais, mas avalia junto com a mãe a possibilidade de adquirir mais conhecimento por meio de um trabalho. Agora, a prioridade dela é conseguir entrar na faculdade, algo que sempre foi um sonho.

Justiça proíbe que estudante inicie curso na USP após adotar o ‘homeschooling’

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Polêmica

No Brasil, a educação domiciliar não é permitida. Atualmente, um projeto do Governo Federal para permitir o "homeschooling" está em andamento no Congresso. No começo de abril, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, disse que seria uma opção para quem pretende seguir o modelo, sem ser obrigatório.

Quem é a favor defende o direito de escolher como educar as crianças e adolescentes. Já quem é contra teme consequências pedagógicas e sociais que podem surgir com a falta de frequentar uma escola.

Justiça proibiu estudante de Sorocaba (SP) de cursar faculdade por fazer 'homeschooling' — Foto: Reprodução/TV TEM

Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o "homeschooling" não é inconstitucional, mas que deve haver uma norma para seguir o ensino em casa.

Para a professora do curso de pós-graduação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutora em psicologia em educação Ângela Soligo, é preciso buscar ajuda especializada antes de o aluno trocar a escola pelo "homeschooling".

Ângela explica que a escola não é apenas um ambiente para ter acesso a conteúdos, mas também para socializar, conviver com diferentes perspectivas, debater e refletir.

"Se abrir essa exceção, todos os treineiros (alunos de 1º e 2º anos do ensino médio que prestam vestibular para treinar) terão o mesmo direito", diz.

Já a doutora em educação pela Universidade de São Paulo Flavinês Rebolo, apesar de não concordar com a normalização do estudo em casa, diz que o caso de Elisa deve ser considerado.

"No caso específico da Elisa, eu, pessoalmente, não sou contra que ela curse o ensino superior. É um caso muito particular de exceção e que não pode ser utilizado para instalação ou a implementação do 'homeschooling' como política pública da educação", diz.

Rebolo também segue a linha de pensamento de Ângela Soligo de que a escola é muito mais do que um ambiente para estudar. "A escola é também e especialmente um lugar, um espaço de socialização que contribui para o desenvolvimento da inteligência emocional, da empatia", explica.

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