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Brasil Educação

Jovens pobres têm ajuda dos EUA para se formar no ensino médio e na faculdade

Iniciativas como o Oportunidades Acadêmicas, cujas inscrições para 2022 estão abertas até 10 de janeiro são chances para alunos com bom desempenho escolar, envolvidos em atividades extracurriculares e com domínio da língua inglesa. Também é preciso estar matriculado, no ano que vem, no 2º ou 3º ano do ensino médio, ou acabá-lo em 2021
Mariami Topeshashvili, refugiada da Georgia, cresceu na Ladeira dos Tabajaras, se formou em Harvard com ajuda do EducationUSA e agora é executiva em São Paulo - Crédito: Divulgação Foto: Agência O Globo
Mariami Topeshashvili, refugiada da Georgia, cresceu na Ladeira dos Tabajaras, se formou em Harvard com ajuda do EducationUSA e agora é executiva em São Paulo - Crédito: Divulgação Foto: Agência O Globo

RIO — Mariami Topeshashvili, de 25 anos, se lembra do milk-shake que tomava na Praia de Copacabana quando ouviu falar pela primeira vez da oportunidade que a levaria à Universidade Harvard. Nascida na Geórgia, no Leste da Europa, a então moradora da favela carioca Ladeira dos Tabajaras, que chegou ao Brasil ainda criança refugiada com a família, começava ali uma longa jornada que a conduziaria a uma das maiores instituições de ensino do mundo.

Adolescente, Topeshashvili era estudante do Pedro II, tinha dois estágios (um em química na Petrobras e outro em filosofia do direito na PUC-Rio), vendia bótons e ainda fazia curso de teatro à noite. Foi nesta última atividade que ela conheceu uma professora americana, voluntária, que falou a respeito da Oportunidades Acadêmicas, uma iniciativa do EducationUSA, órgão do Departamento de Estado Norte-Americano e da Missão Diplomática dos Estados Unidos no Brasil.

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Jovens com o perfil de Mariami estão na mira do Oportunidades Acadêmicas, cujas inscrições para 2022 estão abertas até 10 de janeiro: é preciso ser obstinado, ter bom desempenho escolar, estar envolvido em atividades extracurriculares e ter bom domínio da língua inglesa. E também estar matriculado, no ano que vem, no 2º ou 3º ano do ensino médio, ou acabá-lo em 2021. Outro requisito é ser de uma família de baixa renda.

Cerca de 70 mil estudantes saídos do Brasil estudam atualmente no exterior. A quantidade de inscrições de brasileiros para o Common Application, porta de entrada de 900 universidades americanas, cresceu 41% em 2020, em relação a 2019.

Assim, algumas escolas em grandes centros urbanos já focam mais no SAT, vestibular americano, do que no Enem. No entanto, as oportunidades para alunos mais pobres se transferirem para o exterior ficaram escassas desde o fim do Ciências Sem Fronteiras, em 2014. O Oportunidades Acadêmicas é um dos poucos auxílios do tipo.

— Em comum, os alunos que passam têm sangue no olho. A vida já oferece adversidades a eles, mas não desistem — diz Simone Ferreira, uma das orientadoras do programa.

O programa, que já ajudou nomes como o atual secretário municipal de Educação do Rio, Renan Ferreirinha, oferece acompanhamento acadêmico ao longo da candidatura e cobre os custos do processo de candidatura a universidades. As bolsas são dadas pelas próprias instituições de ensino.

Reviravoltas

Filho de uma empregada doméstica e enteado de frentista, que ele considera como pai, Gustavo Almeida pôde, com a ajuda da Education USA, chegar a duas das Ivy League, as oito principais universidades americanas. Gustavo está fazendo doutorado em Sociologia na Universidade Brown, após a graduação no Dartmouth College, em Sociologia. A pesquisa dele é justamente sobre consolidação de direitos trabalhistas de empregadas domésticas no Brasil.

— O que é irônico é aqui tenho mais condições, estabilidade e apoio financeiro para pesquisar esse tema do que numa instituição brasileira, dado o cenário de cortes e de ataques que a ciência vive no país — lamenta.

Gustavo de Almeida estudou em duas das maiores universidades dos EUA com ajuda do EducationUSA Foto: Eli Burakian / Agência O Globo
Gustavo de Almeida estudou em duas das maiores universidades dos EUA com ajuda do EducationUSA Foto: Eli Burakian / Agência O Globo

Já Topeshashvili voltou ao Brasil após ver sua história sofrer inúmeras reviravoltas. Trabalhando como executiva em São Paulo, graças à boa formação que obteve, ela lembra que o primeiro salto importante aconteceu aos 4 anos quando os pais — um cientista social e uma enfermeira pediátrica — fugiram da Geórgia em meio à guerra civil logo após o fim da URSS e se refugiaram no Rio. A vida por aqui não foi fácil, e o dinheiro só deu para que a família se estabelecesse na favela de Copacabana. Ali, o pai da jovem — que chegou falando apenas russo e georgiano — aprendeu um pouco de português e foi vender cerveja na praia. Já a mãe conseguiu trabalhar como babá de famílias russas e guia de turismo.

— Vivia em dois mundos completamente diferentes. Dentro de casa, tinha regras claras e meus pais viviam no modelo soviético. Saía de casa e era uma bagunça. Eu via crianças brasileiras gritando com os pais e pensava: “Como isso acontece? — sorri a jovem, ao se recordar, acrescentando que só aos poucos foi entendendo o mundo novo em que vivia, “nem melhor, nem pior, apenas diferente”.

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A vida escolar começou numa unidade municipal do Rio. Para ingressar numa mais prestigiada, o Pedro II, ela contou com a ajuda de uma amiga da mãe, que avisou sobre o processo de seleção e que as matrículas estavam abertas. Era preciso sorte porque, para obter a vaga, teria que ganhar um sorteio e ter o dinheiro para a inscrição.

— A taxa para o sorteio era de R$ 50. Minha mãe não tinha esse dinheiro, mas encontrou na rua. Achou que foi um sinal. Ela me matriculou e fui sorteada — conta a jovem.

Mas ela ainda enfrentaria outros obstáculos. Um câncer no pulmão lhe tirou o pai, de quem ela aprendeu o gosto pela leitura e herdou a profissão (“A maçã não cai longe da árvore”, repete). O primeiro ano sem ele foi muito difícil. Mas, a partir do segundo, a menina voltou a se destacar, queria honrar a memória do pai.

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As adversidades para Gustavo de Almeida também eram fruto da exclusão social. Uma delas a distância da escola: ele morava no Jardim Fontales (bairro em que viveu o rapper Emicida) na Zona Norte de São Paulo, mas o Colégio Bandeirantes era no Centro da cidade.

— Na ida, levava uma hora e meia de casa até a escola e na volta, duas horas. Acordava todo dia às 4h45m — lembra ele que, depois, ganhou uma bolsa numa escola privada. — A primeira coisa que você percebe ao viver esse tipo de vida dupla é que a cidade de São Paulo é profundamente segregada.