Por Paulo Ricardo Sobral, g1 ES e TV Gazeta


Pesquisadora explica porque jovens negros são os que mais morrem em confrontos com polícia

Pesquisadora explica porque jovens negros são os que mais morrem em confrontos com polícia

A morte a queima roupa do adolescente já rendido em Pedro Canário , no Norte do Espírito Santo, por cinco policiais trouxe à tona uma estatística: de acordo com o último Atlas da Violência, publicado em 2021, quase 80% das pessoas que morrem em confrontos com a polícia no Brasil são negras. O estudo aponta ainda que os negros são a maior população carcerária no país.

De acordo com a professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Márcia Barros Rodrigues, os dados evidenciam a presença do racismo na sociedade.

"Os dados estatísticos nos autorizam a falar, entre outros dados, de um racismo estrutural e institucional por conta da instituição policial que, infelizmente, ainda tem uma cultura de suspeição criminal. Ou seja, algumas pessoas são mais sujeitas à suspeição do que as outras. E, aqui no Brasil, são os negros", disse a docente.

A professora disse ainda que a falta de oportunidades afasta os jovens da escola, aproximando-os da criminalidade.

"Já é sabido também que o tráfico de drogas, que é comércio ilícito, atua onde o Estado não está. A oportunidade que os jovens pobres, sem educação ou qualificação, encontram como o chamado primeiro emprego", disse Márcia.

Para a professora uma das formas de mudar essa realidade é o investir em políticas públicas sociais, principalmente as de âmbito cultural.

"Se você anda pela periferia, você vê vários talentos na arte, na música, no grafite. Canalizar esse potencial criativo da juventude com projetos continuados e sustentáveis é fundamental", disse.

Caso emblemático

Carlos Eduardo Rebouças Barros, de 17 anos, foi morto por um policial militar enquanto já estava rendido — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Carlos Eduardo Rebouças Barros, de 17 anos, foi morto a tiros por um policial militar na manhã da quarta-feira (1º), durante uma abordagem. Os cinco agentes envolvidos no crime passaram por audiência de custódia na tarde desta quinta-feira (2), e a Justiça determinou a prisão preventiva deles.

Os policiais que tiveram envolvidos na morte são o cabo Leonardo Jordão da Silva e Thafny da Silva, e os soldados Samuel Barboa da Silva Souza, Wanderson Gonçalves Coutinho e Talisson Santos Teixeira.

De acordo com a PM, Carlos Eduardo já tinha diversas passagens pela polícia. A primeira foi de 2017 por infração análoga ao crime de dano de patrimônio. A mais recente foi em fevereiro por ato infracional semelhante ao de tentativa de homicídio com arma de fogo.

Ainda de acordo com a corporação, ao longo desse curto período, o adolescente também foi acusado por ameaça, porte ilegal e tráfico de drogas.

De acordo com as informações da polícia, Carlos também não chegou a terminar o ensino fundamental.

Por outro lado, três dos cinco policiais envolvidos na morte de Carlos já respondiam por outros crimes antes da morte do adolescente.

  • Cabo Leonardo Jordão da Silva: em 2016, levou 8 dias de detenção em devido a um processo administrativo por envolvimento com bandidos, fora do serviço, segundo o Tribunal de Justiça do Espírito Santo. No mesmo ano, Leonardo também foi condenado por usar a autoridade policial pra obter facilidades, satisfazer interesses pessoais e encaminhas negócios ou resolver problemas particulares. A pena foi de mais dez dias de detenção.
  • Soldado Tallison Santos Teixeira: é citado num processo em andamento no Tribunal de Justiça do Espírito Santo por um homicídio ocorrido no bairro Camata, em Pedro canário, em 2018.
  • Cabo Thafny da Silva Fernandes: responde pelo mesmo crime de Tallison. Segundo o boletim de ocorrência da polícia realizado após a morte do adolescente, foi ele que atirou em Carlos Eduardo.

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Câmeras em uniformes policiais

Câmera na farda da Polícia Militar em Minas Gerais — Foto: Reprodução/TV Integração

Após o episódio de Pedro canário, a Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) recomendou o afastamento dos policiais envolvidos e pediu o uso de câmeras corporais em agentes de segurança pública, principalmente os militares.

Para o defensor do Núcleo de Direitos Humanos Rafael Viana, a medida pode evitar que casos como esse se repitam.

"Desde 2015, nós abrimos um procedimento em razão das denúncias que vinham, principalmente da população que mora em áreas marginalizadas da Grande Vitória. Percebemos que, na verdade, estava acontecendo um distanciamento entre a polícia e a sociedade civil e haveria um meio pelo qual a gente poderia reagrupar. Esse meio é o videomonitoramento no fardamento dos policiais militares", disse.

A professora Márcia disse ainda que é necessário ainda o aprimoramento da técnica, da inteligência das polícias, além de uma formação nas escolas em termos culturais e históricos do país.

"É necessário uma lei que limite a atuação da polícia no sentido de fazer que a abordagem, independente de viés racial ou não, aconteça de forma inteligente, técnica e, acima de tudo, cidadã", disse.

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