Por Marília Marques, G1 DF


Jovens do sistema socioeducativo na sala de aula. — Foto: Marília Marques/G1

Dez jovens que cumprem medidas socioeducativas em uma unidade de internação do Recanto das Emas, no Distrito Federal, foram aprovados em cursos profissionalizantes da Escola Técnica de Brasília (ETB). Esta é a primeira vez que o sistema de internação do DF registra este número de aprovados. As aulas começam nesta segunda-feira (31).

Os adolescentes infratores concorreram com 33 mil estudantes a 980 vagas em quatro cursos de longa duração. Eles agora aguardam a autorização da Vara de Execuções de Medidas Socioeducativas (VEMSE) para cursarem as aulas.

Se o pedido for aprovado, os mais novos estudantes devem trocar a rotina de internação - monitorada 24 horas por dia por agentes de segurança – pela sala de aula. Durante o ano letivo, eles devem frequentar sozinhos o curso pela manhã e, após as aulas, retornar por conta própria à instituição.

A unidade - vincula à Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude (Secriança) – abriga jovens de até 21 anos que, ainda menores de idade, cometeram algum ato infracional como roubo, tráfico, furto e até homicídio.

Na última semana, a reportagem do G1 foi autorizada a passar uma tarde na ala masculina de internação do Recanto das Emas com os mais de 250 adolescentes apreendidos. A reportagem conversou com alguns dos aprovados no processo seletivo e conheceu parte da rotina de uma unidade de internação.

Grades que cercam a Unidade de Internação do Recanto das Emas. — Foto: Marília Marques/G1

Desejo de mudança

X*, um dos jovens aprovados no curso de informática da Escola Técnica de Brasília (ETB), cumpre medida socioeducativa há um ano e sete meses. Ao G1 não foi divulgado o ato infracional cometido pelo jovem, que já é maior de idade, mas ele diz que o momento agora é de colocar metas para o futuro.

“Educação é a base de tudo e, se não tiver, a gente não vai ter uma vida digna. Não quero mais passar por isso de cometer o mesmo erro.”

Além dos estudos para a ETB, o adolescente também se dedica para aprovação em concursos públicos e no vestibular. X diz que pretende cursar direito e seguir a carreira policial.

Mesmo sob o regime de internação, por bom desempenho e dedicação aos estudos, este ano ele ganhou o direito de saída para fazer provas fora da instituição, sem o acompanhamento dos agentes no local do exame.

Por não ter autorização para acessar a internet, o jovem usa livros da biblioteca para estudar, e recebe, durante a visita dos familiares, apostilas e arquivos digitais com o conteúdo.

Agentes de segurança monitoram os jovens internos na unidade. — Foto: André Borges/Agência Brasília

Motivação

Cursando o segundo ano do ensino médio, Y*, 19 anos, ainda não conhecia o curso para o qual foi aprovado. Nesta segunda (31) ele inicia as aulas de eletrotécnica na ETB e diz que optou por esta área a partir de um aconselhamento vocacional.

O jovem, morador de Taguatinga, está há um ano cumprindo medida socioeducativa e diz que mudou o comportamento desde que teve a liberdade restrita.

“Mudei minha forma de pensar e passei a dar mais valor à minha família e aos estudos. São eles que mais me incentivam a estudar e acreditam em mim.”

O jovem, assim como os outros internos, é obrigado a cumprir uma rotina diária de estudos. Eles são acompanhados por 35 professores do ensino regular, que ministram as aulas em dois turnos dentro da unidade de internação.

Espaço de leitura na unidade de internação do Recanto das Emas. — Foto: Marília Marques/G1

Os professores

O professor de química, Gentil Silva, é um dos mais antigos da unidade do Recanto das Emas. Ele atua há 11 com os jovens em conflito com a lei e descreve a experiência como enriquecedora. “A principal diferença é a forma que temos que trabalhar”.

“Lá fora os jovens têm acesso à internet e outras fontes. Aqui dentro, temos que resgatar a autoestima deles, que já estão privados de liberdade. Mas a educação pode, sim, transformar vidas.”

Segundo o professor, os adolescentes costumam chegar nas instituições com “aprendizagem desfasada” e, é preciso aplicar a "pedagogia da afetividade" para conseguir apresentar todo o conteúdo da base curricular comum.

Silva diz que o trabalho é gratificante. Em conversa com o G1 ele se emocionou ao lembrar de um dos alunos que, com a ajuda dele, recebeu a concessão de liberdade, foi aprovado para cursar uma faculdade e já está empregado.

“Acredito e sempre faço algo para mudar a vida deles. Um jovem que faça algo diferente já é o suficiente. A educação pode transformar vidas.”

*Mesmo maiores de idade, a divulgação dos nomes dos jovens não é autorizada pela Justiça.

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