Ricardo Henriques
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Programas de transferência condicionada de renda surgiram no mundo na década de 90, com dois objetivos principais. Um, imediato, é o alívio da situação de pobreza das famílias mais vulneráveis. O outro, de médio e longo prazo, procura combater causas estruturais da pobreza ampliando o acesso de crianças e jovens aos serviços de educação, saúde e assistência social. No Brasil, o programa mais conhecido com esse escopo é o Bolsa Família, uma das políticas públicas mais bem avaliadas ao longo do tempo.

Sabemos que a pobreza está concentrada entre as crianças no Brasil. Mas a situação seria muito pior caso não existissem esses programas. Essa é uma das conclusões do recente estudo “A Pobreza na Primeira Infância”, divulgado pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal. O trabalho mostra que, sem políticas como o Bolsa Família, a taxa de pobreza entre crianças de zero a seis anos estaria em 24%. Com o novo desenho do programa, que aumentou o repasse para famílias com crianças nessa faixa etária, o percentual cai para 13%. Uma redução significativa, mas em patamar ainda inaceitável.

O estudo mostra ainda que o aumento de repasses diretos às famílias mais vulneráveis reduz a desnutrição crônica ou aguda entre crianças de zero a três anos. No entanto, corroborando os achados da literatura acadêmica no tópico, a pesquisa nos lembra que “políticas de transferência de renda são mais eficazes para a redução da pobreza quando vão além da mera redução da fome e são elaboradas sob a perspectiva do desenvolvimento integral das crianças”, direito a ser plenamente assegurado a partir do acesso com qualidade a serviços de saúde, educação, assistência social, entre outros.

A maior probabilidade de uma trajetória efetiva de desenvolvimento integral das crianças passa por uma estratégia, de governança complexa, que combine as agendas programáticas intergovernamental (União, Estados e municípios), intersetorial (articulando políticas públicas de diferentes secretarias) e extragovernamental (incluindo sociedade civil e outros poderes na busca por soluções). Nessa direção temos boas experiências com resultados relevantes nos estados: Mais Infância (CE); Criança Alagoana – Cria (AL); Primeira Infância Melhor – PIM (RS); Mãe Coruja (PE) e nos municípios: São Paulo Carinhosa; CRIAR e COMPAZ no Recife; Família Que Acolhe em Boa Vista; Cidade das Crianças em Jundiaí.

Do ponto de vista do financiamento, um sinal positivo nesse contexto é que as mudanças demográficas facilitam o aumento do investimento per capita na infância. Dados do Registro Civil de 2022, divulgados pelo IBGE há duas semanas, mostraram que, pelo quarto ano consecutivo, houve queda no número de nascimentos, representando o menor número desde 1977. Isso significa que, mesmo que nosso bônus demográfico já esteja se encaminhando para o fim, ainda há tempo para aproveitá-lo investindo, mais e melhor, na primeira infância.

A estrutura demográfica antiga, com elevado número de crianças e jovens em relação à população adulta e idosa, é, aliás, parte importante da razão para a pobreza estar concentrada na primeira infância. Com um número relativamente menor de idosos na população, era mais fácil – do ponto de vista do impacto orçamentário – garantir uma renda mínima para esse grupo com políticas como o Benefício de Prestação Continuada, voltado para pessoas com renda per capita familiar inferior a ¼ do salário-mínimo, de 65 anos ou mais ou com deficiências severas.

Com os ventos demográficos mais favoráveis ao investimento na primeira infância por causa da queda na fecundidade, há outros riscos a serem considerados. Um deles é justamente a pressão pela diminuição da fatia proporcional do orçamento público destinado a áreas de educação e saúde. Hoje, as duas áreas são protegidas com o estabelecimento de pisos mínimos de investimento. Todavia, segundo o Relatório de Projeções Fiscais, divulgado recentemente pelo Tesouro Nacional, saúde e educação podem perder até R$ 504 bilhões em nove anos caso haja uma mudança nas regras do piso, uma hipótese frequentemente debatida. A disputa orçamentária entre as duas áreas também é um risco relevante para a primeira infância.

Há robusta evidência científica sobre os efeitos positivos e longevos, para toda a sociedade, do investimento nos primeiros anos de vida e na adolescência. Mas, para isso, não podemos – mais uma vez em nossa história – negligenciar políticas de infância e juventude. Isso envolverá tanto a garantia de financiamento adequado, quanto a busca permanente pelo uso mais racional e eficiente dos recursos disponíveis.

*Economista, Superintendente Executivo do Instituto Unibanco e Professor Associado da Fundação Dom Cabral

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