Interferir ou não? Psicanalista explica como pais devem lidar com problemas enfrentados pelos filhos na escola

Mônica Donetto Guedes atende famílias há mais de 20 anos e é uma das autoras do livro "Pais (não) nascem prontos: adolescentes"

Por — Rio de Janeiro


Mônica Donetto Guedes: Psicanalista lançou o livro 'Pais (não) nascem prontos: adolescentes', sobre questões enfrentadas na puberdade Divulgação

Os pais devem dar autonomia aos filhos adolescentes para resolverem seus problemas, inclusive os ocorridos no ambiente escolar, o que não quer dizer que não devam estar a seu lado para orientá-los e ajudá-los quando necessário. Este equilíbrio delicado é o que defende Mônica Donetto Guedes, que mantém a clínica Apprendere, no Downtown, e atende famílias há mais de 20 anos. A psicanalista é a coordenadora e uma das autoras dos livros "Pais (não) nascem prontos!" e “Pais (não) nascem prontos: adolescentes”, sequência de lançada em agosto, no qual profissionais como psicólogos, nutricionistas, ginecologistas, advogados e psicopedagogos abordam diferentes aspectos desta fase da vida.

No livro, você assina o artigo “Carta de uma jovem homossexual aos seus pais”, sobre sexualidade. De que forma o tema conecta adolescente, família e escola?

O texto aborda a fluidez da sexualidade, sobretudo nas mulheres, observada ao longo de anos de experiência lidando com meninas que ora se posicionam como bissexuais, ora como lésbicas, e assim por diante. Defino as diferentes orientações sexuais e mostro como esse processo se constitui. A família precisa entender o que é esse corpo fluido para aprender a lidar com a sexualidade, assim como é fundamental que a escola inclua no seu planejamento discussões sobre a questão, que é algo inerente ao ser humano. É responsabilidade da escola mostrar como cada sujeito se apresenta, a fim de evitar desrespeito com o outro. O que há hoje em dia é muito preconceito para se falar de sexualidade, como se o debate fosse estimular o jovem a viver experiências. Há uma confusão sobre o que é tratar de orientação sexual e o sexo propriamente dito.

Qual deve ser a conduta dos pais quando o adolescente é vítima de bullying na escola, seja pela orientação sexual ou outro motivo?

É muito bom quando um jovem chega em casa e consegue contar para os pais suas angústias, mas percebo que isso é muito raro. Por isso, cabe muito a eles e à escola observar seu comportamento: se está muito fechado, se começou a se isolar demais, se mudou algo na rotina...Ao constatar algo de errado, o passo seguinte é procurar a instituição, que deve fazer um trabalho de orientação com os colegas que estão causando o sofrimento, para que ressignifiquem suas ideias e comportamentos. Muitas vezes, os meninos que praticam bullying ligados à sexualidade, por exemplo, estão muito angustiados com as sensações do próprio corpo. Acreditam que desejos que sentem podem colocá-los no lugar de homossexual, e acabam projetando isso fora deles.

E quando o filho é quem pratica o bullying?

Temos tendência a nos preocuparmos mais com a criança que sofre e não consegue sair dessa condição e adoece. Mas precisamos também olhar para o sofrimento desses meninos e meninas que são os que fazem o bullying, porque também estão adoecidos; estão expressando algo sobre eles pelo caminho da agressividade. Os pais precisam escutar e tentar entender o que está por trás disso. Nos dois casos, questões pontuais muitas vezes podem ser trabalhadas pela família. No entanto, se houver uma denúncia de algo muito difícil de ser vivido na instituição escolar ou familiar, já se entra no campo do trauma, e talvez seja preciso um profissional para ajudá-lo nessa travessia.

Como os pais devem lidar com o mau rendimento escolar dos adolescentes?

Essa questão é complexa. Muitas vezes há uma inadequação da própria escola em lidar com o desenvolvimento cognitivo de cada aluno, não respeitando o tempo de cada um. Há professores que são ótimos teóricos, mas não sabem lidar com o ser aprendente. Por outro lado, temos observado famílias que não se responsabilizam por orientar seus filhos no modo de estudar e cobrar dedicação. Os pais, muitas vezes, escolhem uma escola que não fala a mesma linguagem da família. Por exemplo: o ambiente de casa é desorganizado e há uma dificuldade em lidar com limites, e então se opta por uma instituição tradicional a fim de que ela resolva isso. Mas a escola não vai fazer por você; ela precisa fazer com você. Os dois precisam estar em consonância, para quando a escola cobrar, os pais entenderem o que está sendo exigido.

Por isso, acho que não existe a melhor escola. A melhor opção é aquela em acordo com o modo como a família funciona e que tenha o formato mais adequado ao adolescente. Um filho pode funcionar mais com o formato tradicional e outro numa escola construtivista, que respeita vários tipos de experiências.

Nos deveres de casa, os pais devem ajudar?

A responsabilidade é do filho. Não sou a favor de que o pai ou a mãe se sente ao lado e fique ali junto, como se ele só fosse fazer a atividade porque tem a presença daquela figura. Os pais não podem se tornar esse objeto de fetiche do filho. Senão o passo seguinte é o filho só querer fazer se os pais estiverem ali. O dever de casa é para fazer com que aquele aluno possa rever o que aprendeu e o que não aprendeu, e as escolas devem ter essa percepção. Se o aluno não conseguiu resolver uma questão é porque teve dificuldade em aprender ou porque o professor não soube passar o conhecimento. Por isso, os pais não devem corrigir os deveres feitos pelos filhos.

Quando as crianças são pequenas, devem apenas olhar para saber se fizeram e, se não, saber por quê. É preciso ensinar desde sempre que os filhos têm a obrigação de ir à escola, estudar e fazer os deveres. Se não cumprirem, vão ter que perder alguma coisa. Se os pais não fazem nada, não cobram, os filhos vão entender que podem ficar em dívida, que nada vai acontecer. Os pais se tornam, então, reféns do filho e perdem cada vez mais a autoridade.

Quando os filhos estão tendo problemas de relacionamento com um professor, o que fazer?

Os pais vão precisar fazer uma interferência direta de imediato, porque a criança sozinha tem mais dificuldade e menos autonomia para expressar aquilo que ela sente. Cabe aos pais entrarem em contato com o psicólogo escolar, com o coordenador pedagógico, contando para os profissionais o ocorrido, o que foi trazido pelo filho e o quanto ele está sofrendo e pedir que a escola faça uma mediação. E cabe à escola fazer uma devolução para esses pais. Os pais precisam cobrar da escola o que foi feito, o que o professor falou, se houve uma reunião do professor com a criança junto com esse profissional da escola, para que as questões possam ser esclarecidas e resolvidas.

Com o adolescente, eu penso que os pais podem, no primeiro momento, dar essa autonomia para o jovem, dizendo a ele que deve comunicar o fato à escola, aos profissionais do setor de psicologia, pedindo que haja uma intervenção. Mas o pais precisam procurar saber desse adolescente se as medidas foram tomadas, se houve uma conversa com o professor. Não podemos esquecer que o professor é um ser humano e, por mais que ele seja um educador e tenha que cuidar daquilo que faz na sala de aula, em algum momento pode errar. O mais importante é que aquilo que aconteceu de errado possa ser conversado para que haja uma retratação. Vemos muitas vezes que o professor pensa que ser autoridade é se manter como se estivesse acima do aluno, e, na verdade, precisamos que haja respeito nessa relação.

O que pode ser motivo para os pais mudarem os filhos de escola?

Um pai deve mudar o filho de escola quando já não acredita mais naquele projeto pedagógico. Ou quando observa que aquele projeto, por mais que seja interessante, não está funcionando para o seu filho. Outra razão é quando a escola deixa de olhar integralmente para aquele aluno, enxergando-o apenas como um número, visto apenas pelos resultados que apresenta do ponto de vista pedagógico, e desconsiderando as relações dentro da instituição e as emoções. Não podemos desconsiderar que a escola é o primeiro exercício social da criança, que vai lidar com uma série de atravessamentos. Esperamos que a criança e o adolescente sejam respeitados como um todo. Essas experiências, sejam com os colegas, sejam com os professores, vão marcar quem eles vão ser.

Como os pais podem saber se devem interferir ou não numa situação envolvendo seu filho no ambiente escolar?

Quando contratamos uma escola, devemos conhecer bem a instituição, porque vamos precisar confiar muito naquele projeto e nas pessoas que são os representantes de tudo o que vai acontecer na relação com a criança e o adolescente. Precisamos entregar nossos filhos e saber que eles estão cuidados e seguros, tendo adultos que serão referências para eles e a quem vão poder recorrer quando se sentirem vulneráveis. O aluno está ali num grupo social, com outros adolescentes como ele, que também vivem milhões de experiências fora da escola e que levam para dentro dela suas dores e angústias, que podem, muitas vezes, machucar o outro pelo modo como vão ser projetadas. A instituição tem que estar preparada para absorver todas essas emoções.

Sempre falo que os pais devem ir para uma primeira entrevista, uma segunda entrevista, saber quem vai acompanhar psicologicamente as questões da criança e da turma, como os professores são orientados, se a escola oferece espaço para que os educadores estudem aspectos psicológicos que dizem respeito à educação. Devemos olhar também para o que essa escola oferece ainda a nível de desenvolvimento socioemocional para os alunos. Há um espaço de troca sobre as questões que acontecem no mundo? Tem que ter isso no projeto pedagógico. Mas, se acontecem situações que a escola não consegue resolver diretamente com o aluno, essa instituição também deve ser um ambiente de abertura para que os pais possam entrar e questionar os acontecimentos.

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