Brasil

Instituto para surdos ligado ao MEC tira do ar vídeos de esquerda

TV Ines, comandada por órgão vinculado ao Ministério da Educação, retirou da internet programas sobre personagens como Karl Marx, Friedrich Engels, Marilena Chauí e Jean Wyllys
Cena da entrevista do deputado Jean Wyllys ao programa "Café com Pimenta", da TV Ines, ligada ao Instituto Nacional de Educação de Surdos, órgão do Ministério da Educação; vídeo foi um dos que foram tirados do ar sem explicação Foto: Reprodução
Cena da entrevista do deputado Jean Wyllys ao programa "Café com Pimenta", da TV Ines, ligada ao Instituto Nacional de Educação de Surdos, órgão do Ministério da Educação; vídeo foi um dos que foram tirados do ar sem explicação Foto: Reprodução

RIO - Primeiro canal brasileiro para surdos, com programação em Libras (Língua Brasileira de Sinais) e transmissão pela internet, a TV Ines se orgulha de ser "acessível sempre", como diz seu slogan. Isso é, a menos que o espectador esteja procurando por programas antigos que tratavam de pensadores ou políticos de esquerda, como Karl Marx e Jean Wyllys.

Ligada ao Instituto Nacional de Educação para Surdos (Ines), órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC), a TV tirou do ar uma série de vídeos que abordavam personagens ou temas associados à esquerda, como informou Ancelmo Gois em sua coluna de hoje no GLOBO.

Entre os vídeos retirados do ar — tanto do site da TV Ines quanto de sua página no YouTube — estão uma entrevista do deputado federal Jean Wyllys ao programa "Café com Pimenta", que foi ao ar em dezembro de 2014 e havia tido 3.597 visualizações.

Também sumiu um episódio do programa "Manuário" dedicado à vida de Karl Marx, que era apresentado como "um revolucionário pensador alemão que foi um dos redatores do manifesto comunista e fundador do marxismo". Publicado em dezembro de 2015, havia sido visto 5.940 vezes até ser tirado do ar.

Outros nomes ligados à esquerda, como Friedrich Engels, Antonio Gramsci e a brasileira Marilena Chauí, também foram expurgados da programação, segundo denúncias publicadas nas redes sociais.

Uma delas foi postada por Odara Flores, estudante de pedagogia no Ines e representante dos alunos no conselho diretor do instituto. "Com a notícia do exílio de Jean Wyllys, uma de nossas professoras se lembrou que ele já esteve em um programa de entrevistas para a TV Ines e, para sua surpresa, e de todos nós, descobriu que o programa estava indisponível", escreveu a estudante.

"Começamos uma busca por conteúdos e descobrimos que muitos episódios do programa 'Manuário', que fala da vida e obra de teóricos conceituados no mundo todo, foram RETIRADOS DA GRADE. (...) Retirar um conteúdo que, por vezes, pode ser a única fonte de conhecimento que acesse diretamente a população surda em sua língua materna é algo tão grave que eu mal consigo mensurar", completou Odara.

Procurada pelo GLOBO, a assessoria do Ines afirmou que a direção foi surpreendida pelo sumiço dos vídeos. "Não houve ordem da direção, ficamos sabendo disso no fim de semana, por terceiros que mandaram para nós pelas redes sociais. Fomos pegos de surpresa. Ontem, mandamos um ofício para a TV Ines para saber o que houve", afirmou a assessoria. Segundo ela, a TV pediu um prazo de três dias para dar explicações.

Continuam acessíveis outros episódios dos mesmos programas, como os do "Maunário" que tratam de Spinoza, Platão e mesmo do patrono da educação brasileira, Paulo Freire, e os "Café com Pimenta" em que são entrevistados Flávia Oliver (bailarina, atriz e surda), o chef Gabriel Morales e o professor e ator Valdo Nóbrega, entre outros.

Polêmica na escolha da direção

Criado em 1885, o Instituto Nacional de Educação de Surdos subsidia a formulação de políticas públicas na área de surdez e apóia sua implementação. Ele atende atualmente cerca de 600 alunos, da educação infantil até o ensino médio.

A acusação de censura na TV Ines não é a primeira polêmica do instituto no atual governo. Ao escolher o novo diretor-geral do Ines, no início deste ano, o ministro da educação, Ricardo Vélez Rodríguez, ignorou o vencedor da eleição interna e nomeou Paulo André Martins de Bulhões, que havia ficado em segundo lugar.

O regimento da instituição determina que o diretor-geral do instituto, que tem mandato de quatro anos, seja eleito por meio de lista tríplice. Por esse sistema, uma lista com os três nomes mais votados pela comunidade é apresentada ao ministro, que define quem será nomeado. Foi a primeira vez que o vencedor da eleição no Ines não foi escolhido pelo ministro da Educação para o cargo de direção.

Segundo alunos e funcionários, havia um compromisso entre os candidatos para que, se o indicado pelo ministro não fosse o primeiro nome da lista tríplice, o escolhido se negaria a assumir. O acordo não teria sido cumprido por Bulhões.