Instituições ofertam formação antirracista para profissionais da educação

Objetivo é ressignificar olhar de educadores das redes pública, privada e do terceiro setor para equidade racial

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São Paulo

Na busca por combater o racismo, instituições têm oferecido formações em educação antirracista a profissionais da rede pública, privada ou de organizações do terceiro setor. Um dos intuitos é proporcionar ferramentas para que o conteúdo passado dentro da sala de aula seja ressignificado.

Caso do Centro de Formação da Vila, que oferta cursos didático-pedagógicos. Para a coordenadora da entidade, Cléa Maria da Silva Ferreira, a crescente adesão a esse tipo de formação evidencia uma mudança importante.

"Anteriormente, víamos um professor individualmente, que teria de atuar com afinco para ver mudanças no ambiente escolar. Hoje, vejo um avanço e um momento no qual grupos institucionais estão buscando meios para que a educação antirracista chegue de forma consistente nas escolas. Penso que esse debate será ampliado ano a ano."

Cléa Ferreira, coordenadora do Centro de Formação da Vila
Cléa Ferreira, coordenadora do Centro de Formação da Vila - Divulgação

Ela lembra que, na rede privada, onde há maioria de estudantes brancos, a educação antirracista contribui para construir líderes de futuro comprometidos com a luta antirracista. "Um dos desafios dos professores da rede privada é promover o encontro de diferentes olhares e experiência."

Caso de Haiana dos Santos Rodrigues Lima, professora de história no Ensino Fundamental I da Escola Parque, do Rio de Janeiro, instituição particular do Grupo Bahema, que integra o Centro de Formação da Vila.

Em 2021, a pedagoga trabalhou com seus alunos, que têm entre 10 e 11 anos e são 98% brancos, o projeto "Por uma escola antirracista", contando histórias de personalidades negras durante quatro meses.

Ela escolheu não começar a abordagem das aulas pela história da escravidão, embora seja especialista em história e cultura afro-brasileira e em história da diáspora e do tráfico transatlântico.

"Antes, quis criar um olhar nos alunos voltado para a potência e o pioneirismo da cultura negra. Eles montaram um site com as histórias de Menininha do Gantois, Elza Soares, Gilberto Gil, Emicida, entre outros."

Os estudantes passaram a dividir o conhecimento com familiares. "Em março, há a semana antirracista na escola, lugar de fala para refletir com as famílias."

Apesar de Haiana ponderar que o tema é urgente e que as instituições têm buscado maneiras de avançar no debate, ainda há muito a se fazer. "Há um letramento racial dos professores, já participamos de diversas palestras, mas não podemos cair apenas no politicamente correto, fazer projetos somente para aparecer nas fotos."

Ativista do Movimento Negro, ela destaca que há problemas na formação dos professores, que precisam se desafiar e talvez até jogar fora o que aprenderam e se reconstruir.

"Primeiro deve ocorrer a mudança interna, o interesse em introduzir o conteúdo em sala de aula, mas já ouvi de colegas que esse assunto é repetitivo. Quero realmente um dia não falar mais sobre isso, mas hoje ainda é urgente."

A lei 11.645/08, que estabelece a inclusão obrigatória da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena" no currículo oficial da rede de ensino, é antiga. "Mas não podemos esperar que mais uma geração cresça para que as coisas mudem", diz ela.

No momento, Haiana participa de uma formação de cinco meses oferecida pelo grupo no qual atua e aberta a outros interessados.

"O curso tem base teórica, além da experiência de imersão de uma semana em Salvador, berço do Brasil, onde se respira a cultura negra, artística e intelectual da maior população negra fora do continente africano", explica Cléa Ferreira, coordenadora do Centro de Formação da Vila.

Nesse período, os educadores terão contato com movimentos, como o Ilê Aiyê e escolas de referência étnico-raciais. No dia 30 de maio, a palestra "Repensando a educação numa perspectiva antirracista" será oferecida gratuitamente ao público em geral. Basta fazer a inscrição.

Para ela, obter uma formação antirracista não garante as mudanças necessárias, mas ao longo do tempo vai se traduzindo na seleção de conteúdos e no envolvimento da comunidade escolar para que haja reestruturação do currículo.

Isso inclui revisão de livros didáticos, materiais de apoio e a reconfiguração da prática pedagógica não apenas como professor acadêmico, mas em suas relações familiares e com os alunos.

Projeto conta com experiência de organizações para educação antirracista

O Projeto Seta, que reúne sete organizações, oferece múltiplas ferramentas para fazer avançar a equidade racial no Brasil.

A iniciativa conta com a Ação Educativa, o Geledés - Instituto da Mulher Negra, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos), a Makira-E'ta, a ActionAid e a Uneafro Brasil.

"É uma formação continuada, iniciada em 2022, mas que tem um programa de oito anos", afirma Ana Paula Brandão, diretora programática da ActionAid. "São realizadas ações simultaneamente, como pesquisa de campo, produção de um material sistêmico e relatórios."

Integrantes das sete organizações que formam o Projeto Seta
Integrantes das sete organizações que formam o Projeto Seta - Gabriel Monteiro/Divulgação

Uma das bandeiras do projeto é a articulação com organismos internacionais e ministeriais para que leis sejam implementadas. Outro ponto é a plataforma formativa para que professores possam estruturar aulas sobre equidade racial, com olhar diferenciado para a educação quilombola e indígena.

"O objetivo é que ensinem de acordo com a realidade de cada território, de cada estudante, com representações de todos os corpos. Na rede pública de ensino a maioria dos estudantes não são brancos."

Ana Paula Brandão, diretora programática da ActionAid, responsável pela gestão do Projeto Seta
Ana Paula Brandão, diretora programática da ActionAid, responsável pela gestão do Projeto Seta - Zô Guimarães

Ela destaca que os piores resultados de evasão escolar são de crianças negras, periféricas, quilombolas e indígenas —e que o Estado falha ao não oferecer uma educação que as insira, especialmente com a pandemia e a pobreza dos últimos anos.

"A educação é um dever e um direito de todos nós e nenhum setor pode se isentar de sua parte. Por isso, o Projeto Seta tem um olhar de 360º para transformar não apenas professores, mas comunidade escolar, famílias, todas as pessoas que trabalham na educação."

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