Ricardo Henriques
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O Brasil vivenciou nas duas primeiras décadas deste século um aumento histórico no número de jovens negros, indígenas e pobres que, pela primeira vez em suas famílias, conseguiram chegar ao ensino superior. Essas conquistas, porém, são insuficientes frente à dívida histórica do país com esses grupos e ficaram sob risco diante do descaso do governo anterior.

Para retomar e qualificar a trajetória de democratização do acesso, além da necessidade urgente de recomposição do investimento público nesta etapa, precisaremos encontrar formas de aumentar sua eficiência.

A pergunta é como fazer isso. Parte da resposta passa por uma análise aprofundada dos gargalos existentes do momento em que o jovem decide disputar uma vaga numa universidade até a obtenção do diploma.

Um primeiro ponto de atenção está na queda abrupta do número de inscritos no Enem. Por múltiplas razões — pandemia, crise econômica, desinteresse dos jovens e maiores restrições na isenção de taxa —, o total de inscritos caiu de 8,6 milhões para 3,4 milhões entre 2016 e 2022. Após o Enem, ocorre a escolha do curso por meio do Sisu, que ampliou o leque de possibilidades dos candidatos ao permitir identificar em quais cursos, em todo o Brasil, a nota obtida seria suficiente para o ingresso.

A complexidade do sistema, alinhada à queda no número de inscrições, induziu um efeito colateral indesejado: o aumento de vagas não preenchidas em universidades públicas.

Quem identificou esse problema, em estudo preliminar, foi o pesquisador Daniel Castro, do Laboratório de Pesquisa em Oportunidades Educacionais (LaPOpE/UFRJ). De acordo com os cálculos de Castro, nos microdados do Sisu, em 2017, apenas 462 vagas públicas ficaram ociosas, sem que nenhum candidato se apresentasse para concorrer a elas.

Já em 2022, esse número chegou a 19.106, o que representa 6,7% das vagas oferecidas no sistema — afetando inclusive cursos mais concorridos, como Medicina e Direito.

Uma das possíveis explicações é a dificuldade de acesso a informações qualificadas que auxiliem nas decisões dos candidatos, gerando um gargalo alocativo. A escolha das vagas costuma ser através da nota de corte do ano anterior, que indica apenas o resultado da primeira chamada e não reflete as oportunidades através das listas de espera. Isso limita as estratégias dos candidatos e induz a escolhas pouco competitivas.

Considerando o custo por aluno no ensino superior público, o pesquisador estima que as perdas chegariam a aproximadamente R$ 1 bilhão por ano, num cenário em que essas vagas não sejam preenchidas.

O problema da ineficiência, no entanto, não termina quando os estudantes chegam à universidade. Dados do Censo da Educação Superior mostram que, em 2021, 48% e 55% dos alunos que haviam ingressado no ano de 2012 em instituições estaduais e federais, respectivamente, desistiram do curso antes de se formar.

Parte desses estudantes amplia o tempo de permanência, elevando o seu custo médio. A outra parte evade, sobretudo nos primeiros anos da graduação.

Uma das formas de se combater tais problemas é através do fortalecimento da orientação vocacional no ensino médio, fazendo com que os estudantes sejam não apenas incentivados a fazer o Enem, mas também melhor orientados em suas escolhas profissionais.

Outra proposta seria uma mudança de estrutura do ensino superior, a partir da implementação de ciclos comuns no início da graduação, dando ao estudante mais tempo para escolher a área em que vai se formar. É crucial também recompor e ampliar políticas de bolsas e apoio à permanência, como o Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes).

Algumas dessas soluções demandarão mais investimentos públicos. Outras dependem de um melhor uso dos recursos disponíveis. Precisaremos, nesses e em outros problemas não citados aqui, atuar sempre nessas duas direções diante do enorme desafio que temos à frente.

Sabemos que o diploma universitário contribui para aumentar a empregabilidade, a renda individual, o desenvolvimento econômico, bem como para reduzir a desigualdade. Mas deixar que milhões de jovens não alcancem seu potencial é, sobretudo, um enorme desperdício de talentos.

*Ricardo Henriques, economista, é superintendente-executivo do Instituto Unibanco e professor associado da Fundação Dom Cabral

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