Por TV Clube e Ilanna Serena*, g1 PI


13 de Maio: Abolição não deu liberdade real aos negros

13 de Maio: Abolição não deu liberdade real aos negros

O Piauí carrega uma desafiadora herança colonial, mesmo 134 anos após a abolição da escravatura, relembrada nesta sexta-feira (13). As desigualdades raciais marcam mulheres e homens pretos e pardos, que representam 80% da população total do estado, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em 1888, a assinatura da Lei Áurea aboliu a escravidão no Brasil. Para a presidente do Instituto da Mulher Negra do Piauí, Haldaci Regina, a data deve resgatar o protagonismo de quilombos, símbolos de resistência e libertação.

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“Nossa capacidade intelectual é uma denúncia. O estudar, o ocupar uma gestão vai debater com o que a história está dizendo. Nós não tínhamos direito à fala, que é parte da preservação da nossa cultura, da nossa história de luta e sabedoria”, comentou.

Historiador fala sobre a condição de pessoas negras após abolição da escravatura — Foto: Arquivo Pessoal

Para a coordenadora do Projeto Vozes dos Quilombos, a defensora pública Karla Andrade, o cenário é excludente e desfavorece, por exemplo, o acesso de negros à educação e ao mercado de trabalho. No país, empresas ainda tem baixa representatividade da população na liderança de operações.

“A gente não pode esquecer que está falando do Brasil, que foi colônia de um país europeu. E uma colônia com características de exploração, de dizimar, apagar. Aqui nós tínhamos já saberes, culturas, religiões e isso tudo foi apagado, sufocado e a população negra escravizada".

“A população negra ainda luta muito todos os dias para alcançar as salas de aula, cursos de qualificação e oportunidades de trabalho. Há um completo despreparo da sociedade civil e instituições em entender esse contexto de uma herança colonialista e racista”, destacou a defensora.

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Dados do IBGE, divulgados em 2019, mostram que a informalidade atinge 47,4% dos trabalhadores negros no Brasil. No Piauí, essa população ganha em média cerca de R$ 5 mil a menos que brancos. Em todo o país, entre as pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza, 70% são negros ou pardos.

“O que a gente observa é que já há um discurso, mas não uma prática, um reconhecimento, ‘o que eu faço que exclui? O que posso fazer pra incluir?’”, questionou a coordenadora do Projeto Vozes dos Quilombos.

Em entrevista à TV Clube, a professora da Universidade Estadual do Piauí, a historiadora Iraneide Soares da Silva, destacou que o cenário de diferenças entre negros e brancos pode ser transformado com uma maior participação em espaços educacionais.

Indicadores de educação e trabalho no Piauí apontam desigualdade racial mesmo após 134 anos de abolição — Foto: Reprodução/TV Clube

Durante a pandemia, 4,3 milhões de alunos negros, pardos e indígenas da rede pública ficaram sem atividade escolar em casa. Entre os estudantes brancos, foram 1,5 milhão sem atividades, conforme levantamento do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e da Rede de Pesquisa Solidária.

“Tivemos avanços nos últimos 20 anos, no tocante de políticas afirmativas, de inclusão, a inserção da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na educação superior. Todavia, a gente tem muito a conquistar", comentou historiadora Iraneide Soares.

Manifestações culturais

O aquilombamento é uma forma de fortalecer a luta e valorização da identidade negra, caracterizada por elementos como a dança. Para o mestre de capoeira Leônidas Ferreira, o 'Boquinha', as manifestações culturais da população ainda não têm o merecido destaque.

“A capoeira tem dentro dela, na musicalidade e nos rituais, um ponto pra gente fazer o resgate da nossa cultura, que na verdade é muito escondida. A gente tem a história oficial do provo preto e a história real. A capoeira traz o orgulho de ser preto", declarou.

Indicadores de educação e trabalho no Piauí apontam desigualdade racial mesmo após 134 anos de abolição — Foto: Reprodução/TV Clube

O capoeirista reforçou a necessidade da promoção de políticas públicas que combatam de forma efetiva, o racismo estrutural.

“A gente é renegado sempre a situações do segundo plano, não de primeiro plano. Isso vem muito do que aconteceu no passado. Imagine a seguinte situação: você trabalha no campo, colhendo café, cana e de repente se vê sem essa função, é posto para fora, sem nada, sem conhecer nada", afirmou.

"Então a gente vai parar nas favelas, nos guetos, e isso vem se perpetuando até hoje. Existe um conceito de não nos dar esse espaço, que a gente está abrindo na força”, acrescentou o mestre de capoeira.

Ao g1, o escritor Ruimar Batista, integrante da Academia Teresinense de Letras, reforçou ainda que o debate racial em torno do racismo no Brasil e no mundo deve ser ampliado.

"É um dia para a população negra festejar, agradecer a conquista de liberdade? Refletir sobre o 13 de maio sem discorrer sobre negritude, meritocracia branca, privilégios brancos, colonização mental e descolonização mental é não querer trabalhar pela verdadeira abolição", completou.

*Ilanna Serena, estagiária sob supervisão de Lucas Marreiros.

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