95 anos

Inclusão e diversidade são fundamentais para a educação, apontam especialistas

O CEO da ONG Gerando Falcões, Edu Lyra, e os colunistas Míriam Leitão, Antônio Gois, Luana Génot e Bernardo Mello Franco participaram do debate on-line 'Educação para diversidade - A luta contra desigualdades'; em semana de comemorações pelos 95 anos do GLOBO, jornal realiza lives ao longo da semana
Os colunistas Míriam Leitão, Antônio Gois, Bernardo Mello Franco e Luana Génot e o CEO da ONG Gerando Falcões, Edu Lyra Foto: Reprodução
Os colunistas Míriam Leitão, Antônio Gois, Bernardo Mello Franco e Luana Génot e o CEO da ONG Gerando Falcões, Edu Lyra Foto: Reprodução

Mergulhado em uma crise sanitária, política e econômica a situação do Brasil é complexa, mas pode ser revertida a partir de uma área chave: a educação de qualidade. Para isso, é preciso tonar o sistema educacional brasileiro mais inclusivo, para que ele ofereça ensino público de alto nível à população mais pobre e negra.

O tema foi debatido por colunistas do GLOBO e especialistas na área, nesta terça-feira, na live "Educação para diversidade - A luta contra desigualdades". O evento em comemoração aos 95 anos do GLOBO , teve a participação dos colunistas Luana Génot , Antônio Gois, Bernardo Mello Franco e Míriam Leitão; e do CEO da ONG Gerando Falcões, Edu Lyra. O jornal vai promover uma série de debates on-line ao longo desta semana. Confira a programação.

Reconhecendo a educação como um caminho fundamental para o país, a colunista Luana Génot apontou a necessidade de se observar variáveis dentro tema, levando-se em conta uma educação que se proponha a ser antirracista. Para ela, o ensino no Brasil hoje é absolutamente eurocentrado e baseado em autores homens, por exemplo.

— A educação que se propõe ser mais libertadora tem que ser multirreferenciada — defendeu Luana, destacando que o Brasil, de maioria negra, deve ter mais autores negros como base de ensino.

Para a colunista, é preciso ampliar a visão que temos da educação para não continuar reproduzindo os mesmos vieses de antes.

Garantia da equidade

Especialista em educação, o colunista Antônio Gois defendeu a importância de garantir a equidade no sistema educacional brasileiro. Segundo ele, há uma falsa ideia de que a educação no passado era melhor do que agora:

— Há um mito de que a gente teve no passado uma educação de qualidade e basta olhar as estatísticas do passado para perceber que nosso sistema sempre foi uma máquina de exclusão em massa.

Para ele, o discurso pautado na meritocracia não contribui para modificar esse cenário de exclusão:

— O que é a desigualdade brasileira? Os alunos que mais precisam do sistema são os que têm acesso às piores condições. A gente sabe que os estudantes herdam uma desigualdade que vem de berço. Os melhores sistemas do mundo olham para todos com a chave da equidade. Quanto mais trabalhamos na chave da equidade, mais talentos temos. E mais alunos de alto desemprenho temos. Não é excluir o mérito por completo, mas, para ter meritocracia, tem que ter oportunidades iguais.

Tecnologia para poucos

Edu Lyra também defendeu uma educação com atenção maior aos alunos que vêm de situações de vulnerabilidade. Para ele, a tecnologia está fazendo uma revolução, mas não pode ser usada só economicamente. O modelo digital precisa ser adotado para conseguir compreender o país e seu povo, para criar políticas públicas através de dados.

Os debatedores falaram ainda sobre a importância de fornecer acesso à tecnologia às populações mais pobres, o que se tornou urgente durante a pandemia, quando as escolas dependem do ensino remoto.

Míriam Leitão apontou que a exclusão digital torna a nossa desigualdade mais "violenta e aflitiva" para quem não tem acesso à educação à distância.

A colunista ainda destacou as discrepâncias entre a rede pública e privada. Referindo-se a dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2017, Míriam citou que o percentual de alunos com aprendizagem adequada em português no quinto ano do ensino fundamental era de 83,3% na rede privada e de 56% na pública:

— Ambos os sistemas precisam melhorar, mas essa distância entre eles precisa diminuir radicalmente para a construção do princípio constitucional da igualdade.

Lyra ressaltou que, se as classes média e alta já encontram dificuldades, a situação se torna mais complexa ainda para quem não tem internet em casa.

—  É como se esse jovem estivesse com uma venda nos olhos e não pudesse enxergar o futuro, porque não tem acesso à informação, ao desenvolvimento e a todo tipo de comunicação para o crescimento educacional. Eu acho que a Covid-19 colocou uma lente de aumento sobre os grandes problemas do país, e um deles é o tema da exclusão digital — afirmou.

Acesso ao Ensino Superior

O colunista Bernardo Mello Franco opinou que as desigualdades culminam, muitas vezes, na interrupção dos estudos pela população mais pobre.

— A educação pode ser uma ferramenta muito poderosa para reduzir a desigualdade, mas também para perpetuá-la. Foi assim que o sistema funcionou por muitos anos. O Brasil aprendeu a naturalizar o que não é natural. Estruturou um sistema em que a classe média e os ricos colocam seus filhos nas escolas particulares e, no final, eles vão para universidade pública.

De acordo com ele, no entanto, o acesso vem sendo democratizado nos últimos anos, sobretudo com as políticas de ações afirmativas.

Para a colunista Míriam Leitão, "educação para a diversidade" é um tema inesgotável:

— Precisamos discutir cada ponto. Educar para diversidade é derrubar cada barreira, cada palavra errada dentro da escola. Construir a maneira como se olha a História do Brasil, com protagonismo dos negros e das mulheres.

Mercado de trabalho

Além da garantia de acesso à educação de qualidade, a inserção de pessoas pobres e de negros no mercado de trabalho é outro passo que o país precisa dar para avançar em seu desenvolvimento. CEO do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), Luana Génot defendeu que as empresas estabeleçam metas para a contratação de profissionais com esses perfis.

— Ou a gente olha mais intencionalmente para esses segmentos da população, criando políticas segmentadas, que são políticas de equidade para criar condições iguais ou a gente não vai avançar. É um grande alerta e uma grande provocação para que empresas públicas e privadas criem politicas segmentadas para que a gente, intencionalmente, recrute, acelere e possa potencializar talentos negros e periféricos para que no futuro próximo a gente possa criar oportunidades iguais. Senão a gente vai afundar nesse barco diante dessa pandemia ainda mais do que antes — afirmou.

À frente da Gerando Falcões, uma plataforma de impacto social que acelera ONGs em todo o país, especialmente dentro de favelas, e já mobilizou mais de R$ 20 milhões com mais de 20 mil doadores, Edu Lyra declarou que o "o Brasil adora perder uma oportunidade e perder talentos".

— Nós estamos desperdiçando talento [...] Nós pilotamos uma iniciativa em mais de 400 favelas, mobilizamos milhões de reais, geramos centenas de empregos na favela, mas eu concluí o ensino médio no supletivo e não tenho diploma na universidade. Será que eu seria recrutado pelo RH de alguma multinacional, preto, filho de um ex-bandido, criado num barraco? Não seria. Não teria lugar pra mim. Então o Brasil precisa fazer uma revolução no seu RH, precisa repensar como a gente recruta gente — argumentou.

Conduzir melhorias em todo o sistema educacional e obter resultados melhores no mercado de trabalho no que diz respeito à inclusão não é uma tarefa fácil, mas que acaba sendo ainda mais prejudicada pela falta de gestão eficiente por parte do governo federal.

MEC ineficiente

Antônio Gois apontou que, por mais que o Brasil invista em educação em números gerais patamar semelhante ao de nações desenvolvidas, esse montante representa 40% em comparação quando se leva em conta o que se gasta por aluno.

— Temos que lidar com os dois números, porque um fala do esforço possível e outro fala do quanto isso se reflete na ponta. Outro erro da tese de quem usa esse dado isoladamente, dizendo que o Brasil não precisa aumentar gasto é desconsiderar o contexto histórico — analisa. — Vários estudos têm mostrado que tem uma certa relação entre gasto e desempenho até um certo limite e o Brasil está bem abaixo desse limite. Quando tem pouco dinheiro para investir não se consegue colocar uma escola ao lado de uma comunidade que precisa, não consegue consertar o teto que está vazando, pagar um mínimo salário que atraia um professor que tenha ao menos nível superior completo.

Colunista de política do GLOBO, Bernardo Mello Franco afirmou que, até o momento, um ano e meio após assumir, o governo Bolsonaro não tratou como se deve a área da educação.

—  É muito difícil verum poíitico dizer que é contra a educação, assim como não tem político que diz que é contra a luz e a água encanada. O problema é o que se faz com esse discurso, o discurso generalista acaba se esvaindo e serve apenas como fachada —  criticou.

Ao longo desse tempo, quatro pessoas já ocuparam o MEC. O primeiro deles, Ricardo Vélez Rodríguez, pupilo do guru bolsonarista Olavo de Carvalho; depois, Abraham Weintraub, que travou uma Guerra Cultural à frente da pasta e não implementou políticas eficientes; em seguida, Carlos Alberto Decotelli, que teve uma gestão relâmpago de apenas cinco dias e saiu após ser acusado de ter inconsistências em seu currículo. Agora, chega ao MEC o pastor Milton Ribeiro, que na opinião do colunista, ainda é uma "incógnita".

— O governo Bolsonaro entra em um ano e meio de existência com o quarto ministro da educação, que é pastor. Está há muito tempo afastado da sala de aula, é uma incógnita. Tomou posse com um discurso na superfície conciliador, com sinalização de diálogo, mas ao mesmo tempo não entrou no mérito de nenhum dos problemas concretos da educação brasileira, especialmente no problema da pandemia e de como a paralisação está aumentando a desigualdade de condições entre os estudantes.

Além da pandemia, outra questão com atuação desastrada do governo foi a aprovação do Fundeb, principal fundo de financiamento da educação básica. O Executivo ficou totalmente alheio à discussão e tentou, na última hora, propor um texto que desfigurava o documento proposto pela Câmara.

Míriam Leitão classificou a aprovação do Fundeb como um momento em que "a política foi política", com a construção de consensos ao longo do tempo. A jornalista comentou que a área econômica do governo Bolsonaro cometeu erros "constrangedores" no processo e, após ser derrotado, o presidente tentou dizer que ganhou, "como se a gente pudesse acreditar numa coisa dessas".