Por Caíque Rodrigues, Samantha Rufino, g1 RR — Boa Vista


Junior Hekurari e Ariene Susui comentam tema de redação do Enem 2022 — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR e Arquivo Pessoal/Ariene Susui

"Passou da hora de vermos essa diversidade sendo colocada em pauta em todas as instâncias da sociedade".

Ativistas da causa indígena de Roraima elogiaram o tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) neste domingo (13) que é "Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil". O presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana (Condisi-YY), Júnior Hekurari e a primeira indígena mestra em comunicação do Brasil, Ariene Susui, ao g1, descreveram a proposta de redação como "importante e urgente".

O tema proposto é o mesmo para quem faz o Enem Digital. A prova teve início às 13h30 no horário de Brasília. Os candidatos terão até as 19h para terminar o exame. A escolha de um tema que permite tratar da questão dos indígenas no Brasil ganhou elogios de professores, alunos e personalidades.

Para Júnior Hekurari, uma das principais lideranças da causa Yanomami no país, propor esse tema no Enem é um grande passo para discutir os direitos dos povos originários dentro da sociedade atual.

"É importante falarmos desse tema. A sociedade precisa entender que existem as comunidades e as tradições indígenas dentro do Brasil, principalmente os jovens, estudantes. É preciso colocar esses temas para que haja a discussão. Somos povos indígenas, somos brasileiros, temos diferentes culturas, línguas... Temos muita diversidade", destaca a liderança.

Hekurari também aponta a felicidade que é para ele, como indígena, ver essa proposta de redação em uma prova como Enem, onde milhares de jovens estudantes participam.

"Alguns estudantes conhecem nossa realidade, mas outros não têm esse conhecimento, pois dentro da sala de aula se fala muito da nossa história mas não é colocado em pauta a nossa luta que é diária dentro da floresta, dentro da Amazônia e em todos os lugares do Brasil".

Veja onde estão as mais de 650 mil famílias que se declaram como povo tradicional no país — Foto: Rodrigo Sanches/G1

"Esse tema chegou na hora certa, é o momento do Brasil nos enxergar", afirma Hekurari.

Já a jovem de 25 anos, primeira mestra em comunicação do Brasil, Ariene Susui do povo Wapichana, afirma que esse tema é importante não só para os povos indígenas, mas também para todas as comunidades tradicionais que vivem no país.

"Esse é muito importante para todos nós. Não só enquanto povos indígenas, mas também povos quilombolas e outros povos de comunidades tradicionais também. É o momento de exaltarmos essa diversidade tão grande no nosso país e especificamente, nós enquanto povos, mulheres, estudantes indígenas que estamos vendo esse tema pautado após anos de massacre e de genocídio", observa.

Por definição, "povo ou comunidade tradicional" são núcleos que têm nos territórios em que vivem e nos recursos naturais que utilizam a condição de sua existência e de sua identificação como um grupo culturalmente diferenciado.

Entre eles estão indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, extrativistas, ribeirinhos, ciganos e pertencentes a comunidades de terreiro, entre outros.

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Ariene também relembra a morte de uma mulher indígena, identificada como Ana Yanomami Xexana, assassinada a tiros na noite dessa sexta-feira (11) na zona Sul de Boa Vista.

"Agora tivemos a morte de uma parenta do povo Yanomami em Roraima, justo esta semana e esse tema vem exatamente em um momento importante, após esse desastre, essa tragédia. Isso não é uma questão isolada, é recorrente a violência em territórios indígenas. O tema é importante e urgente.".

"Esse tema vem para poder colocar isso em pauta: quem somos nós? Quais são as nossas lutas? Por que somos tão invisibilizados diante do poder público sendo que nós somos os povos que já estavam aqui? Nós trazemos toda essa ancestralidade e a séculos através de gerações enfrentamos todo o tipo de violência mas chegamos até aqui. Nós estamos aqui! Nós existimos!", finaliza a ativista.

Três indígenas macuxis e wapichanas sorriem em fotografia tirada em 1911 — Foto: Fotografia/Theodor Koch-Grünberg/Acervo/Maurício Zouein

Povos indígenas em Roraima

Roraima é o estado com a maior população proporcional indígena no país e tem o segundo maior número de localidades indígenas entre todos os estados, de acordo com dados Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Cerca de 11 grupos indígenas são originários de Roraima, entre eles estão o povo Macuxi, Yanomami, Yek’uana, Wapichana, Inagricó, Taurepang, Sapará, Wai-Wai e Waimiri Atroari.

Os dados também apontam que, dos dez municípios do Brasil com mais localidades indígenas, dois estão no estado. Alto Alegre, sendo a segunda cidade com mais localidades, com 149 e Uiramutã, na décima posição, com 91.

Já a terra com maior população indígena é a Yanomami, localizada no Amazonas e em Roraima, com 25,7 mil indígenas, correspondendo a 5% do total de indígenas do país. Em segundo vem Raposa Serra do Sol com 17 mil indígenas.

Em 2021, a Terra Indígena Yanomami completou 30 anos de demarcação. Mas, diante do aumento desenfreado de garimpos ilegais dentro do território onde vivem mais de 28 mil yanomami, da destruição ambiental, dos casos de doença e violência, a celebração destas três décadas ocorre em forma de luta e resistência em defesa da reserva.

A situação em que vivem os indígenas yanomami é tão séria que foi considerada de "extrema gravidade e urgência", com risco de "danos irreparáveis aos seus direitos no Brasil", pela Comissão Interamericana da Direitos Humanos (CIDH).

Tema elogiado e Bolsonaro citado

Nas redes sociais, o tema escolhido para redação do Enem foi elogiado e o presidente Jair Bolsonaro foi lembrado por sua política para a área, sobretudo em relação aos indígenas: ele prometeu ainda na campanha NÃO demarcar novas áreas.

Depois no poder, manteve a visão de que os indígenas são usados como "massa de manobra" por causa da criação de reservas indígenas.

Antes, ainda em 2018, na campanha eleitoral, disse que índios em reservas são como animais em zoológicos. No mês passado, Bolsonaro também afirmou: "Cada vez mais, o índio é um ser humano igual a nós".

Fotografia mostra indígenas dançando o parixara em frente ao Monte Roraima em 1911 — Foto: Fotografia/Theodor Koch-Grünberg/Acervo/Maurício Zouein

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