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ONU: Isolamento social nas escolas no Brasil pode afetar potencial produtivo de uma geração

Estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) concluiu que a tendência é de as desigualdades escolares aumentarem
Alunos da Escola Estadual Dom Pedro II, em aulas presenciais, em Manaus, uma das primeiras redes a retomar atividades em sala de aula. Foto: Fotoarena / Agência O Globo
Alunos da Escola Estadual Dom Pedro II, em aulas presenciais, em Manaus, uma das primeiras redes a retomar atividades em sala de aula. Foto: Fotoarena / Agência O Globo

RIO — Com mais de seis meses de pandemia da Covid-19 , a realidade das escolas do país mudou, e a desigualdade educacional tende a aumentar. Estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) concluiu que o impacto do isolamento social foi desproporcional e que isso pode prejudicar “o potencial produtivo de uma geração inteira”. Não é necessário comparar redes privadas com as públicas ou estados diferentes, essas distorções podem ser vistas dentro de uma mesma rede.

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— Temos escolas com realidades muito diferentes. Tivemos alunos que fizeram uma breve interrupção e já conseguiram voltar a ter aulas remotas frequentemente. Outros, em regiões mais rurais, não possuem sinal ou a família não tem recursos para celular. Agora, conseguimos providenciar chips com dados recarregados a cada mês para eles. Mas, entre eles, já existem meses de aulas de diferença — afirma Felipe Camarão, secretário estadual de educação do Maranhão, que destaca o desafio na volta às aulas presenciais: — Muito se fala da diferença entre a aula presencial e remota, mas na própria aula remota já há desigualdade. Quando voltarmos, teremos que pensar em cada realidade pois elas podem ter aprofundado desigualdades que precisamos cuidar.

Entenda: Pesquisa estima que volta às aulas pode causar infecção de até 46% de alunos por Covid

A secretaria de educação do Maranhão, antes da pandemia, realizava um trabalho, em parceria com o Unicef, que virou referência para combater a evasão de alunos. Tratava-se de fazer uma busca ativa em que um cadastro com alunos com potencial de evasão ou evadidos é criado, e um sistema o acompanha de forma a evitar que o estudante abandone a escola. O último recurso era um profissional ir até a casa do aluno para conversar com ele e com a família. Com a pandemia, esse trabalho foi interrompido.

— O impacto da pandemia na educação será muito grande. Podemos ver trabalhos de anos indo embora — afirma Camarão.

As histórias dos estudantes Erica Mendes e Artur Ferreira exemplificam esse cenário. Ele, que sonha em ser programador, teve um mês de interrupção de atividades, mas relata que, logo depois, as atividades continuaram. Ela, no 2º ano do ensino médio, estava sem celular e não conseguia usar o dos pais. Recentemente, sua mãe conseguiu comprar um aparelho e, agora, ela tenta recuperar o tempo perdido. Ambos são alunos da rede estadual do Maranhão.

— Eu vou ter que correr para recuperar o tempo perdido. Vou ter que conversar com os professores para eles me ajudarem. Os professores estão entrando em contato para que a gente não abandone — afirma Erica.

O papel dos professores nesse processo também é destacado por Artur.

— É impressionante o profissionalismo deles. Eles estão fazendo de tudo para conseguir estar o máximo com a gente — relata o estudante que era do ensino integral.

Para Wilson Chagas, gestor da escola Maria José Aragão, onde Erica estuda, esse quadro de desigualdade ficou mais evidente.

— Não foi nada fácil (retornar as aulas de forma remota). É uma escola pública e de periferia e temos um problema grave de desigualdade. A pandemia evidenciou cada vez mais o quadro como um todo. Jovens que não têm acesso à internet, com as famílias desestruturadas, muitos sem celular... Mas, começamos a fazer esse trabalho pedagógico através de grupos de Whatsapp e Instagram, que são mais fáceis de os alunos acessarem — conta.

Já Fernanda Maciel, gestora da escola Dayse Galvão de Sousa, onde Artur estuda, diz que muito do que a escola já vinha fazendo ajudou no processo.

— Inicialmente, a gente estava no meio da tempestade com um barquinho de palha. Mas a escola tem um histórico positivo de vínculos com a comunidade. Com a ruptura da pandemia, a gente conseguiu manter muito do que a gente já tinha construído. Nós já tínhamos grupos de Whatsapp por sala e grupos com as lideranças estudantis e isso facilitou muito a nossa mudança — conta.

No Rio, realidades diferentes

No estado do Rio, as diferenças entre as regiões fizeram com que a secretaria de educação fizesse uma política descentralizada.

— Entendemos que cada diretoria entende a realidade da sua escola, e cabe à secretaria fornecer o máximo de instrumentos possíveis para atender essas realidades. Fornecemos material pedagógico para ser impresso, temos dois canais transmitindo aula pela TV e apoiamos outras iniciativas — relata o secretário estadual, Pedro Fernandes.

Para Suellen Oliveira, aluna do Colégio Estadual Clodomiro Vasconcelos, em Itaguaí, na região metropolitana do Rio de Janeiro, a mudança “foi estranha, mas os professores ajudaram”.

— Exige uma disciplina muito grande, e minha casa tem muita gente. É difícil. Mas os professores ajudam e não demorou tanto para fazer as primeiras atividades — conta.

Já em Campos, a estudante Luana Campos afirmou ter tido dificuldade para acompanhar os estudos:

— Tinha que dividir celular com meu irmão, e os programas na TV não são sempre daquilo que estamos aprendendo. Fico um pouco confusa.