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Opinião|‘Homeschooling’: o que há por trás desse universo paralelo?

Especialistas levantam preocupações sobre seus efeitos na socialização das crianças, na qualidade do ensino e no cumprimento dos direitos fundamentais dos estudantes

O homeschooling, ou ensino domiciliar, tem se tornado um tema de discussão cada vez mais frequente no Brasil, especialmente após o anúncio do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), recentemente eleito presidente da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, de que essa pauta será uma de suas prioridades. Como educador, professor e pai, sinto-me compelido a abordar este assunto, por sua relevância e pelo potencial de impactar profundamente a educação em nosso país.

É importante ressaltar que o interesse pelo homeschooling cresceu durante o governo Bolsonaro, e em 2019 deputadas da base de apoio do ex-presidente apresentaram o Projeto de Lei 3.262/2019, que está aguardando para ser pautado no plenário da Câmara após ter sido aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em 2021. No entanto, para que essa opção educacional seja estabelecida no Brasil, seria necessária uma série de mudanças legislativas impactantes, incluindo alterações no Código Penal, que, atualmente, considera o ensino domiciliar como abandono intelectual, bem como modificações no Estatuto da Criança e do Adolescente e nas diretrizes e bases da educação nacional.

Além disso, a pesquisa Educação, Valores e Direitos, conduzida em 2022 pela Ação Educativa e Cenpec, revelou que apenas 21% dos brasileiros são favoráveis à educação domiciliar, defendendo o direito das famílias de retirarem seus filhos da escola, se assim desejarem. No entanto, 99,3% concordam que frequentar a escola é importante para as crianças, e 90% acreditam que as crianças têm o direito de frequentar uma sala de aula mesmo contra a vontade de seus familiares. Esses números refletem a percepção da sociedade brasileira sobre a importância da educação formal e o papel fundamental da escola na formação e no desenvolvimento das crianças e dos adolescentes.

Enquanto alguns argumentam que o homeschooling é uma forma legítima de educação, especialistas levantam preocupações sobre seus efeitos na socialização das crianças, na qualidade do ensino e no cumprimento dos direitos fundamentais dos estudantes.

Ao discutir a viabilidade do homeschooling, é crucial considerar o contexto educacional mais amplo do Brasil. Nos últimos anos, o País tem feito avanços significativos na universalização. No entanto, ainda há desafios a serem superados, especialmente no que diz respeito à qualidade e à equidade do ensino.

Além disso, é essencial evitar polarizações políticas e garantir que o debate sobre o homeschooling seja conduzido de maneira equilibrada e informada. A Comissão de Educação, por exemplo, tem a responsabilidade de abordar questões educacionais de forma imparcial e buscar meios que beneficiem toda a sociedade.

Ao considerar os argumentos a favor e contra o ensino domiciliar, é importante destacar alguns pontos-chave. Em primeiro lugar, a escola desempenha um papel fundamental na socialização das crianças e no desenvolvimento de habilidades essenciais, como a convivência com a diversidade e a resolução de problemas em equipe. Essas são habilidades essenciais para o sucesso no mundo contemporâneo e são mais bem desenvolvidas no ambiente escolar.

Além disso, o homeschooling levanta preocupações sobre a capacidade das famílias de fornecer uma educação de qualidade e abrangente. O ensino requer habilidades especializadas e conhecimento pedagógico que nem todas as famílias possuem. Outro ponto é que a escola desempenha um papel importante na identificação e no combate à violência doméstica, garantindo a proteção das crianças.

Por último, o ensino domiciliar pode representar um retrocesso nas conquistas educacionais do Brasil, fragilizando a estrutura curricular e comprometendo os avanços alcançados até agora.

O fato é que o debate sobre o homeschooling no Brasil é complexo e exige uma abordagem cuidadosa e ponderada. Embora reconheçamos o direito das famílias de escolher a melhor forma de educar seus filhos, é fundamental garantir que todas as crianças tenham acesso a uma educação de qualidade e abrangente, que promova seu desenvolvimento integral e as prepare para os desafios do século 21.

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DIRETOR DO CURSINHO DA POLI, É PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO POLISABER

Opinião por Gilberto Alvarez

Diretor do Cursinho da Poli, é presidente da Fundação PoliSaber