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Homeschooling: "menos Estado significa mais violações de direitos das crianças", afirma especialista

25/05/2021 13h23

O projeto de lei que regulamenta a educação domiciliar em debate na Câmara dos Deputados, prioridade do governo Bolsonaro, tem causado polêmica. A professora da Unicamp e pesquisadora da modalidade, Luciane Barbosa, aponta que o movimento homeschooling reúne grupos muito diferentes de pais que não estão satisfeitos com a educação escolar, não apenas conservadores. Mas sublinha que "menos controle do poder público significa mais violações de direitos de crianças e adolescentes".

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP) prometeu levar o projeto à apreciação do plenário ainda no primeiro semestre deste ano, o que colocaria fim a uma longa trajetória de tentativas de regulamentação do ensino domiciliar no Brasil que começaram em 1994, como aponta Luciane Muniz Barbosa, professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas e pesquisadora do tema.

O texto da regulamentação é alvo de intenso debate, e tem recebido críticas tanto dos contrários ao ensino domiciliar como dos apoiadores do movimento. O texto final coloca uma série de condições para que os pais possam optar pelo ensino domiciliar, como a exigência de ensino superior dos pais ou do responsável pela educação, de que as crianças sejam submetidas a avaliações públicas, de que estejam matriculadas em escolas, entre outros requisitos.

Os críticos ao homeschooling defendem a rejeição do projeto de lei sob argumentos que giram em torno do questionamento sobre a qualidade do ensino e da falta do convívio da criança e do adolescente com pessoas diferentes e diversidade de temas. Para os defensores da modalidade, a proposta não dá a liberdade desejada pelos pais para a educação de seus filhos, tendo demasiado controle do Estado na proposta.

A pesquisadora acredita que o monitoramento do Estado é essencial para a garantia dos direitos das crianças e adolescentes de acesso à educação. No entanto, ela sublinha que o tema em debate atenderá apenas um minoria de alunos e tem sido tratado como prioritário pelo governo federal em um momento em que milhares de estudades da escola pública estão sem aulas durante a pandemia por, entre outros problemas, falta de acesso à internet.

Quem são os defensores do homeschooling

Historicamente, a defesa do ensino domiciliar estava relacionada a grupos protestantes, sobretudo em países da América do Norte. No entanto, Luciane conta que o movimento tem crescido em diversas partes do mundo e entre grupos muito distintos com severas críticas não só ao currículo, mas à estrutura escola que "com o passar das décadas, dos séculos não se modifica. Temos visto diversas falas contra a instituição escolar no sentido de que ela não atende mais esta criança e este adolescente do século 21, sua forma de pensar, de interagir e de aprender", diz.

Em um cenário plural que reúne grupos religiosos que questionam o ensino de gênero, pais preocupados com o rendimento escolar do filho, pais de filhos com deficiências que não são incluídos devidamente e também movimentos de negros nos Estados Unidos que não veem sua cultura ser representada no currículo escolar, a pesquisadora aponta como ponto em comum a defesa pela liberdade e pelo controle dos pais sobre a educação dos filhos.

Projeto entrou em pauta dentro de agenda conservadora

Apesar da diversidade de grupos que consideram o ensino domiciliar como mais interessante para seus filhos, Barbosa assinala que o tema entrou em pauta como prioridade em educação do governo federal por estar alinhado a uma agenda conservadora. Ela destaca que, no entanto, a regulamentação beneficiaria um grupo muito pequeno da população. No Brasil, onde a prática é ilegal por falta de regulamentação, estima-se que apenas 15 mil crianças e adolescentes recebam educação domiciliar.

"A gente discute a regulamentação da educação domiciliar em um contexto de pandemia em que a gente tem milhares de crianças sem acesso à internet e, consequentemente, sem acesso à educação por estarmos em um momento de isolamento. A própria discussão de um projeto com esta temática já revela como algumas temáticas relacionados a certos grupos associados a pautas conservadores têm sido colocadas como prioritárias em detrimento de outras propostas e do enfrentamento de outros problemas que atingem a maior parte da população, como é o caso da educação pública em um contexto de pandemia", diz a especialista.

Para a pesquisadora da Unicamp, é importante que o projeto de lei tenha uma regulamentação que não deixe brechas que afetem a obrigação escolar e a escola pública.

"Se não tivermos uma série de exigências para que as famílias demonstrem para o poder público que esta criança está sendo de fato ensinada em casa, a gente corre o risco de que várias famílias, por motivos diversos, tirem suas crianças das escolas e não façam o trabalho da educação", avalia.

Menos controle, mais violações de direitos

Em relação à defesa de menos Estado e mais liberdade para a educação domiciliar, Barbosa responde que em um contexto de grande desigualdade, é o controle público que garante direitos.

"Não pode ter um projeto de lei para que qualquer família escolha fazer educação domiciliar sem ter nenhum acompanhamento do poder público. A fala dos defensores da educação domiciliar de que eles querem menos Estado e mais liberdade é inviável no Brasil, porque menos Estado e menos controle do poder público significa mais violações de direitos de crianças e adolescentes que, em sua grande maioria, pertencem a uma camada da população que está em classes baixas", argumenta.

"Já estamos de alguma forma tirando algo da educação pública porque estamos concentrando esforços, olhares, movimento toda a Câmara dos Deputados para olharem para um fenômeno que não vai auxiliar a melhorar a qualidade da educação no Brasil de uma forma geral, justamente por atender a uma minoria. E quando falamos em implementação, estamos falando em profissionais no MEC, nas secretarias, nas escolas para supervisionar essa prática. Então já estamos falando de retirar recursos da educação pública para supervisionar a prática de poucas famílias e de classes mais altas", finaliza.