Por Iana Caramori, g1 DF


Estudante escreve em caderno, em imagem de arquivo — Foto: TV Globo/ Reprodução

A prática do ensino domiciliar, o chamado "homeschooling", voltou ao centro do debate depois que a Câmara dos Deputados aprovou, na quinta-feira (19), um projeto de lei que regulamenta as aulas em casa. O texto segue agora para análise no Senado (saiba mais abaixo).

LEIA TAMBÉM:

Em Brasília existe uma lei, sancionada pelo governador Ibaneis Rocha (MDB) em dezembro de 2020, que permite o "homeschooling" na capital federal. O DF foi a primeira unidade da federação a criar normas sobre o tema.

A lei deveria valer a partir de fevereiro de 2021. No entanto, 1 ano e meio depois da sanção, o texto não está regulamentado.

Questionada pela reportagem, a Secretaria de Educação disse que a legislação "está em fase de regulamentação", e não deu prazo para o fim do processo. Diante da atenção que o tema voltou a ter, o g1 ouviu especialistas e famílias que defendem e que criticam o homeschooling (leia abaixo).

Câmara aprova projeto que regulamenta homeschooling

Câmara aprova projeto que regulamenta homeschooling

A lei no DF

A lei aprovada pela Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), em 2020, e sancionada pelo governador Ibaneis Rocha prevê que:

  • Pais e responsáveis adeptos ao ensino domiciliar deverão se cadastrar junto à Secretaria de Educação, que vai avaliar os alunos periodicamente
  • A adesão ou desistência do modelo pode ser feita a qualquer momento
  • Os responsáveis deverão provar a capacidade de transmitir os conhecimentos
  • Profissionais como assistente social, pedagogo e psicólogo deverão acompanhar o desenvolvimento do estudante cuja família optar pelo modelo de ensino domiciliar

O que diz quem defende o 'homeschooling'

Priscilla Aydar, de 40 anos, é uma das mães do DF que aguarda a regulamentação da lei. Ela conta que os três filhos, com idades entre 1 e 5 anos, não frequentam a escola.

Formada em letras e mestre em literatura, Priscilla, atualmente, se dedica à educação das crianças. Para ela, o "homeschooling" proporciona um ensino personalizado, focado nas habilidades e nas dificuldades de cada criança.

"O fato de o pai ou mãe ter que lidar com poucas crianças enquanto ensina faz com o que o ensino domiciliar seja muito mais efetivo", aponta a mãe.

Ela acredita que não há resistência ao "homeschooling" por parte dos brasileiros, mas sim falta de conhecimento sobre a modalidade. "A visão que se tem, quando se fala em crianças sendo educadas em casa, é a de uma prisão domiciliar, em que os pequenos não saem das quatro paredes, não convivem com seus pares e não têm a possibilidade de aprendizado efetivo. Isso é uma falácia muito grande", diz Priscilla Aydar.

Segundo ela, a convivência dos filhos com pessoas de diferentes idades não é comprometida por causa do ensino domiciliar. "Elas frequentam museus, parques, restaurantes, feiras, simpósios, amostras, cinemas, teatros, bibliotecas, livrarias e têm contato direto e de amizade com pessoas mais novas e mais velhas e de diferentes origens."

A moradora de Brasília aponta ainda que a modalidade "é apenas uma opção". Para ela, a maioria dos responsáveis por crianças e adolescentes ainda prefere as escolas vistas como tradicionais, já que "o 'homeschooling' exige tempo e renúncias de quem educa os filhos".

O que diz quem critica o 'homeschooling'

Para outras famílias, levar a criança para a escola ainda é prioridade. O filho de 4 anos de Caroline Dias, de 28 anos, começou a ir para a escola com 1 ano de idade. Para a maquiadora, desde que começou a frequentar o ambiente escolar, o pequeno ficou mais sociável.

"Acho que o ensino em casa tem esse lado positivo de que a criança pode aprender em qualquer lugar que os pais forem. Mas perde na questão de socialização, o que é muito importante para mim", diz a mãe.

Caroline conta que com a pandemia de Covid-19 notou a diferença que o convívio com os colegas da escola faz na vida do filho. "Na volta [às aulas presenciais], ele teve dificuldade de se relacionar com outras crianças. Meu filho e minha sobrinha também", lembra.

O papel do professor também pesa na decisão por uma educação fora do ambiente familiar, segundo a maquiadora.

"O professor tem bagagem, sabe lidar com os alunos e é muito mais experiente. Faz diferença", diz Caroline Dias.

Tema gera polêmica

Menina desenha em folha de papel, em imagem de arquivo — Foto: TV Globo/Reprodução

Para o presidente da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), Rick Dias, o ensino domiciliar é personalizado e flexível, e atende as necessidades específicas das crianças.

"Também potencializa dons e talentos e promove um ambiente seguro e liberdade para acertar e errar. Permite formar adultos com autoestima sólida, desenvolve a disciplina de estudo e o gosto pelo aprendizado, estimula o empreendedorismo e profissionalismo, gera mais convivência familiar e comunitária", afirma Rick Dias.

Rick Dias, presidente da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned) — Foto: Aned/Divulgação

De acordo com o presidente da associação, a legislação sobre o tema é necessária para tirar mais de 3,5 mil famílias brasileiras que aderem ao "homeschooling" na ilegalidade. Para ele, a resistência à modalidade é fruto de falta de informação.

"Desconhecimento total sobre o assunto permeado por mitos sobre a escola e a escolarização, que geram medo e descrença em uma modalidade que já deu certo em mais de 60 países do mundo", diz o presidente da Aned.

À época da tramitação do projeto na CLDF, a deputada distrital Júlia Lucy (União Brasil) defendeu a aprovação da lei que institui o ensino domiciliar em Brasília. Para a parlamentar, é fundamental que as famílias possam escolher o tipo de aprendizagem que querem para os filhos.

"Cada criança tem uma necessidade diferente, cada família pode se organizar de uma forma diferente. Estamos falando de uma liberdade que precisa ser acompanhada pelo Estado, que era omisso até então", declara Lucy.

Por outro lado, Fátima Guerra, professora do Departamento de Métodos e Técnicas da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), acredita que o ensino domiciliar é benéfico apenas em casos excepcionais.

"Pessoalmente, acho uma decisão equivocada. Concordaria, por exemplo, se os pais têm uma criança doente em casa, ou em fase de recuperação muito longa. É uma proposta para quem, de fato, está impedido de ir à escola", diz a especialista.

Fátima Guerra, professora da UnB — Foto: Youtube/Reprodução

Fátima Guerra diz que não se pode apenas garantir o ensino do conteúdo às crianças e adolescentes. "Também é preciso levar em consideração outras questões desenvolvidas dentro dos ambientes escolares", diz a professora.

"Há todas as complexidades que formam a parte intelectual, emocional, física, cultural [da criança], que não podem ser supridas em um ambiente familiar", aponta.

Para ela, por mais rico que seja o convívio com a família, existem estímulos adquiridos no ambiente escolar que não podem ser substituídos. "São diferentes professores, situações sociais, enfrentamentos de conflitos, regras. A socialização fica bastante comprometida", argumenta.

O Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF) também é contra a modalidade. Júlio Barros, diretor da entidade, diz que aulas remotas ou educação domiciliar não são suficientes para substituir o papel do professor: "A educação passa pela socialização, convivência com a diversidade, pluralidade", afirma.

"Setores minoritários da população querem criar um feudo para seus filhos, sem convivência social, e a diversidade de raças, gênero, classes sociais, pluralidade de ideias, liberdade de cátedra", afirma o diretor do Sinpro-DF.

Autorização em âmbito nacional

Câmara aprova urgência para agilizar PL sobre ensino em casa

Câmara aprova urgência para agilizar PL sobre ensino em casa

Atualmente, o ensino domiciliar não é permitido por decisão do Supremo Tribunal Federal, que em setembro de 2018 entendeu não haver uma lei que regulamente o ensino domiciliar no país. Embora a legislação não proíba explicitamente a prática, ela também não a respalda.

O Código Penal condena a adoção da educação domiciliar, considerando abandono intelectual. O Código Penal define o crime como "deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar" e prevê detenção, de 15 dias a um mês, ou multa.

O que acontece agora com o projeto de 'homeschooling' que vai para o Senado?

Após a Câmara dos Deputados concluir a aprovação do projeto de lei que regulamenta a prática do ensino domiciliar, ele segue para o Senado. Pelo texto, fica permitida a "educação básica domiciliar, por livre escolha e sob a responsabilidade dos pais ou responsáveis legais pelos estudantes".

A escolha deve ser formalizada pelos responsáveis nas instituições de ensino credenciadas, mediante apresentação dos seguintes documentos:

  • Comprovação de escolaridade de nível superior ou em educação profissional tecnológica, em curso reconhecido nos termos da legislação, por pelo menos um dos pais ou responsáveis legais pelo estudante;
  • Certidões criminais da Justiça Federal e Estadual ou Distrital dos pais ou responsáveis;
  • Relatórios trimestrais com a relação de atividades pedagógicas realizadas no período;
  • Acompanhamento com um docente tutor da instituição em que a criança estiver matriculada e que sejam realizados encontros semestrais com o estudante e os responsáveis;
  • Avaliações anuais de aprendizagem;
  • Avaliação semestral do progresso do estudante com deficiência ou transtorno de desenvolvimento.

Leia mais notícias sobre a região no g1 DF.

Veja também

Mais lidas

Mais do G1
Deseja receber as notícias mais importantes em tempo real? Ative as notificações do G1!