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Política Eleições 2018

Haddad ressuscita na campanha projetos que não conseguiu tirar do papel no Ministério da Educação

Gestão do petista teve avanços, mas problema do ensino médio 'ficou por resolver'
Fernando Haddad, ex- ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo
Fernando Haddad, ex- ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo

BRASÍLIA -  Candidato do PT à Presidência e segundo nas pesquisas de intenção de voto , Fernando Haddad promete retomar projetos que não conseguiu implantar no Ministério da Educação ( MEC ). Uma prova nacional de ingresso para a carreira de professor e a ampliação da oferta de ensino técnico pelo Sistema S , dentro da educação regular, estão entre as ações que Haddad deixou de pôr em prática nos seis anos e meio como ministro, e agora serão reeditadas no programa de governo.

A gestão do petista no MEC, no entanto, também é reconhecida por avanços, como a ampliação das avaliações, criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), expansão do ensino superior, incremento do alcance do Enem e avanço do antigo Fundef, que financiava a educação fundamental, para o atual Fundeb. O novo fundo criado por lei passou a cobrir os dois extremos do ciclo básico (ensino infantil e ensino médio), passando de R$ 90,3 bilhões no primeiro ano de existência, 2007, para R$ 146 bilhões em 2017, segundo valores corrigidos pela inflação do período.

Mas o ensino médio "ficou um problema por resolver", nas palavras do próprio presidenciável em sabatina realizada em agosto pelo Movimento Todos pela Educação. Na ocasião, ao enumerar feitos de sua gestão, Haddad admitiu: "O ensino médio ainda estamos devendo". A etapa escolar é um dos principais gargalos da educação brasileira. Embora a oferta seja de responsabilidade dos estados, há consenso antigo de que o governo federal precisa atuar diretamente para mudar o quadro de estagnação.

A autocrítica do petista é compartilhada por especialistas em educação e atestada por números. Criado pelo próprio Haddad, o Ideb do ensino médio no país engatinhou na gestão dele. Saiu de 3,4 para 3,7 entre 2005 e 2011, último ano do petista na pasta, que ele ocupou de julho de 2005 a janeiro de 2012. Mesmo depois disso, não houve melhora no indicador, que ficou em 3,8 no ano passado - bem longe da meta de 4,7.

Por outro lado, numa demonstração de que é possível avançar num período curto de tempo, o Ideb do ensino fundamental (anos iniciais) só cresceu, passando de 3,8 para 5,8 entre 2005 e o ano passado, superando a meta estabelecida de 5,5. A nota dos anos finais da etapa também evoluiu, embora em ritmo menor, de 3,5 a 4,7 no mesmo período, sem atingir a meta desde 2013.

— A grande lacuna da gestão dele foi o ensino médio, apesar de avanços inegáveis — afirma Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos pela Educação.

Ela reconhece que a gestão do petista tem pontos positivos:

— O Fernando Haddad conseguiu dar andamento e aprofundar políticas que já vinham sendo feitas. Isso é uma qualidade fundamental na gestão pública, sobretudo na área da Educação — diz Priscila.

Segundo a especialista, o diagnóstico de altas taxas de evasão e baixa aprendizagem no ensino médio já é velho conhecido na formulação de políticas públicas e não passou despercebido pela gestão Haddad. O MEC criou o Mais Educação, que repassava recursos diretamente a escola para estimular a ampliação da jornada. O foco era o ensino fundamental, apostando na trajetória dos estudantes para transformar o nível médio.

— A lógica era de que essa geração de alunos iria chegar melhor ao ensino médio. E isso não aconteceu — explica Priscila.

O Mais Educação, que começou em 2008 com 386 mil alunos, tinha 4,7 milhões de atendidos quando Haddad deixou a pasta. Mas dificuldades de implementação e falta de regras específicas sobre as atividades desenvolvidas no tempo extra levaram a resultados ruins. Um estudo do Itaú Social de 2015 mostrou que os alunos contemplados não melhoraram em português e chegaram a ter queda de desempenho em matemática.

Cesar Callegari, que tocou o programa como secretário de Educação Básica do MEC após a saída de Haddad, explica que a gestão acreditava na capacidade de a iniciativa estimular uma reestruturação das escolas. Os estados, disse ele, não responderam como o esperado, além da dificuldade de fiscalizar a execução do programa in loco.

— Acabou sendo, em muitos casos, apenas aumento de tempo do aluno dentro da escola, o que não acrescenta. Foi um aprendizado que tivemos por meio do Mais Educação - diz Callegari.

Em 2010, Haddad lançou uma ofensiva específica. O Programa Ensino Médio Inovador, de apoio técnico e financeiro aos estados para formulação de currículos dinâmicos e flexíveis, tinha quase 2 mil escolas atendidas no ano em que o ministro deixou a pasta - cerca de 10% da rede.

Maria Helena Guimarães de Castro, que foi secretária-executiva do MEC nas gestões Paulo Renato Souza, no governo FHC, e Mendonça Filho, no governo Temer, destaca a ausência de indicadores para aferir os resultados do programa.

— Os indicadores do ensino médio em geral não nos levam a considerar uma hipótese de impacto significativo do Ensino Médio Inovador, apesar de ser uma política válida que foi bem aproveitada em determinados estados — afirma.

O aprendizado dos alunos do ensino médio está empacado desde a década de 1990, quando o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) começou a ser aplicado. Na medida em que a inclusão de jovens de 15 a 17 anos na escola aumentou, passando de 62,5% para 84,3% entre 1995 e 2015, o desempenho caiu.

Na última década, entre 2005 e 2015, que engloba a maior parte da gestão Haddad, a proporção de alunos do ensino médio com aprendizado adequado em português subiu (22,6% para 27,5%) e caiu em matemática (10,9% para 7,3%). No entanto, o quadro de evasão e repetência na etapa escolar continua grave, apesar de uma leve queda. A evasão passou de 14,5% para 11,2%; e a repetência, de 13,5% para 10,5% entre 2008 e 2015, de acordo com os dados oficiais disponíveis.

A assessoria de Fernando Haddad, em nota, informou que o então ministro lançou em 2007 o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) com 54 ações, entre elas o Programa Ensino Médio Inovador, "que se pretendia como um laboratório para uma reforma do ciclo". Ressalta ainda que o Mais Educação, também criado a partir do plano, foi implantado em todo o território nacional.

Ainda segundo a nota, o PDE, programa de gestão da creche a pós-graduação, teve adesão de todos os prefeitos e governadores do país, independentemente de filiação partidária. Os programas Mais Educação e Ensino Médio Inovador foram reformados. Hoje, cerca de 1,1 milhão de alunos do ensino fundamental público (4% do total) são atendidos pelo Mais Novo Educação. O Ensino Médio Inovador alcançou 3,1 milhões (45% dos estudantes da etapa) em 2017. Este ano, não houve inclusão de novas escolas.

PROVA NACIONAL PARA PROFESSORES

Outra bandeira que Haddad não conseguiu efetivar, a implantação de uma prova nacional para ingresso na carreira de professor pretende melhorar a qualidade dos docentes na educação básica. Entre as iniciativas implementadas com o mesmo objetivo, está o Pibid, programa de bolsas a graduandos para a docência, e a lei que instituiu o piso do magistério no país - duas iniciativas da gestão Haddad elogiadas por analistas.

O cenário, porém, é preocupante. No ensino fundamental, apenas 55,7% dos professores têm formação adequada (licenciatura na mesma área que lecionam). No ensino médio, esse índice é de 61%, segundo o Censo Escolar 2017. Em 2013, essas proporções eram de 51,2% e 57,8%, respectivamente.

Haddad defendia que poderia aumentar a qualidade dos profissionais com a prova nacional de ingresso na carreira, mas não conseguiu driblar a resistência de sindicatos nem formar uma coalizão com prefeitos e governos, que passariam a usar o exame nos seus concursos, em torno da proposta.

A expansão do ensino técnico dentro da educação regular, inclusive combinado com o ensino médio e ministrado pelo Sistema S, foi outra queda-de-braço perdida por Haddad. O ministro cobrava a ampliação de vagas gratuitas. No programa de governo, promete direcionar recursos específicos dos impostos arrecadados pela União para manutenção do Sesi, Senai, Sesc e Senar para incrementar a "oferta de ensino médio de qualidade".

Com vigência até 2020, o Fundeb trouxe a promessa da universalização. Na pré-escola, houve avanço. Em 2005, 27,5% das crianças de 4 e 5 anos não tinham acesso à rede de ensino, caindo para 9,5% em 2015. Já entre os adolescentes de 15 a 17 anos, o índice saiu de 21,2% para 15% no período, ainda alto por ser a reta final da educação básica. Estima-se 1,5 milhão de jovens nessa faixa etária fora da escola.

É também da época de Haddad a criação de instrumentos que profissionalizaram a gestão da educação básica. Além de indicadores e metas, a partir da ampliação de avaliações que já existiam e considerando novas variáveis, o então ministro elaborou ferramentas para atuação conjunta com municípios e estados, a exemplo do Programa de Ações Articuladas (PAR). Uma característica de Haddad enaltecida por especialistas é a continuidade.

MAIS VAGAS NO ENSINO SUPERIOR

No ensino superior, que se tornou a vitrine do agora candidato durante as eleições, o número de matrículas na graduação passou de 4,5 milhões para 7 milhões durante sua gestão, de 2005 a 2012, incluindo setor público e privado. Seis universidades federais foram criadas. A quantidade de municípios com a presença dessas instituições subiu de 147 para 292 só no período de Haddad no MEC, a partir de criação de polos descentralizados.

A expansão, porém, não contou com o planejamento necessário, na avaliação de Renato Pedrosa, coordenador do Laboratório de Estudos em Educação Superior da Universidade de Campinas (Unicamp). Ele aponta que, apesar de critérios importantes para atingir a população mais carente, como exigir abertura de cursos no período noturno, faltou uma "programação correta de custos" na reforma universitária :

— Manter instalações à noite demanda contratação de professores, de funcionários, num turno adicional de trabalho. E são despesas para sempre. Agora estamos com obras paradas, contas estranguladas — diz ele.

— Não tenho dúvidas que o sistema federal tinha espaço para crescer, mas não no ritmo verificado.

Principal estratégia de acesso ao ensino superior, o Fies, criado em 1999, ganhou novas regras em 2010, com redução da taxa de juros e extensão do prazo para pagamento, estabelecidas ainda por Haddad. Depois, verificou-se insustentável do ponto de vista econômico. Pedrosa aponta, entretanto, que não é possível "debitar" da gestão do ex-ministro o descalabro do programa de financiamento para estudantes de baixa renda pagarem o ensino superior.

Quase nenhuma crítica paira, entretanto, sobre o ProUni, criado por Haddad em 2005. O programa que dá renúncias fiscais a instituições privadas de ensino superior em troca de bolsas de estudo beneficiou 968 mil pessoas no período do petista na pasta. O número total de atendidos pela iniciativa passa de R$ 2,3 milhões.

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) na forma de seleção unificada para as universidades federais e outras instituições que aderiram é outro legado da gestão Haddad. Ele transformou a prova que servia para avaliar a etapa escolar em mecanismo de ingresso no ensino superior. Implantou o novo formato do exame em 2009, sem nenhuma experiência em processos que exigem um nível elevado de segurança.

A primeira edição do Enem ampliado resultou num dos momentos de maior crise de sua gestão, quando a prova foi roubada da gráfica. O Enem foi refeito em tempo recorde, com novo contrato de mais R$ 130 milhões com empresa de logística e aplicação. De lá para cá, ganhou a simpatia da sociedade e das instituições, por aumentar as chances de ingresso com uma seleção unificada, embora problemas de fraudes permaneçam recorrentes.