Descrição de chapéu Coronavírus

Há um mês, Saúde era contra reabertura de escolas com alta de casos de Covid na capital paulista

Mudança de posição decorre de novos estudos, diz prefeitura; Brasil é um dos países há mais tempo sem aula presencial

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São Paulo

Antes que a Justiça barrasse o retorno das aulas presenciais no estado de São Paulo, a gestão Bruno Covas (PSDB) havia dado aval, no dia 14 de janeiro, para a volta mesmo em meio ao aumento de casos e óbitos por coronavírus na cidade de São Paulo, mas essa permissão era rejeitada pela área técnica de saúde da prefeitura no final do ano passado

O entendimento consta de ofício datado de 21 de dezembro, elaborado como resposta a um pedido de informações formulado pela vereadora Janaina Lima (Novo).

Após elencar uma série de normas estaduais e municipais a área de vigilância em saúde (Covisa) da prefeitura argumentou no documento que não seria adequado reabrir as unidades educacionais em meio à piora do cenário epidemiológico na cidade.

“Considerando a regressão da fase verde para a fase amarela, com o aumento do número de casos de contágio e número de óbitos, a Covisa se manifesta desfavorável ao retorno das aulas presenciais neste momento da pandemia, recomendando que seja autorizado, somente, quando estes indicadores estiverem em queda e evoluirmos para uma fase mais segura, com baixos índices de risco”, diz o texto, assinado pela analista de saúde Karen Nakamura, pela diretora Magali Antonia Batista e pelo diretor Mario Rubens Amaral de Jesus.

A fase mais segura citada no documento não chegou. A a cidade de São Paulo vive hoje crescimento rápido de novos casos da doença, mesmo cenário do último dia 14, quando foi anunciada a volta às aulas presenciais.

Na contramão do que fizeram países desenvolvidos, a capital paulista não adotou a medida quando o número de casos de coronavírus começou a cair, em setembro.

Levantamento da Unesco (braço das Nações Unidas para educação) mostra que o Brasil é um dos países com unidades educacionais fechadas há mais tempo. São 40 semanas, contra 22 da média mundial.

O fechamento das escolas está associado a déficits de aprendizagem, aumento da desigualdade educacional e problemas de saúde mental para crianças.

A reabertura é defendida há tempos pela área de educação da prefeitura, diante da dificuldade de manter o vínculo dos alunos no ensino a distância

Em documento que firma parceria para inspeção das escolas, com o objetivo de torná-las seguras para receber de volta os alunos, a Secretaria da Educação mostra a parcela de estudantes que nem sequer acessaram o conteúdo remoto: 30% dos de ensino fundamental, 77% da educação infantil e 74% da Educação de Jovens e Adultos.

Internamente, porém, a reabertura vinha sendo adiada em razão da resistência da área da saúde municipal, que tinha entendimento sobre o tema diferente do da pasta estadual.

No último dia 13, um dia antes do anúncio da volta às aulas, representantes do movimento Escolas Abertas, que reúne famílias que defendem essa bandeira, reuniram-se com o secretário da Saúde de Covas, Edson Aparecido, e saíram tão desanimados com a perspectiva de reabertura que seguiram à noite para protestar diante do prédio do prefeito, na zona oeste da cidade.

Ao convocar a manifestação, o grupo afirmou que Aparecido havia transmitido a impressão de que não haveria retorno presencial.

Na manhã seguinte, porém, a volta às aulas presencial foi anunciada em entrevista coletiva com a participação do próprio Aparecido e do vice-prefeito, Ricardo Nunes (MDB). Entre os motivos elencados pelo secretário para a mudança de posição da Saúde estavam os baixos índices de infecção entre as crianças, os danos psicossociais a elas em decorrência do fechamento das escolas e a ausência de evidências de que elas fossem “super espalhadoras” do vírus, como se pensava no início da pandemia.

Porta-voz do Escolas Abertas, Isabel Quintella disse que o movimento soube da mudança de posição ao acompanhar entrevista. “Nossa grande vitória foi divulgar as informações corretas”, diz. Uma vez que a ciência já havia mostrado que era possível reabrir de forma segura, faltava a sociedade civil se movimentar, afirma.

Em nota, a prefeitura afirma que o documento da Covisa está desatualizado. "Tem mais de um mês da sua elaboração e novos levantamentos e análises foram realizados nesse período de tempo. Portanto, não contém questões fundamentais que embasaram a decisão pela volta às aulas, principalmente os estudos do inquérito sorológico e de sororreversão", afirma.

A gestão Covas ressalta ainda que a volta às aulas foi decidida em conjunto com especialistas e enviou nota conjunta de 21 de janeiro de diversas áreas da Secretaria Municipal de Saúde, incuindo a Covisa, com orientações para o retorno seguro às aulas.

Após o retorno, limitado a 35% dos alunos ao dia, será implantado um sistema de vigilância com escolas sentinela. Serão 28 unidades em diferentes regiões da cidade que terão acompanhamento detalhado por 14 dias (ciclo do cornavírus), para que seja feito o acompanhamento de saúde de alunos, professores e pais, de modo a avaliar a disseminação do vírus naquela área.

Visão técnica

A bandeira da reabertura também conta com a defesa dos pediatras, preocupados com os danos à saúde das crianças decorrentes do afastamento prolongado do ambiente escolar.

“Impedir a criança de ir à escola não vai protegê-la”, diz Marco Aurélio Sáfadi, presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. “Hoje elas estão expostas ao vírus nas ruas, na casa de parentes e em outros ambientes que, diferentemente da escola, não têm protocolos de segurança.”

Ele avalia que escolas poderiam, sim, ser fechadas em um cenário em que todas as atividades tivessem que ser interrompidas. “Mas acho que não estamos nessa situação, uma vez que shoppings estão abertos, bares estão funcionando e casamentos estão ocorrendo”, afirma.

Mestre em saúde pública pela Universidade Harvard, o médico Márcio Bittencourt concorda com a reabertura das escolas, principalmente pelos danos psicossociais do fechamento. Mais importante do que o momento da pandemia, diz, o mais relevante para que a medida seja tomada é a adequação do ambiente educacional e o treinamento das equipes para que os protocolos de segurança sejam cumpridos.

“Se o momento epidemiológico estiver muito complicado para abrir as escolas, deveríamos fechar outras atividades, e acredito que, no atual momento, deveríamos mesmo, principalmente os de alimentação e estadia prolongada [como bares, restaurantes e hotéis]”, diz.

Já o epidemiologista e professor da USP Paulo Lotufo avalia que as escolas deveriam ter sido reabertas em setembro, com a desaceleração de casos. “Os prefeitos não quiseram tomar a medida por causa da eleição, e agora estamos perdendo o momento”, diz.

Em sua avaliação, o momento epidemiológico é grave, e é preciso esperar uma nova redução de casos antes de reabrir, principalmente devido à pressão no transporte público que a volta às aulas trará.

Ele defende ainda a restrição a outras atividades econômicas no momento e maior agilidade na vacinação.

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