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Os demais culpados pelo fracasso de tecnologias educacionais na rede pública

Resultados frustrantes indicam ações limitadas antes mesmo da pandemia

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Guilherme Lichand

Professor de economia do bem-estar e desenvolvimento infantil na Universidade de Zurique

Sem aulas presenciais durante a pandemia, escolas se viram obrigadas a utilizar tecnologias educacionais para tentar mitigar perdas de aprendizagem e o risco de abandono escolar.

Redes públicas de ensino embarcaram em experiências inéditas que, apesar de seu potencial, tiveram resultados frustrantes em função do despreparo para trabalhar com essas tecnologias mesmo antes da pandemia.

Mas isso não é só culpa das redes públicas. Se de um lado a filantropia sempre se dispôs a financiar tecnologias educacionais para o setor público —o investimento social privado em educação chegava a R$ 1 bilhão por ano, segundo dados da Comunitas—, de outro, sua abordagem era conservadora.

mulher de roupa vermelha segura filho em em seu colo. os dois mexem no celular, usam máscaras e estão em uma sala residencial
Sistema de educação a distância da rede pública de ensino foi pouco eficiente em manter estudantes conectados na pandemia - Rubens Cavallari/Folhapress

A primeira explicação é porque o modus operandi da filantropia é financiar pilotos em escala muito pequena. Mesmo quando as iniciativas são bem-sucedidas, não escalam por uma combinação de fatores que tornam extremamente improvável que o governo consiga contratar tecnologias educacionais —em particular, os riscos jurídicos que vêm com a inovação.

Em segundo lugar, porque esses pilotos tendem a ignorar barreiras estruturais das redes públicas. Mais de um estudo já documentou que a Khan Academy no Brasil não tem impacto nenhum para qualificar a aprendizagem em uma escola pública típica, embora tenha resultados expressivos nas poucas escolas adequadamente equipadas e com professores treinados.

Essa conclusão, que era sabida anos antes da pandemia, deveria ter ativado experiências com outras ferramentas que não precisam dos mesmos equipamentos ou treinamento.

É o caso da Spark, baseada em tablets offline com navegação autônoma do aluno, que foi capaz de avançar a aprendizagem em até um ano adicional na Índia. Nunca testamos a Spark ou ferramentas similares no Brasil.

Em terceiro lugar porque fundações e institutos não seguem uma lógica de estratégia de portfólio, deixando de fora soluções mais arriscadas, mas com potencial verdadeiramente disruptivo para um momento de crise como o que estamos vivendo.

Em 2017 escrevi um artigo nesta Folha enfatizando que, embora importante, conectar escolas rapidamente seria improvável —o que se provou realidade.

Era preciso experimentar outras maneiras de levar o aluno a estudar online. A despeito do que escrevi, conectividade carimbada no Brasil foi testada pela primeira vez somente na crise sanitária.

Os dados disponíveis até aqui sugerem que a experiência foi um grande fracasso: relatório do Unicef aponta que a minoria dos alunos estuda online.

Mesmo nos Estados mais preparados, os acessos semanais não ultrapassam 50% dos alunos. Dentre estes, o aluno médio passa menos de 2h por semana nas plataformas de aprendizagem, mesmo na ausência de aulas presenciais.

Para que a tecnologia de fato funcione, precisamos testar com rigor estratégias de experiência do usuário que gerem incentivos provados para que alunos acessem as tecnologias, sigam engajados e aprendam.

No meio da crise, seria improvável que isso acontecesse. Tivemos anos antes dela para testar e aprender, mas não o fizemos, apesar dos diversos apelos.

Diante de números relevantes de evasão escolar, mesmo antes da pandemia, o Brasil tinha ampla experiência com estratégias de busca ativa. Em São Paulo, por exemplo, 10% das crianças e jovens do 6º ano à 3ª série do Ensino Médio já abandonavam a escola pública em um ano típico.

O Estado de Goiás inclusive argumentava que uma das razões para ter chegado ao topo do ranking do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) no Ensino Médio era sua capacidade de ligar para os alunos faltosos algumas vezes seguidas. Tinham um call center dedicado para prevenir o abandono enquanto ainda era tempo.

A verdade, no entanto, é que essas ações sempre foram limitadas. As redes nunca tiveram as informações de contato atualizadas dos alunos e de seus familiares. E se isso parecia pouco importante antes da pandemia, agora se tornou um problema fundamental.

Na experiência da Movva em 13 Estados, nenhum tinha telefones válidos para mais da metade de seus alunos. Entre aqueles classificados como tendo maior risco de abandono, esse quadro é ainda mais dramático: a rede tem telefones válidos para cerca de 3 a cada 10.

Sem contatos dos alunos e de seus familiares, qualquer abordagem tecnológica simples, como uma ligação, até a mais sofisticada, como bots de WhatsApp, não vai chegar a quem precisa.

A pandemia transmitiu a ideia de que todo professor do Brasil estava conectado com seus alunos em grupos de WhatsApp. Se isso fosse real, bastaria que as redes centralizassem a base de contatos a partir das informações enviadas pelos formadores.

Só que a realidade é mais dura, e não adianta tratar professores como heróis solitários num processo que exige soluções sistêmicas.

Precisamos urgentemente construir esse cadastro de qualidade para que as redes possam falar com todos os seus alunos e familiares, sobretudo com os mais vulneráveis, sob maior risco de abandonar a escola no cenário atual.

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