Luana Génot
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Luana Génot
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Luana Génot

Por Luana Génot


Quantas vezes dizemos “não” às perguntas que estão na cabeça das crianças? Lembro de vários adultos na família e na escola dizendo que eu era muito nova para entender sobre tal assunto. Ou que a pergunta era difícil demais. Ou que não tinham tempo para responder.

Há ainda a técnica de romantizar uma realidade por acreditar que não devamos trazer dureza à infância quando o assunto é complexo. Ou ainda que a criança é incapaz de aprender cedo, mesmo que com uma linguagem adaptada, sobre múltiplas questões com as quais nos deparamos ao longo da vida.

Logo que saímos do calor do ventre as interrogações surgem. Fico imaginando um bebê chorando nos primeiros minutos de vida já com sua primeira pergunta existencial sobre por que teve que sair de um lugar tão confortável onde tinha proteção e comida garantida. Dali em diante, as perguntas não param de surgir.

Lembro de, na infância, quando sofria racismo na escola, ter os adultos me dizendo que aquilo era brincadeira de criança ou que todos éramos iguais e que não deveria me importar com isso. Havia quem dissesse que eu era muito nova para entender o que estava acontecendo. E quem via nos livros que os personagens azuis viviam em perfeita harmonia com os verdes, mostrando que racismo parecia coisa de outro mundo.

Ora, se todos éramos iguais por que eu era tratada como a diferente? Eu pensava. Se racismo não existe no mundo dos livros que eu lia, por que existia no meu mundo? O pior é que eu nem sabia dar nome a ele e achava que era algo que eu estava inventando.

No alto de meus 6 ou 9 anos, essas pareciam questões sem resposta e que, portanto, eu deveria aceitar. E foi assim que passei quase 20 anos da minha vida. Só quando entendi e comecei a dar nome ao racismo e ao machismo estruturais comecei a saber navegar melhor e encarar de frente um mundo que tem estruturas maiores do que as minhas próprias vontades. E infelizmente não eram só coisa da minha cabeça.

Hoje estou do outro lado como a adulta imperfeita, desafiando o tempo para tentar dar respostas complexas, numa linguagem acessível às múltiplas perguntas que têm na cabeça da minha filha de 4 anos e seus amiguinhos.

E até entendo com mais empatia a perspectiva da figura dos adultos impacientes que faziam cara feia para mim. Meu posicionamento hoje é de não romantizar a realidade acreditando que se esconder o racismo ou o machismo eles irão sumir e ela não irá se deparar com eles.

Conto para ela contos e as histórias dos povos originários aldeados ou em cidades para que ela consiga não passar da mesma forma pelo apagamento de nossas próprias histórias. E que saiba desde cedo da multiplicidade dos povos indígenas em nosso país.

E vale dizer que ainda muitas das minhas questões de criança permanecem aqui na cabeça. Minha relação com as perguntas hoje é de afeto. Minhas perguntas afetam minha relação com o mundo e fiz até um livro infantil chamado “Guerreiras do Sim” em homenagem a possibilidade de lutar pelo sim às perguntas que moram nas nossas cabeças desde pequenos.

Acredito que não preciso responder às perguntas sozinha, até porque tenho muitas. Aciono a minha aldeia de pais, amigos e parentes para que também dialoguem sobre tantas questões.

Na prática, não é tão fácil quanto no livro, há barreiras físicas, de agendas e de disponibilidade, mas poder pedir ajuda e entender que não dizer não às perguntas é o caminho, já tem sido um bom começo.

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